A Fundação Zerbini, que gerencia o Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, deve cerca de R$ 115 milhões ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A crise financeira dessa fundação privada, revelada em primeira mão pela Revista Adusp 24 (dezembro de 2001), agravou-se nos últimos anos com sucessivos déficits. Em 2004, a receita foi de R$ 245,499 milhões e a despesa de R$ 299,038 milhões, do que resultou um déficit de R$ 53,539 milhões.

A fundação contraiu a dívida com o BNDES em 1998: tratava-se, à época, de um financiamento de R$ 70 milhões, a serem aplicados na construção do prédio InCor II, ou Bloco II. A entidade insistiu nesse endividamento, sob juros altíssimos, mesmo depois de já ter investido nesse projeto toda a sua reserva financeira. Mais tarde, tentou que o Estado assumisse a dívida, sem êxito.

Em 2003, foi renegociado com o BNDES o financiamento feito em 1998. Com isso, a fundação conseguiu eliminar a “cesta de moedas” até então adotada pelo banco como indexador e substituí-la pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP). Também foi prorrogado o prazo final do contrato, de 2011 para 2014. Com isso, o total da dívida diminuiu em R$ 29,314 milhões.

“De bom grado”

De acordo com a assessoria de imprensa do BNDES, a renegociação foi de “bom grado”, uma vez que o dinheiro foi empregado para a expansão de um hospital. Também foi levada em conta a desvalorização cambial de 2002. Segundo o banco, o contrato permanece como objeto de renegociação, pois com devedores inadimplentes sempre há chance de novos acordos.

Segundo o sítio da Fundação Zerbini na Internet, seus dirigentes  voltaram a cogitar em transferir a dívida para o governo estadual. “Esperamos que as instâncias governamentais competentes assumam, a exemplo do que ocorre com a construção e futuro custeio do Instituto Dr. Arnaldo, a responsabilidade sobre o Bloco II do InCor. Afinal, juridicamente o Estado é proprietário do edifício e mantenedor do hospital”, declarou, em março de 2005, o presidente do Conselho Curador da fundação, professor José Antonio Franchini Ramires.

Daniel Garcia
InCor, vendo-se, em primeiro plano, o Bloco II, motivo da dívida com o BNDES

Os déficits levaram a Fundação Zerbini a adotar a prática ilegal, implantada anos antes pela Fundação Faculdade de Medicina (FFM), de cobrar “taxa de gestão” sobre a verba do Sistema Único de Saúde (SUS), público. Apesar de não constar no relatório de demonstrações financeiras de 2003 e 2004, disponível na Internet, ela cobra, sobre o faturamento total do InCor, uma taxa de 6%. O SUS responde por mais de 40% das receitas do InCor.

Bandeira Lins

O promotor de justiça aposentado Carlos Francisco Bandeira Lins, que foi promotor de fundações da Capital, atuou como conselheiro curador da Fundação Zerbini de 2002 até o primeiro semestre de 2004. Depois, nunca mais foi convocado para nenhuma reunião na entidade. “Não sei mais se estou ou não na fundação”, diz ele. De acordo com Bandeira Lins, na última reunião de que participou tentou deixar o cargo: “Eu não concordava com forma como a entidade conduzia algumas coisas”.

Entretanto, conforme conta Bandeira Lins, o professor Franchini Ramires lhe pediu que permanecesse, sob a promessa da realização de uma auditoria na fundação. O conselheiro é que teria a responsabilidade de controlar e acompanhar a auditoria. “Eu aceitei ficar somente nessas condições, mas depois disso nunca mais fui convocado para nada”, relata.

Na primeira reunião da qual Bandeira Lins participou, em outubro de 2002, foram apresentados documentos relativos a um fundo de direitos creditórios. Esse fundo seria um mecanismo de captação de recursos, que supostamente permitiria à Fundação Zerbini superar a crise financeira. “Na verdade eram cópias de documentos que pertenciam a uma empresa falida, cujos bens ficaram sob administração de um banco federal”, explicou ele, que na condição de conselheiro se opôs abertamente à proposta de instituição do fundo.

“Não havia seriedade naquela proposta”, acrescenta. Na opinião dele, as fundações privadas ligadas a universidades não deveriam receber essa nomenclatura: “Elas visam o lucro e trazem vantagem para aqueles que as criaram, discrepando do modelo tradicional”. Segundo ele, as fundações tradicionais visam apenas perpetuar o nome do seu fundador.

“Na minha época de curador, quando José Goldenberg era reitor da USP, estabeleci que não toleraria a criação de novas fundações se a Reitoria não concordasse. Mas a partir de 1998, quando saí da Promotoria, as fundações voltaram a aparecer”, ressalta. Bandeira Lins considera um contra-senso as fundações da área de medicina afirmarem não ter ligação com a USP. “Esses professores só estão nessas fundações porque são da universidade”.

Matéria publicada no Informativo nº 201

EXPRESSO ADUSP


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