Governos estatizam prejuízos da Fundação Zerbini

Empréstimos temerários e projetos aventureiros geraram dívida e crise no InCor

Incor
Obras no InCor: financiamento federal e estadual

A grave crise financeira que assola a Fundação Zerbini desde 2001, e que veio a público em 2005, em meio à troca de acusações entre a cúpula do HC e a cúpula do Instituto do Coração (InCor, controlado pela fundação privada), chegou a seu ápice na semana passada, quando se soube que 3 mil funcionários estavam com seus pagamentos em atraso em São Paulo. O diretor-executivo do InCor, David Uip, admitiu para a rádio Jovem Pan e a Folha de S. Paulo que a fundação “caminha para a falência”.

Em janeiro deste ano, funcionários da Fundação Zerbini que atuam em Brasília, no programa “Família Saudável”, fizeram um protesto diante da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, pois estavam com os salários atrasados (Correio Braziliense, 11/1/06). Uma das explicações para o atual atraso do pagamento em São Paulo, segundo declarou Uip à Jovem Pan em 9/11, foi o fato de a fundação haver repassado “R$ 36 milhões de São Paulo para a capital federal — o que não era previsto”.

Uip também informou que em 2006 o governo estadual aumentou em R$ 50 milhões seu repasse ao InCor, que teria passado de R$ 150 milhões para R$ 200 milhões(Folha de S. Paulo, 9/11). Com esse valor, segundo o diretor-executivo do InCor, o Estado “cobriu as compras de órteses e próteses e assumiu os salários de 900 funcionários antes bancados só pela fundação e que passaram para a folha do Hospital das Clínicas, que abrange o Incor”. Uip considera, porém, que “é necessária a incorporação de outros 700”.

É de se indagar: tais operações são legais?

Empréstimo do BNDES

A Fundação Zerbini tem-se envolvido, desde 1997, em uma série de iniciativas duvidosas. Em primeiro lugar, contraiu um empréstimo de R$ 69 milhões do BNDES, supostamente para a construção do chamado Bloco II do InCor. Hoje ela deve ao banco estatal nada menos do que R$ 117 milhões. Além disso, contraiu dívidas com outros oito bancos, num total de R$ 62 milhões (Revista Adusp 36, p. 96). Estima-se que a dívida global (que inclui os valores devidos a fornecedores) seja atualmente de R$ 245 milhões.

Outras iniciativas problemáticas da Fundação Zerbini dizem respeito à criação de empresas (vide Revista Adusp 24), à “exportação” do InCor para outras cidades (Brasília, Salvador, Osasco), à participação em programas federais e estaduais de saúde sem relação direta com doenças do coração (como o Qualis) e à criação de unidades diferenciadas, como a “Casa do Climatério” (vide Revista Adusp 36).

O InCor Brasília, criado por interesse de parlamentares e figurões interessados em assegurar um atendimento médico de alto nível na capital federal, revelou-se um desastre financeiro. Agora já se fala na criação de uma outra fundação privada, especificamente para gerir esse hospital.

Governo assume

O agravamento da crise financeira da Fundação Zerbini fez ressurgir o lobby pela estatização dos prejuízos provocados pela gestão aventureira da entidade, que é responsável pela privatização parcial do InCor por meio da criação da “segunda porta” — o atendimento vip de pacientes conveniados e pacientes particulares.

Do promotor de justiça de fundações, Airton Grazzioli, ao jornal O Estado de S. Paulo, passando por dirigentes da fundação e do InCor, todos clamam pelo socorro financeiro do Estado e da União — como se estes já não garantissem importantes recursos. Segundo o Estadão, “o governo deve se preparar para prestar uma ajuda bem mais substancial”, e o  “governo federal tem igualmente uma grande responsabilidade na recuperação do Incor” (editorial “Salvar o InCor”, 10/11, A3).

Todos parecem desconhecer que, entre 2003 e 2006, a Fundação Zerbini ocupou a sétima posição no ranking das instituições privadas que receberam mais verbas federais. De acordo com os Sistemas Integrados de Acompanhamento Financeiro (SIAF), naquele período a fundação recebeu do governo federal R$ 108.143.698. Mais: em 2003 o BNDES refinanciou a dívida da fundação, adotando indexadores mais favoráveis à entidade privada.

Intermediação

“Fiz uma intermediação com o Bradesco, que é um grande credor, e o Santander será o intermediário com o BNDES”, declarou o governador Cláudio Lembo (PFL), acrescentando: “O presidente Lula também ajudou na negociação”. Lembo afirmou que a Fundação Zerbini está “quebrada” (Diário de S. Paulo, 10/11, A7).

Ao mesmo tempo, a Fundação Zerbini ameaça reduzir o atendimento aos pacientes do SUS, como se o InCor não fosse um hospital público: “Para abrir mais espaço ao atendimento de planos de saúde e, assim, arrecadar mais recursos, o InCor vai tentar repartir os pacientes graves, que ficam muito tempo ocupando leitos do hospital, para instituições como o Hospital SP” (Folha, 10/11, C3).

Assim, as informações publicadas nos últimos dias revelam que a Fundação Zerbini, com apoio de parte da mídia, do governo estadual e da Promotoria de Fundações, prepara-se para, mais uma vez, realimentar os desvios que vêm caracterizando a sua atuação na última década:

  1. O promotor estimula a privatização do InCor, sugerindo que seja ampliado o atendimento à clientela privada, em detrimento do SUS.
  2. O promotor, a quem cabe fiscalizar as fundações, declara que a fundação exigiria uma intervenção, pois a dívida compromete o patrimônio da entidade, mas logo acrescenta que “na prática, isso não vai acontecer”, alegando que provocaria um “impacto social muito grande” (O Estado de S. Paulo, 9/11), confundindo assim a fundação com o InCor (nos anos 1990, a Promotoria interveio na Fundação Faculdade de Medicina, sem prejudicar em nada o atendimento no Hospital das Clínicas).
  3. Curiosamente, a Promotoria de Fundações acaba de arquivar investigação que concluiu pela inexistência de irregularidades na Fundação Zerbini.
  4. Os governos assistem a tudo de modo complacente, esquecendo-se de que a Fundação Zerbini apoderou-se de próprios públicos, administra verbas públicas, inclusive recursos carimbados do SUS, e até mesmo cobra uma “taxa de administração” sobre estes últimos.

 

Matéria publicada no Informativo nº 226

EXPRESSO ADUSP


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