“O Instituto ficou subordinado à Fundação”, denuncia Willy Beçak, ex-diretor do Butantan
Daniel Garcia
willy
Professor Willy Beçak

O pesquisador Willy Beçak, que trabalha no Instituto Butantan desde 1956, foi seu diretor entre 1983 e 1991 e um dos fundadores da Fundação Butantan, declarou ao Informativo Adusp, em depoimento exclusivo, que nos últimos anos “houve uma inversão” na relação entre essas instituições, mediante a qual a fundação — privada — passou a “estabelecer a política do instituto”, que é público. “Quem deve dirigir o instituto é a sua diretoria. A fundação deve ajudar”, explica.

Beçak presidiu a fundação até 1997, período assim definido por ele: “A fundação era bem caracterizada, bem controlada. Era tudo transparente. A fundação era auxiliar do instituto”. Depois que deixou a presidência da entidade privada, porém, várias mudanças teriam ocorrido: “O instituto ficou subordinado à fundação. Até os estatutos foram mudados. A fundação passou a estabelecer a política do instituto”.

Perguntamos ao ex-diretor se ele pensa ter havido um desvirtuamento da entidade privada. “As idéias originais do que deveria ser a fundação foram desvirtuadas”, respondeu. “Hoje os recursos investidos em pesquisa pela fundação são simbólicos”.

Rigidez

De acordo com Beçak, a fundação foi idealizada para permitir que o Instituto Butantan recebesse recursos do Ministério da Saúde. Subordinado à Secretaria Estadual da Saúde, e sem dispor de autonomia, o instituto não poderia receber diretamente tais recursos. “A fundação repassaria vacinas e soros e receberia recursos do Ministério. Em 1987, eu, como diretor do Instituto, idealizei a fundação, e fui seu presidente de 1987 a 1997”, explica.

“Só que fizemos um estatuto muito rígido: a verba da fundação não poderia ser usada para complementar salário; a diretoria não poderia receber auxílio financeiro; todo dinheiro só poderia ser reinvestido no Instituto, para as seguintes finalidades: parte na modernização do parque tecnológico; parte para a pesquisa; e parte na melhoria das condições sócio-culturais: museus, benefícios para os funcionários — restaurante e cesta básica, que eles não tinham”.

“Com esses recursos modernizamos o instituto, que estava num caos e não tinha nem soro antiofídico suficiente e de qualidade”. De acordo com o ex-diretor, havia 70 mil casos de acidentes ofídicos por ano e o Butantan só produzia, na época, 20 mil ampolas por ano, sem qualidade satisfatória.

OPINIÃO DA ADUSP

 

Privatização cobra seu preço

 

A traumática experiência do Instituto Butantan, abordada nesta edição e na anterior, confirma os pronunciamentos da Adusp e do Andes-SN sobre o processo de privatização de instituições públicas de ensino e pesquisa, via “fundações de apoio”: ele é sempre marcado pela prevalência de interesses privados, em prejuízo do setor público; por intenso conflito de interesses; e por distorções várias.

Não há motivo para duvidar do professor Beçak quando explica o que o levou a criar a Fundação Butantan. Porém, é ele mesmo quem protesta contra a inversão ocorrida nos últimos anos, que subordinou o ente público à direção da fundação privada. O que pareceu uma solução nos primeiros anos transformou-se, contra a sua vontade, em desvio, que compromete o Instituto Butantan.

Problemas no setor público devem ser resolvidos com instrumentos da esfera pública. A intermediação de entes privados, mesmo quando realizada a princípio com propósitos meritórios, abre uma brecha convidativa para interesses mercantis.

Na década de 1980, o instituto ingressou no Programa Brasileiro de Autosuficiência em Imunobiológicos, por meio do qual a pasta adiantou recursos financeiros para algumas instituições de pesquisa, os quais foram “devolvidos” na forma de imunobiológicos, entre os quais vacinas até então importadas a um alto custo. Graças a esse programa, teria sido possível modernizar completamente o Butantan.

“Megafábrica”

Outra crítica feita pelo ex-diretor à situação atual do instituto: “A parte de produção está exagerada, ficou maior do que deveria ser, em detrimento da pesquisa e da parte cultural”. Na opinião de Beçak, o “Butantan não precisa ser uma megafábrica de vacina”, devendo limitar-se a produzir as vacinas e soros que o mercado não quiser fazer: por exemplo, “soro antiofídico o instituto deve continuar fazendo”, diz ele.

“O Instituto Butantan é um centro de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, como o Instituto Pasteur de Paris, que também fazia produção, mas viu que se ela for exagerada passa a prejudicar a pesquisa”. O ideal, portanto, segundo o ex-diretor, é que parte da produção seja transferida a empresas privadas, mediante o pagamento de royalties por parte destas.

Beçak está aposentado, mas continua trabalhando no instituto, sem remuneração, no Laboratório de Genética do Centro do Biotecnologia, onde desenvolve com seu grupo uma vacina contra os vírus HPv (papilomavírus) e BPv. “O centro, que eu criei, é uma ponte entre pesquisa e produção. A vacina contra hepatite B foi criada por meu grupo no laboratório”, afirma.

Unificação

Otavio Mercadante, diretor do Instituto Butantan, rebate as críticas de Beçak. “Desde a mudança do Estatuto da Fundação Butantan em março de 2005, com a aprovação da Curadoria das Fundações do Ministério Público Estadual, o Conselho Curador da Fundação Butantan passou a ter a mesma composição do Conselho Diretor do Instituto Butantan com representantes da comunidade científica externa e com os diretores de Divisão do próprio Instituto”, declarou Mercadante ao Informativo Adusp. “Sendo assim, a política geral, o planejamento e a avaliação das duas instituições passou a ser unificado. A Fundação mantém seu caráter de apoio ao Instituto nos moldes de outras instituições existentes no Estado, sendo a relação entre as duas organizações regulamentada por Termos de Cooperação e aprovada pela Consultoria Jurídica”.

De acordo com Mercadante, é “a Fundação Butantan que possibilita que os recursos vindos do Ministério da Saúde pelo fornecimento de vacinas (90% da produção nacional) e soros (68% da produção nacional) sejam revertidos diretamente para a aplicação no Instituto Butantan, sendo 100% destes recursos aplicados, conforme o Estatuto, no Instituto Butantan”.

Ainda segundo ele, a fundação “apóia a pesquisa de duas maneiras”: “apoio financeiro aos laboratórios para pequenas despesas” e “recebimento, execução de despesas e prestação de contas de receitas advindas das agências de fomento para as pesquisas (sem cobrança de taxas de administração)”.

Mercadante contesta a afirmação, publicada no Informativo Adusp 296, de que apenas 2,3% da receita da fundação em 2008 foram aplicados no instituto. Ele alega que “a receita da Fundação Butantan é obtida a partir do fornecimento de soros e vacinas e sua principal aplicação é obviamente com despesas oriundas desta atividade, tais como: insumos, serviços, equipamentos e construção de novas fábricas, sendo gastos menos de 2% com atividades administrativas”.

 

Matéria publicada no Informativo nº 297

EXPRESSO ADUSP


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