Recomeçar de novo?

Quando saía de um hospital, três anos antes de falecer, José Saramago disse aos jornalistas que o aguardavam: “Não sou pessimista, o mundo é que é péssimo. São os ditos pessimistas os únicos que querem mudar o mundo. Para os otimistas tudo está muito bem. Deveria se fazer profissão e militância do pessimismo” (texto de Leila Kiyomura, publicado no Jornal da USP nº 894).

Acreditamos, talvez pretensiosamente, que o pensamento dos membros da diretoria da Adusp se enquadra nessa categoria de pessimistas definida pelo grande autor de Ensaio sobre a lucidez. Cremos também que parcela significativa de nossos colegas considera exagerada essa vocação pessimista, principalmente face a determinados ganhos econômicos que tivemos ao longo do primeiro semestre:

1. em 12 de fevereiro, o reitor assinou portaria instituindo um auxílio-alimentação aos docentes da USP, nos mesmos moldes e valores recebidos pelos funcionários, argumentando que fazia isso por “uma questão de isonomia”;
2. comunicado do Cruesp de 1º de março anunciou um reajuste de 6% nos salários dos docentes das três universidades, em nome de uma “valorização e reestruturação” da carreira docente;
3. na primeira reunião de “negociação” com o Fórum das Seis, o Cruesp informou um reajuste de data-base de 6,57%.

Feitas as contas, o reajuste salarial dos docentes ficou em 12,96%. Se somarmos a esse índice o valor do auxílio-alimentação, a remuneração média dos docentes ativos da USP até superou a reivindicação salarial de data-base 2010!

Apesar disso, não podemos nos esquecer de que os funcionários técnico- administrativos das três universidades ficaram apenas com os 6,57% de reajuste e que os demais itens da pauta unificada ainda não foram discutidos.

Portanto, vamos ter que recomeçar de novo, mesmo que seja com ênfase diferente!

Incorporação

Vamos lá, então. Depois de um breve descanso de férias, a próxima reunião do Fórum das Seis deste semestre, marcada para 10/8, deverá tratar também da negociação, em andamento em cada uma das universidades, da reivindicação de que seja acrescida, aos salários de todos os funcionários, uma referência na carreira. Para reforçar a importância dessa questão, basta mencionar o ofício do Cruesp de 20/7 que, entre outras informações, anunciou que estará “agendando para o início do próximo mês uma reunião com a Comissão Técnica do Cruesp, com o objetivo de avaliação dos resultados da arrecadação do ICMS e para assuntos relativos à pauta unificada”.

Mesmo sabendo que, devido às restrições decorrentes do período eleitoral, o funcionalismo público não pode receber novos reajustes salariais até o final do ano, a diretoria da Adusp vai sugerir ao Fórum que prepare a continuidade da negociação salarial, prevista no acordo de data-base de abril de 1991, objetivando um acordo que passe a vigorar a partir de janeiro de 2011. Afinal, o próprio ofício do Cruesp sinaliza essa negociação em função da arrecadação do ICMS que, até junho de 2010, é cerca de 20% superior à de igual período do ano passado. Portanto, a incorporação reivindicada é factível.

O mesmo ofício do Cruesp menciona a disposição de tratar dos demais pontos da pauta unificada, a saber: não criminalização do movimento reivindicatório, permanência estudantil/gratuidade ativa e mais recursos para a educação pública.

Além disso, não podemos nos esquecer de que temos outras questões a encaminhar. Entre elas, destacam-se as condições de trabalho a que temos sido submetidos nos últimos anos. Ouvimos de um colega, prestes a entrar na compulsória, que tinha saudades dos seus vinte primeiros anos de docência e pesquisa e lamentava a pressão descabida sobre o trabalho universitário, principalmente devido à submissão da universidade aos ditames das agências de fomento. A exacerbação da produtividade levou ao produtivismo. E daí vem a reestruturação da carreira docente associada à inclusão de níveis horizontais nas categorias MS3 e MS5, aprovada na reunião do Conselho Universitário de 4/3 de 2009. Essa aprovação foi contestada pela Adusp, nas instâncias da universidade e também pela via judicial, sendo que a ação cautelar ainda está em andamento.

Produtivismo

O reitor, em entrevista recente no programa “Roda Viva”, da TV Cultura, defendeu aquela proposta de reforma da carreira e lamentou que não tenha sido implementada até agora devido à resistência da Adusp, posição que foi fruto de deliberações do seu Conselho de Representantes e de assembleias realizadas ao longo de 2009. A diretoria da Adusp continua mantendo essa posição e promoveu, em março último, um debate sobre produtivismo. É preciso recomeçar de novo a tratar com atenção essa questão e demais aspectos relacionados com nossas condições de trabalho.

Outro tema, que guarda relação indireta com a carreira e interessa particularmente aos docentes concursados a partir de 2003, é a questão previdenciária. Dada a demanda recebida pela Adusp, proveniente de vários dos campi da universidade, foi criado um Grupo de Trabalho sobre Previdência (GT-Previdência) que já se reuniu várias vezes visando melhor compreender a atual legislação para elaborar propostas de ação para a entidade. Entre os problemas estudados estão a perda da aposentadoria integral, o desconto de 11% sobre o salário integral, a estrutura da São Paulo Previdência (SPPREV).

Se pensam os colegas menos pessimistas que as questões acima elencadas esgotam nossa pauta, ledo engano. Ainda não falamos da campanha pela democratização da universidade, por mais verbas para a Educação, pelo fim das fundações “de apoio”. Nem dos preços dos restaurantes na USP, do pagamento da ação do Gatilho, etc, etc, etc.

Finalmente, para aliviar a carga pessimista, lembramos que o Sarau da Adusp, renascido do Sarau da Data-base, realizado em abril, transformou-se em um encontro festivo mensal, motivado por lançamento de livros, revistas e outras produções de natureza cultural. Os três Saraus até aqui realizados foram animados por comes, bebes e leitura de poesias. Nesta edição do Informativo Adusp o leitor encontra o convite para o próximo Sarau, que ocorrerá no dia 20 deste mês.

Informativo nº 310