Democracia na USP
Em protesto contra eleição não representativa, estudantes acampam na direção da FFCLRP
foto: Mirophotos
Principal reivindicação do movimento é a realização de nova eleição para diretor e vice-diretor
Estudantes dos diferentes cursos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP-USP) — aos quais juntaram-se colegas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) e da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) — montaram um acampamento em frente ao prédio da direção da unidade, em protesto contra o que consideram falta de representatividade na eleição de diretor e vice-diretor, realizada em 5/5.
Duas chapas disputaram a eleição, num colégio eleitoral composto por 98 eleitores. A Chapa 1, formada por Pietro Ciancaglini (atual vice-diretor) e Marcelo Mulato, recebeu 58 votos (59,18%), ao passo que a Chapa 2, formada por Kátia de Souza Amorim e José Marcelino Rezende Pinto, obteve 39 votos (39,80%); houve um voto nulo (1,02%).
A eleição foi precedida, na véspera, por uma consulta pública à comunidade, organizada pela direção da FFCLRP e da qual participaram mais de metade dos professores e funcionários técnico-administrativos da unidade. Votaram na consulta 117 docentes (54,1% do total de 216), 113 funcionários (52,8% do total de 214) e 471 alunos (18,3% do total de 2.568). A Chapa 1 obteve 51,57% dos votos ponderados, ao passo que a Chapa 2 recebeu 46,43% e brancos e nulos somaram 2%.
“A gente considera ilegítima, e até ilegal, a forma como a eleição se deu”, explicou ao Informativo Adusp um dos estudantes que participam do protesto. “Os docentes representaram 91% do colégio eleitoral nesta eleição, enquanto os discentes foram apenas 7% e os funcionários 2%. As reivindicações prioritárias do movimento são novas eleições com maior representatividade, porque a gente não se sente representado”.
Os estudantes sugerem que as novas eleições sejam realizadas dentro de algum dos seguintes formatos: conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que fixa a participação dos docentes em 70% do colégio eleitoral; ou por meio de eleições paritárias; ou por meio de eleições diretas. “A assembleia geral de sexta-feira [20/5], com todas as categorias, vai definir a melhor forma”. O atual diretor, professor Fernando Mantelatto, foi convidado a comparecer à assembleia.
O movimento de protesto, que criou uma página no Facebook, recebeu o apoio dos centros acadêmicos da maioria das unidades do campus de Ribeirão Preto: da própria FFCLRP, da Faculdade de Direito (FDRP), da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEARP), da EERP e da FMRP, bem como do DCE-Livre “Alexandre Vannucchi Leme”.
Legítimo e pacífico
O Informativo Adusp enviou mensagens ao e-mail institucional da diretoria da FFCLRP, solicitando aos professores Mantelatto e Ciancaglini, separadamente, que respondessem a algumas perguntas relativas às reivindicações dos estudantes e às negociações para superação do conflito. Até o fechamento desta matéria, contudo, não recebemos resposta.
Em nota divulgada na página digital da unidade, após registrar que o pleito realizado em 5/5 “elegeu uma das chapas, em primeiro turno e com respaldo da maioria absoluta do colégio eleitoral e refletiu os mesmos resultados da consulta pública”, a direção comunica que “já se prontificou e iniciou as tratativas junto ao movimento, envidando os melhores esforços para prestar todos os esclarecimentos necessários e manter o diálogo para a plena solução de eventuais impasses”.
Também consultado, o professor José Marcelino, que integrou a Chapa 2, declarou ao Informativo Adusp que considera o movimento “legítimo, pacífico e que demanda algo que a comunidade uspiana busca faz tempo: democratizar a USP e fazer com que seus colegiados ao menos respeitem a LDB, como aliás já fazem a Unicamp, Unesp e boa parte das universidades federais”.
Na sua opinião, até PUC-SP e Unimep são mais democráticas que a USP. “É fundamental mudar o Estatuto e o Regimento da USP, mas o atual Co não tem nem competência legal para tanto, pois não cumpre a LDB. Seria fundamental uma Estatuinte exclusiva e que, no mínimo, respeitasse a LDB em sua composição”, diz o docente.
Nova eleição
Em 17/5, o Conselho Técnico-Administrativo (CTA) da unidade divulgou carta dos estudantes, a pedido destes. “O corpo discente não se sente representado nos moldes atuais de estruturas de poder e de tomadas de decisão na Universidade de São Paulo. Fato que se explicitou principalmente na atual eleição de diretor de nossa unidade, onde os moldes de representatividade apresentam votos indiretos e de porcentagem incoerente com o que acreditamos ser uma universidade democrática”, diz o documento dos alunos.
Na carta, eles fazem referência a um incidente ocorrido durante a votação, em 5/5: “Nessa tarde, nós, estudantes em desacordo com o formato do processo eleitoral, fomos impedidos de entrar para acompanhar a votação”. A USP, acrescentam, “é uma Autarquia com um Estatuto próprio, documento que entrou em vigor em 1972, durante a Ditadura Militar, o que afeta os processos eleitorais e tomadas de decisão dentro da universidade”.
Ainda segundo os estudantes, “a participação da comunidade foi reduzida a apenas um dia de debate, pouco divulgado e inconclusivo”, bem como a “uma consulta pública lançada virtualmente um dia antes da eleição — onde o fato do voto poder ser identificado pelo número USP trazia insegurança sobre quanto à idoneidade moral do processo”.
A carta reivindica a realização de uma nova eleição, em outros moldes: “Propomos como alternativa ao modelo de eleição vigente uma nova votação autônoma, ampla e democrática. Nesta, será convidada a participar e se pronunciar toda a comunidade universitária da FFCLRP (docentes, funcionários — contratados e terceirizados, e alunos — graduação e pós-graduação) a respeito do processo eleitoral e da chapa preferida. O modelo proposto é presencial […] O colegiado será convidado a referendar o resultado aferido nesta eleição democrática”.
Resposta do CTA
Na mesma data, o CTA respondeu às considerações dos estudantes em um longo documento, no qual afirma, a princípio: “A representatividade dos eleitores segue e respeita a porcentagem estabelecida na legislação vigente na USP, aprovada por seu órgão máximo, o Conselho Universitário. […] Qualquer mudança na representatividade deste processo não compete à Unidade e tão pouco cabe ser questionada de forma intempestiva e impetuosa após a proclamação dos resultados”.
Sobre o veto à presença de estudantes no local de votação (com exceção dos representantes discentes), o CTA alega: “Não se trata de reunião aberta a toda a comunidade. Este procedimento é adotado para proteger a integridade do processo eleitoral, e não com uma forma de censura ou de sigilo sobre sua execução”. Quanto ao Estatuto, sustenta que é de 1988 “e não de 1972, como mencionado”. (O CTA ignora, aqui, que o Regimento Disciplinar de 1972 foi preservado no Estatuto na reforma de 1988.)
As eleições para a direção da unidade, afirma ainda a nota do colegiado, vêm sendo divulgadas desde novembro de 2015. “O formato e o modelo da consulta informal junto à unidade e data do debate foram acordados entre as chapas inscritas e a comissão eleitoral, e divulgados via e-mail institucional para toda a comunidade (alunos, docentes e funcionários) em tempo hábil frente ao cronograma estabelecido”.
O CTA considera descabido o questionamento dos estudantes quanto ao uso do número USP na consulta: “O processo de votação eletrônica com algum tipo de identificação […] é previsto no Estatuto da USP […] e constitui forma de garantia e credibilidade”.
Por fim, “dado que não houve vício formal no processo já consumado, democrático, transparente e que seguiu todas as regras vigentes e previamente estabelecidas pela USP”, avalia ser improcedente o pedido de nova eleição. “Deve-se destacar ainda que as duas chapas concorrentes reconheceram publicamente o resultado oficial da eleição, com vitória da Chapa 1, que é definitivo e acolhido dentro das regras eleitorais”.
Em defesa de seu entendimento, o CTA chega a fazer uma projeção de como se daria a eleição no colégio eleitoral da FFCLRP caso vigorasse a proporcionalidade definida na LDB: “Sobre este aspecto, procedeu-se à aplicação de um exercício hipotético, baseado nas porcentagens da LDB e de regras aplicadas em outras instituições de ensino federal, condição pleiteada por alguns docentes e que constitui um dos itens motivadores dos alunos para a presente ocupação”.
Assim, de acordo com os cálculos do CTA, que recorreu à elaboração de gráficos para demonstrá-los, mesmo que fosse adotada a proporção 70%/15%/15% o resultado da eleição teria sido favorável à Chapa 1, que obteria 24,72 pontos contra 22,47 pontos da Chapa 2.
Avaliação da Chapa 2
Em documento intitulado “Avaliação do processo de eleição a diretor e vice da FFCLRP (2016)”, divulgado em 13/5, a Chapa 2 assinala que a unidade “marcada pela diversidade de cursos, programas e áreas de formação/atuação encerrou no último dia 5/5/2016 um rico processo eleitoral que — com a constituição de duas chapas — possibilitou, aos distintos segmentos de sua comunidade, uma série de reflexões sobre temas centrais no mundo acadêmico, como finalidades da Universidade, modos de gestão, democracia, transparência e outros assuntos importantes”.
Ao analisar os resultados da consulta pública e da votação, diz o texto: “Nota-se que a Chapa 2, que trazia uma visão clara de mudança nos padrões de gestão atualmente hegemônicos, teve resultados expressivos, considerando, em especial, o pouco tempo e as condições restritas que ela teve para dialogar com a comunidade e apresentar seus diagnósticos e propostas. Assim, quando se analisa os resultados da consulta pública, considerando-se o universo de votantes e as diferentes proporcionalidades na composição dos votantes (em votos totais, por critérios paritários e com a proporcionalidade da LDB), pode-se lançar diferentes olhares para o resultado, todos eles indicando uma escolha majoritária da Chapa 2”.
Na consulta, a Chapa 1 recebeu no total 214 votos, e a Chapa 2 colheu 477. No entanto, a chapa 1 obteve vantagem, ainda que pequena, entre os docentes: 59 x 54, e ampla vantagem entre os funcionários: 73 x 39. A Chapa 2 venceu com folga entre os estudantes: 384 x 82. Desta forma, o voto ponderado favoreceu a Chapa 1. Houve quatro votos em branco e seis nulos.
A Chapa 2 argumenta, na sua avaliação dos resultados da consulta, que pelo critério da LDB teria saído vitoriosa com 49,7% contra 47,6% da chapa 1; enquanto pelo critério paritário, com peso de 1/3 para cada categoria, teria obtido 54% a 44%. “Contudo”, pondera o documento, “historicamente, temos defendido um critério que considera o universo de eleitores de cada categoria”. E conclui: “Por ele, constata-se a vitória da Chapa 1, por uma diferença de cinco pontos percentuais em relação à Chapa 2”.
Quanto à eleição propriamente dita, o documento assinala que a inscrição da chapa deu-se apesar do entendimento de que “as regras atuais não estão adequadas”, pois desrespeitam o artigo 57 da LDB. “Tendo iniciado e conduzido nossa participação no processo eleitoral dentro da lógica estabelecida pelo Estatuto, nós da Chapa 2 entendemos, assim, que não há sentido em recorrer ou questionar do seu resultado”.
Apesar disso, o texto propõe diversos “aperfeiçoamentos”, entre os quais “acesso irrestrito aos e-mails de docentes, funcionários e alunos da Unidade, já que hoje, funcionalmente, somente a direção da unidade detém essa informação”, dilatação dos prazos, maior tempo de campanha, participação de representantes das chapas na comissão eleitoral. Além disso, pedem reforma do Estatuto da USP, “no sentido de se alcançar maior democracia”.
Nota da Chapa 1
A Chapa 1 também divulgou nota à comunidade. “Muito nos fortalece o resultado da eleição, ocorrida em primeiro turno e com respaldo da maioria absoluta do colégio eleitoral, a qual refletiu os anseios da — também maioria — comunidade acadêmica, expressado previamente em consulta pública, onde a todos foi concedido o direito de expressar seu voto”, inicia o documento.
“Nosso plano de gestão foi previamente divulgado e nele constam várias ações voltadas em favor de todos os cursos de graduação e com prioridades para a gestão acadêmica”. Após citar a “experiência adquirida em nossas atuações anteriores, coordenando a Graduação e a Pós-Graduação”, diretor e vice-diretor eleitos fazem referência a “nossas atuações na Vice-Diretoria e Chefia de Departamento, respectivamente, que garantirão [sic] o contínuo respeito às normas e legislação vigentes, com contínua dedicação para o aperfeiçoamento de mecanismos voltados à melhoria e desburocratização de processos acadêmicos”.
No texto, os autores comprometem-se a “fortalecer os canais de diálogo já existentes com toda a comunidade da nossa querida Filô”, e dizem contar com “a participação e a colaboração de todos, docentes, servidores e alunos, para os desafios vindouros e para o contínuo crescimento da Filô, pois sem vontade, respeito às divergências, união e colaboração nada será possível de ser executado”.
Solidariedade
A Diretoria da Adusp expressa sua solidariedade aos estudantes da FFCLRP que, neste momento, reivindicam democratização na Universidade de São Paulo, pauta histórica de suas entidades representativas.
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