Democracia na USP
Reitoria insiste em minar toda e qualquer alternativa democrática
Em publicação no Diário Oficial do Estado de São Paulo de 5/9/15 (D.O.E., Poder Executivo, Seção I, p. 65), portaria do reitor M.A. Zago designa os professores Carlos Gilberto Cartolli Júnior (FMRP, presidente), Adalberto Américo Fischmann (FEA), Carlos Alberto Ferreira Martins (IAU), José Rogério Cruz e Tucci (FD), Maria Paula Dallari Bucci (FD), Ricardo Ribeiro Terra (FFLCH) e Victor Wünch Filho (FSP), atribuindo-lhes nada menos que a “incumbência de analisar e propor alterações estatutárias e regimentais no âmbito da USP”.
Quem dera a criação de semelhante comissão decorresse de um processo abrangente e representativo, que tivesse chegado a um conjunto de propostas estruturantes para a USP, fundamentadas e maduras para serem levadas à deliberação por meio de procedimentos reconhecidos como legítimos…
Como não foi isso que ocorreu, cabe perguntar: que desdobramentos o ato do reitor enseja? Que papel estariam dispostos a desempenhar os membros da insólita comissão, todos, por sinal, de estrita confiança da gestão M.A. Zago-V. Agopyan?
Origem do processo
É preciso trazer à cena a gestão J.G. Rodas, em especial seu último semestre, quando a prática de convocar regularmente o Conselho Universitário (Co) já não ocorria; quando se tornou pública a queima de bilhões de reais das reservas financeiras da USP, realizada sem consultar a comunidade; quando vieram à tona os crimes e a crise ambiental na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH); e quando, a menos de seis meses de expirar sua gestão (cabe lembrar que a republicação do ato que lhe outorgou o exercício do cargo é de 12/12/2009), a Reitoria não havia tomado qualquer medida para abrir o processo sucessório, sequer havia nomeado uma comissão eleitoral e até temia-se que estivessem em curso maquinações do reitor para manter-se no cargo.
Apenas em 8/7/13, um dia após Adusp, DCE-Livre e APG terem protocolado na Secretaria Geral uma proposta de consulta paritária, com a inclusão do nome do eleito na lista tríplice, a Reitoria emitiu comunicado declarando intenções de democratizar a USP sem, contudo, divulgar iniciativas ou comprometer-se com qualquer proposta, para em seguida o reitor anunciar que a reunião do Co de 1º/10 trataria do processo eleitoral e de modificações estatutárias sobre a estrutura de poder na USP.
Vencidos os diversos esforços para antecipar essa data, com as entidades representativas de docentes, funcionários e estudantes lutando pela democratização e conquista de eleições diretas e para que uma Estatuinte exclusiva e paritária definisse os novos regimentos da universidade, entrou em cena um coletivo de diretores de unidades que preparava propostas para a reunião de 1º/10.
Foi nessa reunião que a maioria dos conselheiros mostrou-se insensível às propostas defendidas pelas entidades e rejeitou a eleição direta, a consulta prévia oficial e a Estatuinte, aprovando apenas uma consulta prévia, sem ponderação dos participantes, com apuração em separado dos votos de docentes, funcionários e estudantes. Decidiu também que a eleição seria feita por meio da inscrição de chapas com seus respectivos programas, em um só turno, mantendo a escolha pelo governador a partir de lista tríplice. Resolveu ainda que na primeira reunião do Co de 2014 seria decidido o calendário de um debate aprofundado sobre a democratização da USP.
Tom conservador
No início da gestão reitoral, antes que os conflitos ocorridos durante os 118 dias da greve de 2014 lhe roubassem a máscara de administração séria e de trato atencioso, o reitor marca para 25/3 a reunião do Co que daria consecução à decisão de 1º/10/13 sobre o calendário de discussões acerca da estrutura de poder na USP, nomeando uma comissão ad hoc para coordenar os contatos com a comunidade e propor encaminhamentos para a reunião de 25/3.
Pois bem: baseando-se nas propostas da comissão ad hoc, o Co decide criar a “Comissão Assessora Especial do Conselho Universitário” (Caeco), encarregada de coordenar o processo de discussão do temário definido em 25/3 sobre a democratização da USP. Além disso, foram agendadas reuniões especiais do Co para discussão (3/6, 2/9 e 30/9) e deliberação (11/11). Após a reunião de 3/6, por força dos desdobramentos da greve em curso, as demais reuniões acabaram ocorrendo respectivamente em 11/11/14, 7/4 e 14/4/15.
Os relatos revelam o tom conservador dessas reuniões, em compasso com a condução autoritária do reitor: assim como em 1º/10, a maioria do Co não aceitaria adotar procedimentos que levassem a mudanças democráticas, menos ainda teria disposição para ampliar o poder de decisão para além dos limites do atual conselho.
Foi nesse contexto que o processo faliu, com a reunião do Co de 14/4 sendo ocupada por manifestantes e com o reitor que, no melhor estilo dos proclamos absolutistas, encerrou a reunião deliberativa declarando que o processo de discussão só seria retomado em 2016.
De golpe em golpe
Forte indicador de que não era no processo coordenado pela Caeco que a Reitoria colocava suas fichas, mas sim no seu próprio modo de enxergar a USP, foi a iniciativa posterior, de criar, em maio de 2014, o Grupo de Trabalho sobre Atividade Docente (GT-AD), incumbido de apresentar “eventuais medidas para modernizar o regime de trabalho docente e os sistemas de avaliação individual na universidade”.
Ora, se esse temário estava contemplado nas discussões em curso no Co, sob a coordenação da Caeco, e se sobre ele estavam trabalhando todas as unidades da USP e as entidades de representação, a criação do GT-AD à revelia de qualquer instância, bem como o obscuro modus operandi por ele adotado, significaram um golpe no processo em curso no Co.
E agora que o GT-AD se vê deslegitimado face ao volume e à contundência das críticas — que chegam dos mais diversos departamentos e congregações — à inconsistência das “propostas” por ele rascunhadas, a Reitoria, em novo ato monocrático, nomeia outra comissão. Desta vez, com poderes para substituir seja o processo coordenado pela Caeco no Co, seja o devido trâmite das manifestações das unidades às “propostas” do GT-AD, atribuindo-lhe a tarefa de selecionar ou descartar a seu bel-prazer qualquer item, questão ou proposta que derive, ou não, de todo esse inconcluso processo.
Tal procedimento, bem ao gosto dos setores autoritários, poderá levar propostas à deliberação do Co, sem que tenham sido adequadamente discutidas, o que caracteriza mais um golpe contra o corpo da universidade e um atraso no aprimoramento da USP, que precisa ser rechaçado.
Basta!
Se já pairam sobre o Co a suspeição, por conta dos conflitos de interesse, e a falta de legitimidade, dada a ausência da devida proporcionalidade na representação dos segmentos que compõem a USP; se todo o processo resultante da reunião de 1º/10/13, incluindo a composição e atuação da Caeco, estava aquém do grave problema da falta de democracia na USP; se a criação do GT-AD e o que decorreu de suas provocações já ensejavam contradições e atropelos, a criação dessa nova comissão é um acinte ao corpo da universidade.
É inaceitável que a Reitoria faça a USP retroceder no pouco que ela avançou em período recente, no que se refere a reconhecer a urgência de arejar e trazer alguma legitimidade à estrutura de poder da instituição.
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