Poder, estatuto e Univesp em debate no ICB
foto: Daniel Garcia

Estrutura de poder na USP, reforma do Estatuto, Univesp e questões de urbanismo e meio ambiente relacionadas aos campi foram os principais temas debatidos por oito candidatos a reitor(a) no ICB, em 17/9

(foto ao lado). Depois da apresentação inicial, todos eles responderam a seis perguntas, sorteadas entre as que foram previamente encaminhadas ao ICB.

Primeiro a apresentar seu programa, o professor Armando Corbani (IF) enfatizou a importância de se “determinar efetivamente o que se chama autonomia universitária”, diante do que considera ser “uma ação muito severa do Ministério Público, de órgãos controladores do Estado”, que estaria provocando “uma restrição bastante grande” ao desenvolvimento da USP.

“Devíamos criar um comitê gestor para tratar de duas frentes: uma junto ao Ministério Público para tentar explicitar o que a universidade entende por sua autonomia administrativa, porque a parte financeira deve ser tratada de outra maneira, junto com a Assembléia Legislativa” e outra junto ao Cruesp. Também apontou a necessidade de uma reflexão sobre a graduação: “Os cursos estão engessados, extremamente profissionalizados e focados em áreas muito específicas”. Corbani defendeu a valorização do ensino, “relegado quase a um segundo plano”.

Wanderley Messias (FFLCH) afirmou que o foco de sua plataforma é a qualidade da gestão administrativa, acadêmica e política da universidade, pois entende que aí se encontram “os principais gargalos e desafios” tanto do ponto de vista de uma estratégia de longo prazo quanto de curto prazo. Como uma das “causas principais desses gargalos”, “pontos de saturação”, Messias cita “o fato de que poucos se dão conta de que quase dobramos de tamanho nos últimos 20 anos na graduação”, como também na pós-graduação. A USP foi induzida a esse crescimento, mas sem planejamento.

“Isso cria distorções na qualidade da graduação, cria a fadiga do material, a começar dos recursos humanos, basta olharmos uns para os outros para sentirmos onde essa fadiga mais atinge: somos nós”. Acrescentou que a produtividade científica também dobrou, na média. Observou que o número de docentes e de funcionários não sofreu alteração expressiva no período, pouco mais de 5 mil e de 15 mil respectivamente: “Cabe uma pergunta singela: ou nós trabalhávamos muito pouco 20 anos atrás, ou nós estamos trabalhando demais hoje. É preciso que o reitor lidere um movimento pela revalorização dos recursos humanos”. Para tanto, “é preciso reconquistarmos a autonomia que tínhamos dentro do Cruesp”.

“Estatuinte”

O professor Francisco Miraglia (IME) destacou a necessidade de democratização da estrutura de poder, com descentralização e autonomia. “Em particular, a escolha de diretores deve se encerrar nas unidades, se possível com eleição direta com a participação da comunidade, e sem listas tríplices enviadas para a Reitoria”, disse. “Não tem que ter lista tríplice nem para reitor, em relação ao Governador, porque isso interfere na autonomia da universidade. É preciso caminhar em direção a uma Estatuinte que seja exclusiva, no sentido de reescrever e rediscutir o Estatuto da universidade como um todo, em vez de fazer pedacinho por pedacinho”. Para tanto, seria preciso levar em conta “o aparato jurídico-legal no qual a universidade está inserida, afinal de contas o Conselho Universitário é hoje quem decide”. Uma negociação política determinaria “a possibilidade de delegação disso a uma Estatuinte”.

Miraglia também defendeu que a Reitoria contemple “com absoluto respeito” a diversidade das áreas, do ponto de vista da produção acadêmica e do trabalho acadêmico: “Não é possível tratar do mesmo modo as áreas experimentais, ou a filosofia, ou as ciências sociais, ou a matemática, ou a biologia. Há diferenças que precisam ser respeitadas”.

A autonomia foi o tema principal do professor João Grandino Rodas (FD): “Um aspecto importantíssimo da autonomia universitária, que é muito mais ampla do que simplesmente a autonomia financeira, está na Constituição, no artigo 207, e precisa ser formulado na prática. Essa formulação não se faz numa única lei, mas pela participação de um órgão do pensamento jurídico da universidade, que seria a Coordenadoria Jurídica, que estaria justamente seguindo as leis, a jurisprudência, e podendo sugerir como é que aos poucos, nas variadas leis, essa autonomia da universidade pudesse ser colocada, para evitar que haja condenações a posteriori e não se possa fazer nada, porque não há lei que preveja esta autonomia”.

Rodas também apontou a necessidade de se reequilibrarem as relações entre a Reitoria e as 40 unidades de ensino: “É importante fazer com que os aspectos centrais da Reitoria, de controle da questão acadêmica, da questão financeira, da questão contábil, existam e sejam obviamente firmes, para que se dê o toque de que existe uma universidade. Entretanto, quem faz a política direta não é a Reitoria, são as unidades, que fazem o ensino, a pesquisa e a difusão. É importante que se reequilibrem as forças e se dê às unidades a possibilidade, inclusive orçamentária, de tratar um número maior de coisas do que o fazem”.

“Missão”

O professor Glaucius Oliva (IFSC) destacou o tema do planejamento: “É preciso, de forma conjunta, pensarmos o futuro e definirmos e encontrarmos o porto onde queremos chegar. A universidade tem uma missão dentro do sistema de ensino superior e de ciência e tecnologia do Estado, e essa missão é de excelência. Esse é um papel que só a USP, com outras grandes universidades brasileiras, pode desempenhar. Com esta visão de futuro, pode-se então detalhar quais são as atividades de todas as áreas de atuação, na graduação, na pós-graduação, na pesquisa, na extensão, que devem ser realizadas de forma alinhada com essa visão de futuro”.

A universidade tem se debruçado sobre a questão, lembrou Oliva. “Não tínhamos a prática do planejamento como uma prática de gestão. Nos últimos dois anos a universidade criou uma comissão de planejamento, da qual tive a honra de poder participar”. Para ele, a universidade no mundo “passa por grandes transformações e por uma crise de legitimidade”.

Sônia Penin (FE) externou a avaliação de que a USP vive uma situação paradoxal: “Por um lado ela aparece como excelência em várias avaliações internacionais, e num momento de greves, que se sucedem, inclusive cada vez mais violentas, nesta última com a questão da presença policial, incomoda a toda a população e mostra cizânia interna, um enfraquecimento interno, dessa que é uma universidade com tantos ganhos em termos internacionais e mesmo nacionais. Esse paradoxo é que incomoda: por que, com tanta excelência, nós não conseguimos uma forma de organizar melhor toda a comunidade interna da USP?” A missão da instituição, disse, é não só o ensino, mas a formação de profissionais.

Para lidar com a complexidade das tarefas que cabem à USP, Sônia propõe um “mapa de polaridades”, cujo primeiro eixo é a excelência com inclusão social. O outro eixo é o da autonomia universitária, “total, e que tem a responsabilidade social como o seu limite”. Ela criticou a noção de excelência posta em circulação: “Esses rankings colocam as questões em termos de inovação acadêmica apenas. Quanto dessa excelência realmente está sendo distribuída, para os outros níveis de escolarização por exemplo?”

“Guardião”

O professor Ruy Altafim (EESC) acredita que a USP vive um “momento ímpar, que deve ter continuidade”. “O Reitor é o guardião da nossa autonomia. Tenho vontade política para abordar os grandes temas da nossa universidade, e um grande respeito, porque da própria universidade as soluções emanam, e são as melhores soluções quando muitos pensam e participam”. Na sua opinião, a infraestrutura está deteriorada, pois “faltam espaços, recursos humanos, fontes de financiamento”.

“Universidade de classe mundial é cara”, disse Altafim. Para ele, é preciso valorizar de forma equânime pesquisa, ensino e extensão. “A extensão é mal compreendida e mal conceituada, tenho procurado defendê-la”. “A sociedade, externa e interna, precisa ser ouvida”.

O professor Silvio Sawaya (FAU) criticou a atual organização política da USP: “Uma estrutura de conciliação de 75 anos, estabelecida como um senado, que permite aglutinar uma federação de unidades memoráveis e importantes. É uma conciliação que permitiu, sobre este senado, gerar-se uma estrutura central administrativa e que precisa ser construtora dessa universidade, que é a Reitoria. Que cresce pouquinho a pouquinho, em [19]68 assume mais poder, e que hoje detém uma enorme concentração de poder”.

Ele propôs “rever a conciliação senatorial, criando bases para uma representação de todos nesta universidade: todas as categorias, todos os três setores: estudantes, professores e funcionários, permitindo que a atividade se dê distribuída”. O modelo sugerido é o de “uma administração que, espacialmente e funcionalmente, se distribui em cinco campi, em cinco grandes regiões, cada uma com seu vice-reitor. Portanto, o cotidiano da USP pára nessas vice-reitorias. E o reitor assume um grau acima, com esse estafe de vice-reitores, com os pró-reitores ele cria um comitê político, estratégico, de compreensão das necessidades, antecipação dos problemas”.

“Irritado”

O único momento de altercação ocorreu nas respostas a uma pergunta sobre reforma da carreira e estrutura de poder. “Fico muito irritado quando se fala que não tem democracia, e também fico muito irritado quando se demoniza o professor titular”, declarou o professor Oliva, que atuou na comissão responsável pela reforma, em resposta às críticas do professor Miraglia. “Recebemos mais de 500 sugestões”, acrescentou Oliva. “Não havia uma demanda por uma transformação do Estatuto inteiro”.

“A mudança na carreira tem provocado manifestações de repúdio. Não contribui para a evolução do trabalho acadêmico”, apontara Miraglia. “Quem exerce o poder não pode determinar como ele deve ser exercido. Não tenho receio daqueles que fazem a universidade”, disse, censurando a marginalização política a que foram relegados os estudantes e funcionários na USP. Ele assinalou o enfraquecimento dos colegiados, na medida inversa ao fortalecimento da Reitoria: “As congregações não dão quórum, porque não decidem nada”.

O professor Sawaya também mencionou o excessivo poder dos professores titulares: “Mudança do Estatuto tem a ver com a eliminação do privilégio dos titulares”, assinalou. “Rever o Estatuto é a primeira tarefa de qualquer reitor”, avalia a professora Sônia.

“A democratização deve ser prioridade do próximo reitor”, acredita o professor Messias, para quem o reitor deve “empregar sua liderança intrínseca” para levar adiante um processo estatuinte. Por outro lado, ele se opôs à proposta de eleições paritárias para reitor.

“Não vejo como necessário, como possível, em curto espaço de tempo, [realizar] eleições paritárias”, disse o professor Rodas (FD). Miraglia, após esclarecer em que consiste a eleição paritária, defendeu-a observando que é “a proposta clássica” dos movimentos universitários.

Altafim declarou-se favorável a uma “revisão de nossa estrutura de poder, que os colegiados decidirão”, mas advertiu: “A reforma do Estatuto [em curso] continuará”. Indagou: “Será que o nosso sistema é tão ruim assim, se em 75 anos ultrapassamos tantas universidades no mundo?”

Corbani considera que é preciso superar o que chama de “completa falta de engajamento” dos docentes, funcionários e estudantes. “Democratização significa darmos condições para que toda a comunidade universitária resolva seus desígnios. Ampliar a representação, mas ampliar espaços também”.

Univesp

A maioria dos candidatos pronunciou-se favoravelmente ao projeto Univesp e ao ensino à distância (EàD). A afirmação mais polêmica foi de Altafim: “Que o aluno de graduação seja Univesp e não o aluno da Univesp com diploma USP”. Foi contestado por Sawaya: “Não podemos embarcar na posição de que o diploma USP seja exclusivo de quem faz ensino presencial”. Também para este, “não participar da Univesp é ficar para trás”.

Messias reconheceu a relevância do EàD, citou o exemplo de Nelson Mandela, que se tornou advogado graças à Open University, mas sustentou a necessidade de “prudência” diante da questão: “Isso explodiu no setor privado e se vulgarizou, as maiores vítimas são os estudantes carentes. A gente tem que ter um olhar crítico sobre isso”.

Miraglia defendeu o ensino presencial na formação inicial superior: “O ensino presencial é absolutamente fundamental na formação básica, permitindo a convivência dos estudantes com os colegas, o acesso direto aos professores, às bibliotecas”. Ele propôs a realização de uma discussão “ampla, aprofundada, generalizada” sobre a questão do EàD, antes da implantação de qualquer projeto.

 

Matéria publicada no Informativo nº 292

EXPRESSO ADUSP


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