“USP Internacional”, mas sem ouvir ninguém

A Reitoria acaba de criar o Programa “USP Internacional”, que pretende “implantar e gerir instalações físicas da USP no exterior, em locais estra­té­gicos”, e “estabelecer um novo Programa de Internacionalização da USP para os próximos anos”. A Comissão de Legislação e Recursos (CLR) e a Comissão de Orçamento e Patrimônio (COP) emitiram pareceres sobre o assunto, que não foi submetido ao Conselho Universitário. A resolução surpreendeu a comunidade universitária, que não teve oportunidade de debater o tema em instância alguma.

A resolução 6.518, de 25/3/2013, cria Núcleos Internacionais da USP (sic) em São Paulo, Boston, Londres e Singapura; institui “um Conselho Internacional, a quem caberá orientar os Núcleos Internacionais sobre suas respectivas atividades e metas”, presidido pelo professor e ex-ministro Celso Lafer; e designa como consultores do programa os ex-reitores Waldyr Muniz Oliva, Antô­nio Hélio Guerra Vieira, José Goldemberg, Roberto Leal Lobo e Silva Filho, Flávio Fava de Moraes, Jacques Marcovitch e Adopho José Melfi.

“O presente Programa funcionará por prazo determinado, até 24 de janeiro de 2014”, diz a resolução no artigo 9º. A data coincide com o final do mandato do reitor Grandino Rodas. Contudo, o parágrafo único do mesmo dispositivo acrescenta que ao final desse prazo será apresentado um “relatório abrangente” das atividades desen­volvidas, bem como uma “proposta de programa de interna­cio­na­lização da USP para os próximos quatro anos”.

“Novo patamar”

A justificativa para adoção do Programa é de que “o estágio avançado da internacionalização da USP (ora expresso nas avaliações que lhe são atribuídas por intermédio de rankings mundiais de Instituições de Ensino Superior) exige que se galgue um novo patamar nos relacionamentos internacionais da Universidade”.

O programa lista ainda como objetivos “fortalecer a presença da USP no exterior” e “apoiar, incrementar, agilizar e ou expandir iniciativas de internacionalização em curso e/ou em implantação na Universidade”, tais como os programas de bolsas (para professores visitantes internacionais da USP, alunos de graduação da USP, alunos de graduação de universidades da América Latina na USP) e o Programa de Incentivo e Apoio à Capacitação dos Servidores Técnicos e Administrativos, além de convênios e intercâmbios diversos.

A resolução designa os diretores e diretores adjuntos de cada um dos núcleos da USP no exterior. A ex-reitora Suely Vilela (FCFRP) dirigirá o núcleo de São Paulo; Lucas Antônio Moscato (EP), o de Boston; Renato de Figueiredo Jardim (IF), o de Londres; Antonio Carlos Hernandes (IFSC), o de Singapura. Segundo a resolução, cada núcleo “contará com um secretário executivo na sua sede, recrutado na própria região”.

“Elefante branco”

O núcleo internacional com sede em São Paulo abrange América do Sul, América Central e África Subsaariana; o núcleo com sede em Boston, América do Norte e Caribe; o núcleo com sede em Londres, Europa, Norte da África e Oriente Médio; o núcleo com sede em Singapura, Ásia Central, Golfo Pérsico, Ásia Meridional, Sudeste Asiático e Oceania.

“A USP ultrapassa fronteiras”, anunciou, em tom triunfalista, o boletim oficial USP Destaques 71 (9/4/13), segundo o qual o novo programa consumirá 400 mil reais, “custo que será coberto por doações privadas”. O boletim publica imagens dos endereços onde os núcleos funcionarão no exterior, de modo a sugerir identidade com os imponentes imóveis, retratados em corpo inteiro. 

O professor Osvaldo Coggiola (FFLCH) observa que algumas grandes universidades (Harvard, Bolonha) têm filiais no exterior, que não oferecem cursos completos, apenas atividades complementares. O programa interna­cio­nal da USP, por sua vez, consis­ti­ria a seu ver de “embaixadas (ou consulados) da USP no estrangeiro”. “Parece uma afirmação independente da USP no exterior, à margem do sistema universitário brasileiro e até do paulista. Cria mais cargos burocráticos internos e externos. Não sei de nenhum sistema deste tipo nas grandes universidades melhor ranqueadas do que a USP nos rankings internacionais. As universidades dos EUA fazem tudo isso via Internet”.

No entender de Coggiola, o custo do programa será alto, pois inclui aluguel de sedes, moradias para os “enviados”, salários “internacionais” para o pessoal do próprio lugar que seria contratado, “e um longo etc.”, e seria melhor empregado em bolsas para professores, estudantes e funcionários no exterior: “Os sistemas de comunicação de todo tipo atualmente existentes tornam prescindível uma presença física perma­nente no exterior. Os cargos do Conselho Internacional serão remunerados? E os outros? O que irão fazer essas ‘embaixadas’ lá fora não está claro”. O docente da FFLCH adverte que o programa “pode virar um belo elefante branco”.

Jogo jogado

“No Artigo 2º, parágrafos 1 e 2, lemos que as unidades e órgãos da USP, bem como seus docentes, alunos e funcionários técnico-administrativos poderão apre­sentar sugestões e pro­postas. Será que nós, docentes, e os funcionários e alunos nos animaremos a enviar propostas e sugestões?”, ques­tiona a professora Dilma de Melo Silva (ECA), para emendar outra pergunta: “Depois da publicação da resolução, com todo o elenco de diretores, conselheiros, consultores? Com data prevista para início e término das atividades?”

Na sua opinião, “o tema merece e deve ser debatido — ninguém é contra a internacionalização de nossa Universidade, devemos buscar a excelência na produção acadêmica, mas o custo está sendo alto, com o sacrifício da prática democrática”. A proposta deveria ter sido apreciada nas diferentes instâncias da USP, acredita Dilma, ao invés de “ter como base, apenas, as manifestações da CLR e COP”.

O professor Benedito Honório Machado (FMRP) critica indiretamente o Programa: “Internacionalização de uma Universidade se faz por meio de estudantes e pesquisadores trabalhando em laboratórios e participando ativa­men­te de congressos científicos no exterior. A assessoria na era da comunicação digital pode e deve ser remota; caso contrário não faz sentido”.

 

Informativo nº 361

EXPRESSO ADUSP


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