Governo do Estado
Justiça suspende leilão de escolas públicas. Primeiro lote foi vencido por consórcio formado por empresa que atua em cemitérios e por fundo ligado ao Itaú
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O juiz Luis Manuel Fonseca Pires, da 3ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), concedeu nesta quarta-feira (30/10) liminar que suspende os efeitos do leilão do primeiro lote de escolas públicas promovido pelo governo do Estado na terça-feira (29/10), além de cancelar a realização do leilão do segundo lote, previsto para a próxima segunda-feira (4/11).
Na decisão, decorrente de ação civil pública movida pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), o juiz cita artigos da Constituição Federal e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) para sustentar que a educação é dever do Estado e que um de seus fundamentos é a gestão democrática do ensino público.
“A gestão democrática transcende a atividade pedagógica em sala de aula, pois envolve a maneira pela qual o espaço escolar é ocupado e vivenciado. […] As decisões sobre a ocupação, uso e destino de todo o ambiente escolar dizem respeito também ao que se idealiza e pratica-se no programa pedagógico. As possibilidades de deliberar de modo colegiado e participativo por todos os atores envolvidos na educação não podem ser subtraídas da comunidade escolar com a transferência a uma empresa privada que teria o monopólio de gestão por 25 anos”, afirma o magistrado.
“Há, portanto, verossimilhança do direito postulado e grave ameaça ao serviço público de qualidade ao se pretender entregar à iniciativa privada por 25 anos as escolas da rede pública porque se compromete a efetividade do princípio constitucional de gestão democrática da educação pública”, prossegue Pires (leia aqui a íntegra da decisão).
A Apeoesp havia convocado uma manifestação para a próxima segunda-feira, quando seria realizado o leilão do segundo lote. Dada a concessão da liminar, o ato foi suspenso, mas será remarcado caso a decisão judicial seja derrubada. Até a noite desta quarta-feira o governo não confirmou se recorreria.
O leilão do primeiro lote para a construção, manutenção, gestão e “operação dos serviços não pedagógicos” de 17 escolas do Lote Oeste foi realizado na terça-feira, com o entorno da B3, a Bolsa de Valores, no Centro de São Paulo, isolado pela Polícia Militar e pela Guarda Municipal. O segundo lote (Leste) tem 16 escolas.
As forças de segurança atuaram para deixar longe da Bolsa os(as) professores(as), estudantes e representantes de entidades e sindicatos que foram ao Centro da cidade se manifestar contra o leilão, como a Apeoesp e a União Paulista dos Estudantes Secundaristas (Upes).
O próprio governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) bateu o martelo no leilão, com a mesma violência que já utilizou no gesto em ocasiões anteriores. Também compareceu ao ato o secretário de Educação, Renato Feder, entre outros representantes do governo.

“Unidades educacionais não são produtos ou negócios”, defende Apeoesp
Em boletim publicado nesta terça-feira, a Apeoesp afirma que “escolas públicas são destinadas a formar seres humanos e todos os seus espaços são educativos, por meio de trabalhos realizados por profissionais preparados, que devem ser contratados por concurso público, pois exercem funções públicas”.
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“Unidades educacionais não são produtos ou negócios transacionáveis na Bolsa de Valores. Com o governo Tarcísio/Feder, chegamos ao fundo do poço em termos da deturpação da política educacional, hoje voltada para a imposição do pensamento único, da formatação da infância e da juventude por meio de plataformas digitais e escolas cívico-militares e da depreciação completa das professoras, dos professores e demais profissionais da Educação”, prossegue a Apeoesp, que critica também a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 9/2023, enviada pelo governo à Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp).
A PEC 9 reduz a destinação de recursos à educação e pode retirar cerca de R$ 10 bilhões anuais do orçamento da pasta.
Em nota, departamento da FE-USP lembra que empresa vencedora é investigada pelo TMC
O leilão do dia 29/10, cuja validade ora está suspensa pela Justiça, foi vencido pelo consórcio “Novas Escolas Oeste SP”, liderado pela Engeform Engenharia. A construtora integra também o consórcio “Consolare”, que administra sete cemitérios na capital, entre eles os da Consolação, Quarta Parada e Vila Formosa ― o maior da América Latina. Reportagens publicadas por diversos veículos demonstram que os preços dos serviços nos cemitérios privatizados dispararam, chegando a custar onze vezes mais do que antes das concessões.
O “Consolare” é alvo de investigação pelo Tribunal de Contas do Município (TCM), entre outras razões, por não fazer os investimentos necessários nos cemitérios, mais de um ano depois de assumir a sua administração.
O consórcio vencedor apresentou a menor proposta para a chamada “contraprestação” que o poder público vai repassar ao parceiro privado: R$ 11,9 milhões mensais. O teto estipulado pelo governo era de R$ 15,2 milhões.
Pelas regras estipuladas pelo governo, o prazo da concessão é de 25 anos. Nos primeiros 18 meses, a empresa deve construir as escolas, pelas quais será responsável pelo período subsequente, de 23 anos e meio. Em valores de hoje, o Estado transferirá ao setor privado um total de R$ 3,38 bilhões.
Também integra o consórcio vencedor a Kinea, empresa de investimentos ligada ao Banco Itaú, sendo seus principais executivos oriundos do Bank Boston.
“A oportunidade dessa parceria para a construção de escolas é a Copa do Mundo do nosso setor. Por isso, estamos muito felizes com o resultado”, disse Marcelo Castro, CEO da Engeform, após o anúncio do resultado.
Essa privatização “é a entrega não só do patrimônio, mas do orçamento público da educação”, criticou na tribuna da Alesp, ainda na tarde da terça-feira, o deputado Carlos Giannazi (PSOL). “É o dinheiro do povo de São Paulo que está sendo canalizado para enriquecer grupos econômicos, o Banco Itaú e essas empresas que já têm várias concessões. São empresas que vivem de ter lucro em cima da prestação de serviços essenciais”, afirmou.
A deputada Professora Bebel (PT) também se pronunciou na tribuna da Alesp e defendeu que o trabalho com a formação de pessoas não pode ter base mercadológica. “É isso que está sendo colocado na compra dessas escolas”, ressaltou.
Os(as) professores(as) do Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação (EDA) da Faculdade de Educação (FE) da USP divulgaram nesta quarta-feira (30/10) uma nota para “manifestar seu veemente repúdio à parceria público privada (PPP) instalada pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas”.
A nota lembra que a Consolare é “alvo de investigação do Tribunal de Contas do Município (TCM) por não fazer os investimentos necessários na manutenção, especialmente, do Cemitério da Consolação”.
“A empresa vencedora considera-se em clima de copa do mundo do setor, prevendo os promissores novos negócios. Aos paulistas fica a triste saga de desvalorização do que é público pela ‘qualidade sempre relativa e contestável’ do privado”, finaliza a nota.
Deputado do PL investigado por agressão à ex-mulher diz que SP “vai privatizar tudo”
Por sua vez, um dos mais agressivos bolsonaristas da Alesp, o deputado Lucas Bove, vice-líder do PL, publicou em suas mídias sociais na terça-feira um vídeo no qual escancara sem nenhum pudor a defesa do projeto privatista capitaneado por Tarcísio.
“Nós vamos privatizar o Estado de São Paulo inteiro, vamos privatizar escola, vamos privatizar Metrô p’ra pelegada perder o emprego, vamos privatizar Fundação Casa. Vamos privatizar tudo no Estado de São Paulo, absolutamente tudo”, diz.
“É mais uma PPP de sucesso do governador Tarcísio, da base do governador na Assembleia e portanto do Estado de São Paulo, que escolheu esse projeto”, continua, referindo-se ao leilão do primeiro lote. “Terça-feira de muita alegria no Centro de São Paulo.”
Bove é autor de um dos projetos de lei que tramitam na Alesp para propor a cobrança de mensalidades nas universidades públicas estaduais.
Na semana passada, a defesa da ex-mulher de Bove, a influenciadora Cíntia Chagas, requereu na Justiça a prisão preventiva do deputado por descumprir as medidas cautelares impostas no processo em que é acusado de violência contra ela.
O inquérito policial instaurado na 3ª Delegacia de Defesa da Mulher investiga violência doméstica, violência psicológica, ameaça, injúria e perseguição, de acordo com a Secretaria da Segurança Pública.
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