Educação tem congelamento de R$ 1,3 bilhão, e Saúde é a mais afetada com cortes no orçamento para cumprir “arcabouço fiscal”; total suspenso é de R$ 15 bilhões
Simone Tebet (Planejamento) e Fernando Haddad (Fazenda): prioridade é a "meta fiscal" (Foto: José Cruz/Agência Brasil)

O Ministério da Educação (MEC) sofreu um congelamento de R$ 1,3 bilhão, de acordo com o Decreto 12.120/2024, assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e publicado nesta terça-feira (30/7) em edição extra do Diário Oficial da União.

A suspensão total é de R$ 15 bilhões, atinge quase todas as pastas do governo e tem o objetivo de cumprir as regras do “arcabouço fiscal” — ou, como anunciou em sua página na internet o Ministério do Planejamento e Orçamento, encabeçado pela ministra Simone Tebet (MDB), “a distribuição por órgão teve como diretrizes a preservação das regras de aplicação de recursos na Saúde e na Educação (mínimos constitucionais), a continuidade das políticas públicas de atendimento à população e o compromisso do governo federal com a meta de resultado fiscal estabelecida para o ano de 2024”.

O Ministério da Saúde foi o mais afetado com o congelamento do Orçamento de 2024, tendo R$ 4,4 bilhões suspensos — quase 10% de sua dotação total prevista, de R$ 47 bilhões.

Além do Ministério da Saúde e do MEC, as pastas que mais tiveram recursos congelados foram os ministérios das Cidades (R$ 2,1 bilhões), Transportes (R$ 1,5 bilhão) e Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (R$ 924,1 milhões). Os ministérios têm até a próxima terça-feira (6/8) para adotar medidas de ajuste e realizar o procedimento de indicação das programações e ações a serem bloqueadas.

As regras do “arcabouço fiscal”, formuladas pelo Ministério da Fazenda e aprovadas no ano passado, estabelecem que os gastos do governo podem alcançar até 70% (em valores acima da inflação) do crescimento acima da inflação das receitas no ano anterior.

No caso do bloqueio, o “arcabouço fiscal” estabelece limite de gastos de até R$ 2,105 trilhões neste ano. As despesas primárias estavam estimadas em R$ 2,116 trilhões por causa da alta de gastos com o Benefício de Prestação Continuada (BPC), com elevação de R$ 6,4 bilhões, e de R$ 4,9 bilhões a mais com a Previdência Social, de acordo com o governo. Para impedir “o estouro do teto de gastos”, a equipe econômica bloqueou R$ 11,2 bilhões, enquanto R$ 3,8 bilhões foram contingenciados, justifica o governo.

Tanto o contingenciamento como o bloqueio representam “cortes temporários de gastos”. Nos dois casos pode haver revisão durante a execução orçamentária, a depender da baixa na projeção das despesas obrigatórias ou da melhora da estimativa de resultado primário para o ano.

Bloqueio sinaliza prevalência dos interesses do mercado, considera presidente do Andes-SN

O bloqueio expressa o modo como o governo federal vem lidando com os interesses dos(as) trabalhadores(as), que reclamam investimentos em direitos sociais e serviços públicos para garantir condições elementares de vida, avalia o presidente do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN), Gustavo Seferian.

“Os efeitos da medida, que recaem em diversas pastas, inclusive Educação e Saúde, sinalizam o quanto os interesses do mercado se expressam como prevalentes na agenda econômica do governo Lula-Alckmin, praticando condutas avessas àquelas que discursivamente sinalizam”, afirmou, em declarações registradas pelo site da entidade.

“Certamente a sinalização, da parte do MEC, quanto à alocação destas restrições de empenho mostrará a qualidade e dimensão de mais este ato de violência contra a população trabalhadora, que reclama resposta contundente por parte das entidades sindicais, partidos e movimentos sociais”, prossegue.

O anúncio do congelamento ocorre na mesma semana em que representantes do Andes-SN e do Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe) se reuniram com o MEC para cobrar o cumprimento do acordo assinado em junho que encerrou a greve nas instituições federais. Entre os pontos da pauta está a garantia da programação orçamentária para a concessão dos reajustes salariais negociados na greve.

Por sua vez, os(as) reitores(as) da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) também apresentaram reivindicações ao MEC em reunião do Conselho Pleno da entidade, na semana passada.

No encontro, os(as) reitores(as) reforçaram o pleito de que as universidades recebam um adicional de R$ 2,5 bilhões para recomposição do orçamento das instituições ainda em 2024, além de um orçamento significativamente maior para 2025.

O subsecretário de Planejamento e Orçamento do MEC, Adalton Rocha de Matos, disse na reunião que a pasta está sensível às reivindicações da Andifes, mesmo em meio ao “ajuste fiscal”, e destacou o esforço do MEC para melhorar o orçamento das universidades. Resta saber como a pasta — já comandada por Fernando Haddad (PT), atual ministro da Fazenda, entre 2005 e 2012 —fará para equilibrar tantas demandas com o novo congelamento de recursos.

Cabe lembrar, aliás, que anúncios de cortes orçamentários na área da educação foram uma constante entre 2019 e 2022, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).

Cortes ainda são insuficientes, avaliam o mercado e a IFI

Área mais afetada pelo chamado decreto de “programação orçamentária e financeira”, a saúde é justamente um dos setores mais estrangulados e historicamente subfinanciados do país.

De acordo com a Conta-Satélite de Saúde, levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e Ministério da Saúde, em 2021 o gasto público com saúde no Brasil equivalia a apenas 4% do PIB.

Numa comparação com países selecionados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil ficava à frente apenas do México (3,1%), e bem atrás de Alemanha (11,1%), França (10,4%) e Reino Unido (10,3%). Os percentuais de investimento público em saúde cresceram nesses países em relação a 2020 (do primeiro para o segundo ano da pandemia de Covid-19, vale lembrar), enquanto no Brasil de Bolsonaro houve redução de 4,2% para 4% de um ano para o outro. O México também registrou queda de 3,3% para 3,1% no período, enquanto na Colômbia houve aumento de 6,7% para 7,1% do PIB.

Se depender das avaliações do “mercado” e de seus porta-vozes na mídia, no entanto, o corte de R$ 15 bilhões ainda não é suficiente. Editorial da Folha de S. Paulo desta sexta-feira (2/8), por exemplo, afirma que “a medida é bem-vinda, embora não passe, na melhor das hipóteses, de um paliativo”. As resoluções anunciadas pelo governo “estão longe de bastar para um ajuste mais sólido das finanças públicas”, sustenta a Folha.

Marcus Pestana, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão vinculado ao Senado Federal e criado para “ampliar a transparência nas contas públicas”, também acha o corte insuficiente.

Em entrevista à Agência Senado no último dia 25/7, Pestana afirmou que “o governo precisa de uma economia de R$ 28 bilhões a R$ 30 bilhões, ou através do aumento de receita ou do corte de despesa”. “Então ainda há um caminho a percorrer”, diz. “Ainda é preciso um esforço adicional de R$ 13 bilhões a R$ 15 bilhões para ficar não no centro da meta, mas no limite permitido pela legislação.”

Enquanto isso, no acumulado de 12 meses até junho de 2024, União, Estados, municípios e estatais desembolsaram R$ 835,7 bilhões para pagamento de juros da dívida pública. Os valores, que são drenados pelo “mercado”, correspondem a 7,48% do PIB do país. Os juros da dívida custaram R$ 94,9 bilhões somente no mês de junho de 2024, ante R$ 40,7 bilhões no mesmo mês do ano passado, ou seja, mais do que o dobro.

O próprio partido do presidente Lula tem se manifestado contra os cortes por meio de notas públicas. No dia 17/6, nota da Executiva Nacional diz que o PT “reafirma seu compromisso com a manutenção dos pisos constitucionais da Saúde e da Educação, da política de aumento real do salário-mínimo e sua vinculação às aposentadorias e benefícios da Previdência e Assistência Social”.

No dia 18/7, o Diretório Nacional do partido aprovou documento no qual diz que “no momento em que o governo é pressionado pelo capital financeiro e a mídia corporativa para cortar gastos em cima dos mais pobres, é imperioso que o Partido dos Trabalhadores amplifique a firme defesa dos pisos constitucionais da saúde e da educação, recuperados após a superação do famigerado Teto de Gastos, e da vinculação do salário mínimo para pensões e o Benefício de Prestação Continuada (BPC)”.

EXPRESSO ADUSP


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