A Adusp apresenta o parecer elaborado por sua assesoria jurídica, a respeito das arbitrariedades atualmente praticadas pela Reitoria e pela CERT em relação aos contratos e ao regime de trabalho dos docentes da Universidade de São Paulo.

São Paulo, março de 2000

 

PARECER

Interessado: ADUSP – Associação dos Docentes da USP

DA CONSULTA Nº 1

Quais as providências cabíveis para impedir que docentes tenham seu regime de trabalho passível de alteração?

Da autonomia universitária

O artigo 207 da Constituição Federal confere às universidades autonomia didático-científica, administrativa, financeira e patrimonial.

O princípio da autonomia universitária significa que é na própria Constituição Federal que se fundamenta todo seu instituto. Assim, é dela que se extrai sua força integrativa, é ela que preordena toda sua interpretação e, todos os limites que à autonomia universitária podem se opor, se encontram na própria Carta Magna.

Impõe-se, assim, à evidência, às Universidades, o respeito aos direitos fundamentais, a observância aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública, não podendo suas normas internas se sobrepor à ordem soberana que rege o país.

Destarte, a auto-aplicação dos dispositivos constitucionais relativos à autonomia universitária não exclui a disciplina legal complementar. Contudo, tais leis não poderão restringir, reduzir, ou afetar, direta ou indiretamente, a autonomia universitária, cujos limites estão na Constituição e só dela podem ser extraídos.

Dispõe a Lei de Diretrizes e Bases, em seu art. 54, §1º, II:

Art. 54 – As Universidades mantidas pelo Poder Público gozarão, na forma da lei, de estatuto jurídico especial para atender às peculiaridades de sua estrutura, organização e financiamento pelo Poder Público, assim como de seus planos de carreira e do regimento jurídico de seu pessoal.

§1º – No exercício de sua autonomia, além das atribuições asseguradas pelo artigo anterior, as universidades públicas poderão:

II – elaborar o regulamento de seu pessoal em conformidade com as normas gerais concernentes;

Sendo assim, a autonomia administrativa disciplina, no uso de seu poder de autodeterminação e autonormação quanto à sua organização e funcionamento de seus serviços, uma normatividade estatutária e regulamentar que, deve, é certo, respeitar as normas e os princípios constitucionais pertinentes. O que traduz essa autonomia é veicular essa disciplina material por atos normativos próprios, independente de lei específica.

Da irredutibilidade de vencimentos

Assim, uma análise atenta do artigo 201 do Regimento Geral da USP trará algumas considerações:

Art. 201 – "A permanência em um determinado regime de trabalho não é definitiva, podendo o docente, a qualquer tempo, por decisão prévia do Conselho do Departamento, ouvido o CTA, com anuência da CERT, ser transferido de um regime de trabalho para outro"

Este artigo somente encontra amparo na hipótese de que um docente possa ser transferido progressivamente de um regime de trabalho com menor carga horária em atividades de ensino até o Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP). Não se pode conceber que o mesmo contemple a hipótese inversa, de que tal dipositivo proporcione respaldo à transferência de um docente em RDIDP para RTC, por exemplo.

Isto porque uma alteração desse porte acarretaria uma substancial alteração do seu regime de trabalho, implicando em especial, como veremos, uma redução de seus vencimentos.

De acordo com a análise exposta, não pode a Universidade, a despeito de sua autonomia, se opor a preceitos constitucionais. Cumpre lembrar que a garantia de irredutibilidade do salário foi abraçada constitucionalmente como direito social dos servidores públicos civis, reconhecida também no art. 115, XVII, da Constituição do Estado de São Paulo:

Art. 115 – Para a organização da Administração Pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

XVII – os vencimentos, remuneração ou salário dos servidores públicos, civis e militares, são irredutíveis e a retribuição mensal observará o que dispõem os incisos XI e XIII deste artigo, bem como os arts. 150, II, 153, III e 153, §2º, I da CF;

Permitindo que a USP aplique essa inversão na leitura do art. 201 RG USP, estaríamos vislumbrando claramente uma ofensa aos artigos 7º, inciso VI e 37º, inciso XV, ambos da Constituição Federal.

Art. 37 – A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(…)

XV – o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e arts. 39 §4º, 150, II, 153, III e 153 §2º, I;

(…)

Ainda, analisando as implicações jurídicas da transferência de um docente em RDIDP para RTC, por exemplo, observa-se que a alteração do regime de trabalho tem direta repercussão no cargo para o qual o mesmo foi nomeado.

Cargo Público, na definição do artigo 4º da Lei nº 10.261/68 (Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado de São Paulo) "…é o conjunto de atribuições e responsabilidades cometidas a um funcionário".

A permanência do funcionário no cargo é a regra, passível a sua mudança apenas nas hipóteses em que a lei a admite. A Universidade de São Paulo, por sua vez, ao efetivar um servidor docente expede ato de nomeação atribuindo-lhe um dado cargo de professor, com seu respectivo regime de trabalho.

As atribuições e responsabilidades conferidas pela USP ao seu professor variam conforme o regime de trabalho e a função do cargo para o qual o docente foi nomeado.

Ao professor em regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP) são conferidas atribuições mais complexas e maior dedicação à pesquisa nas diferentes áreas do saber e do conhecimento, resultando em maiores contribuições para eficiência do ensino e a difusão de idéias e de conhecimentos para a comunidade; o professor em Regime de Turno Completo (RTC) está obrigado a uma menor dedicação a atividades de pesquisa e extensão de serviços à comunidade, enquanto do professor em Regime de Turno Parcial (RTP) exigem-se tão somente as atividades de ensino.

Nessa linha lógica de atribuição de cargos, os vencimentos correspondentes respeitam uma das três tabelas que a própria USP elaborou e divulga, sempre obedecendo o regime de trabalho para o qual o docente foi nomeado, ou seja RTP, RTC ou RDIDP. A cada cargo docente, com sua respectiva jornada de trabalho, é atribuído um vencimento.

Os comprovantes mensais de pagamento de tais funcionários obedecem também o mesmo critério lógico: são emitidos discriminando um só item para os vencimentos básicos do cargo, sendo que o valor da remuneração já inclui o regime de trabalho.

Portanto, sem prejuízo dos argumentos já expendidos a respeito da irredutibilidade dos vencimentos, ao alterar o regime de trabalho do docente, a USP também altera, irregularmente, o cargo do docente, ou seja, o cargo para o qual foi originalmente nomeado, sendo isso impossível, porque não dizer totalmente ilegal.

Da estabilidade do servidor público

Outrossim, para elucidar ainda mais tal questão devemos atentar para a diretriz estabelecida do artigo 41 da Constituição Federal, que consagra a regra da estabilidade do servidor público. Nesse mesmo sentido, a Constituição Estadual de São Paulo:

 

Art. 127- Constituição Estadual de São Paulo:

"Aplica-se aos servidores públicos estaduais, para efeito de estabilidade, o disposto no artigo 41 da Constituição Federal.

Art.41 – Constituição Federal:

"São estáveis após 3 (três) anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público

§1º – O servidor público estável só perderá o cargo:

I- em virtude de sentença judicial transitada em julgado;

II-mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;

III-mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma da lei complementar, assegurada ampla defesa

(…)

§4º – Como condição para a aquisição da estabilidade, é obrigatória a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade.

Assim, um dos requisitos para a estabilidade do servidor é o efetivo exercício de 3 (três) anos. Ressalve-se que a estabilidade somente beneficiará àquele investido em cargo. O servidor estável, por conseguinte, é aquele nomeado para cargo de provimento em virtude de concurso público e que cumpriu três anos de efetivo exercício.

Conforme todo o exposto não se vislumbra hipótese legal que permita à USP alterar regime de trabalho do docente que se encontra nessa situação. Sequer a conveniência da Administração pode ferir princípio arraigado em nossa legislação pátria. Vale lembrar que a Constituição Federal estabelece a vedação de redução de vencimentos no exercício do mesmo cargo, independente da estabilidade.

Na hipótese de haver insatisfação com o desempenho do trabalho de determinado docente estável em RDIDP, a alternativa que se impõe à Universidade resta no art. 41, §1º, III, CF (já transcrito) e não na alteração de seu regime de trabalho. Para tanto deve, ainda, obedecer ao disposto no art. 247 da CF:

"As leis previstas no inciso III do §1º do art. 41 e no §7º do art. 169 estabelecerão critérios e garantias especiais para a perda do cargo pelo servidor público estável que, em decorrência das atribuições de seu cargo efetivo, desenvolva atividades exclusivas de Estado"

Quanto ao período em que o servidor ainda não adquiriu estabilidade é este denominado estágio probatório, ou seja, nos dizeres de Maria Sylvia Zanella di Pietro (Direito Administrativo, 5ª ed., Atlas), "estágio probatório é o período compreendido entre o início do exercício e a aquisição da estabilidade e tem por finalidade apurar se o funcionário apresenta condições para o exercício do cargo, referentes à moralidade, assiduidade, disciplina e eficiência".

No caso, após o período de experimentação, o docente adquire estabilidade. Contudo o aludido §4º do art. 41 da CF, traduz requisito para a aquisição de estabilidade: o servidor, ainda em estágio probatório, deve ser avaliado quanto ao seu desempenho para aquisição desta estabilidade no cargo. O art. 8º da Resolução nº 3.533/89 da USP, que regulamenta os regimes de trabalho docente, vem, nesse sentido, compor hipótese em que o mesmo, durante o estágio probatório, pode ser desligado do Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa. Entende-se, assim, que nessa hipótese é possível tal desligamento, desde que desaprovada sua avaliação de desempenho durante seu período de estágio probatório. É importante ressalvar que, no caso, tratamos de desligamento, e não de alteração do regime de trabalho.

Cumpre destacar que a referida avaliação de desempenho não deve estar baseada em critérios discricionários aleatórios, mas em conformidade com o art. 247, CF, terá critérios previamente estabelecidos.

Nesse sentido a opinião do jurista Alexandre de Moraes na obra Direito Constitucional, 5ª ed., editora Atlas: "A administração pública, durante o estágio probatório, avalia a conveniência de confirmação efetiva do servidor concursado no funcionalismo público, aferindo requisitos objetivos que demonstrem sua idoneidade moral, sua eficiência, aptidão, assiduidade, moralidade, etc"

A Súmula 21 do STF ainda esclarece:

"Funcionário em estágio probatório não pode ser exonerado nem demitido sem inquérito ou sem as formalidades legais de apuração de sua capacidade"

Convém, ainda, nesse momento, questionar a legalidade do estabelecido no artigo 6º, caput, da citada Resolução nº 3.533/89 da USP, em razão do período de estágio probatório que o servidor público deve cumprir.

Art. 6º – O docente que ingressar no RDIDP será submetido a um período de experimentação de 6 (seis) anos, ficando obrigado a apresentar relatório de suas atividades, bienalmenteArt. 6º – O docente que ingressar no RDIDP será submetido a um período de experimentação de 6 (seis) anos, ficando obrigado a apresentar relatório de suas atividades, bienalmente.

Conforme exaustivamente exposto, tal dispositivo não condiz com as normas constitucionais atinentes à matéria, visto estar estabelecido na Constituição Federal e Estadual de São Paulo o período de 3 (três) anos de estágio probatório.

Outrossim, para melhor esclarecer a situação dos servidores que cumprem período de estágio probatório, a Emenda Constitucional 19/98 nesse sentido veio acrescentar em seu artigo 28:

Art. 28 – É assegurado o prazo de dois anos de efetivo exercício para aquisição da estabilidade aos atuais servidores em estágio probatório, sem prejuízo da avaliação a que se refere o §4º do art. 41 da Constituição Federal.

Ressalte-se, assim, ficou assegurado o prazo de dois anos de efetivo exercício para aquisição da estabilidade aos servidores em estágio probatório à época da promulgação da emenda, sem prejuízo da avaliação especial e obrigatória prevista no texto.

Conforme o exposto, o período de regime probatório não pode perpetuar sua duração além da prevista constitucionalmente, sob o risco de se atentar contra outro princípio constitucional expresso, que se aplica a todos os trabalhadores, indistintamente, e que, se diferente fosse, poderiam os servidores, no caso, ter sua instabilidade indefinidamente prorrogada:

Art. 7º – CF – São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria da sua condição social:

I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; (g.n.)

CONCLUSÃO

  1. A alteração de regime de trabalho de RDIDP para RTC e RTP no mesmo cargo implica em redutibilidade de vencimentos, o que é vedado constitucionalmente;

  2. Os servidores estáveis (nomeados para cargo de provimento efetivo em concurso público após 3 (três) anos de efetivo exercício) somente poderão ser desligados do RDIDP, aplicando-se o art. 41, §1º, III, combinado com art. 247, ambos da Constituição Federal, no caso de insuficiência de desempenho;

  3. O docente em período de estágio probatório em RDIDP poderá ser desligado da USP, desde que sua avaliação de desempenho seja negativa;

  4. Mesmo durante período de estágio probatório, o docente não pode ter alterado seu regime de trabalho, visto que implicaria em redução de seus vencimentos. A irredutibilidade de vencimentos está relacionada ao cargo e não à aquisição de estabilidade;

  5. O tempo de estágio probatório de servidor público é de 3 (três) anos segundo artigo 41, caput, CF;

  6. É assegurado o prazo de 2 (dois) anos de efetivo exercício para aquisição de estabilidade aos servidores em estágio probatório à época da promulgação da EC19/98

  7. Considerando o docente em RDIDP com regime de trabalho alterado, este poderá:

  • Na esfera individual/administrativa- ingressar com recurso hierárquico alegando ilegalidade do ato administrativo;

  • Na esfera coletiva/administrativa – propor alteração da norma 201 do Regimento Geral da USP e art. 6º e 8º da Resolução 3.533/89

  • Na esfera judicial – encaminhar representação de inconstitucionalidade de ato normativo (art. 201, RG e 6º da referida Resolução) perante Tribunal de Justiça de São Paulo, de acordo com art. 73, VI da Constituição do Estado de São Paulo, visto que é ato normativo estatal: "No conceito de atos normativos, encontram-se os atos estatais de conteúdo meramente derrogatório, como as resoluções administrativas, desde que incidam sobre atos de caráter normativo, revelando-se, pois, objeto idôneo para a instauração de controle concentrado de constitucionalidade perante o STF" (Alexandre de Moraes, obra supra citada).
    Têm legitimidade ativa para ingressar com esta representação as entidades sindicais ou de classe, de atuação estadual ou municipal, demonstrado o interesse jurídico no caso (art. 90, V, CESP)

 

DA CONSULTA Nº 2

Consulta formulada sobre a legalidade da competência da CERT quanto a mudança de regime de trabalho de docente, contrariamente à disposição expressa de sua respectiva Unidade.

Considerando apenas a legalidade da competência da CERT;

Considerando somente os aspectos formais para alteração de regime de trabalho, a despeito da ilegalidade outrora aduzida; teremos:

Dispõe o artigo 201 do Regimento Geral da USP:

Art. 201 – "A permanência em um determinado regime de trabalho não é definitiva, podendo o docente, a qualquer tempo, por decisão prévia do Conselho de Departamento, ouvido o CTA, com anuência da CERT, ser transferido de um regime de trabalho para outro"(g.n.)

A despeito da discussão legal deste dispositivo, muito questionável na órbita jurídica conforme anteriormente exposto, o docente poderia, a qualquer tempo, mesmo durante período de estágio probatório, ter alterado seu regime de trabalho. Entretanto, o referido mandamento não deixa margem à dúvidas quanto aos aspectos formais para essa ocorrência, devendo advir de decisão prévia do Conselho do Departamento, com parecer do CTA e anuência de a CERT.

Face a esta orientação, levanta-se o primeiro questionamento: na esfera estatutária e regimental, qual a implicação no caso da CERT discordar de decisão realizada pelo Conselho de Departamento?

A esta questão, as ordens regimentais não trazem expressos esclarecimentos, sendo necessário recorrer a uma interpretação lógico-formal mais apurada dos estatutos e regimentos da USP, e analisar as competências tanto da CERT quanto do Conselho do Departamento.

Decorre do artigo 91 do Estatuto da Universidade de São Paulo (EUSP) o seguinte dispositivo:

"À Comissão Especial de Regimes de Trabalho, a que se refere o inciso XI do artigo 34, incumbe analisar as admissões de docentes, opinar acerca do regime de trabalho, orientar e coordenar a aplicação de legislação pertinente, bem como zelar pelo cumprimento das respectivas obrigações.

Parágrafo único: A Comissão a que se refere o "caput" deste artigo opinará após manifestação circunstanciada do Conselho do Departamento, ouvida a Congregação"(grifo nosso)

Uma leitura atenta deste artigo, extraído do ordenamento mais importante da USP, que estabelece os princípios e diretrizes para que todos os demais regimentos internos se ajustem, revela que as decisões da CERT realmente não estão adstritas às do Conselho do Departamento ou Congregação, podendo divergir das mesmas.

Contudo, manifestação em sentido contrário à orientação da Unidade, não acolhendo as razões suscitadas, deve ser adequadamente motivada. Uma vez existindo tal discordância, o procedimento correto seria o retorno desta manifestação ao Conselho do Departamento e Congregação para nova apreciação e decisão. Isto em razão da competência das mesmas, que não pode simplesmente ser ignorada, como veremos. Diferentemente, a Universidade tem se posicionado, conforme pareceres jurídicos, no sentido de que, havendo confronto entre decisões do Conselho de Departamento e CERT, deve o Reitor ser a "instância" a decidir o impasse criado pela lacuna legislativa estatutária.

No texto do Estatuto da USP supra-mencionado transparece o caráter consultivo da CERT ao estabelecer como diretriz orientadora de todo seu ordenamento "opinar acerca do regime de trabalho". Não se trata, assim, de deliberar sobre regimes de trabalho, especialmente, de ofício, mas assessorar e melhor orientar o Conselho de Departamento e a Congregação para fazê-lo. Neste sentido é o teor do Estatuto, devendo as demais regras seguir este mandamento diretivo.

Convém destacar a hialina importância da manifestação do Conselho de Departamento neste enredo regimental, que não pode simplesmente deixar de ser acatada, sob o risco de desnaturação do preceito, pois se a CERT tivesse poder suficiente para, de ofício, assim decidir, não haveria necessidade de manifestação do Conselho do Departamento e da Congregação, sendo o dispositivo estatutário completamente inócuo. Assim, a existência deste preceito legal, revela não ter sido este o intento do legislador, que não destacou tal importância e competência à CERT. Ao revés, restringiu a competência da CERT à sua anuência, conforme corroborado pelo próprio artigo 201 do Regimento Geral da USP.

Outrossim, alega ainda a Universidade, através de seus órgãos CJ e CLR, em diversos pareceres, que a legislação universitária atribuiu ao Reitor a competência da execução de decisões sobre regimes de trabalho, ex vi do art. 42, VII do Estatuto da USP, e que, assim, a referida matéria encerrar-se-ia nele mesmo, de tal modo que não caberia recurso ao CO de decisões de alteração de regime de trabalho, apenas pedido de reconsideração ao Reitor.

Em considerações sobre o tema, a CLR assim já se manifestou: "sendo a CERT comissão de confiança do Reitor não cabe ao CO ingerência sobre atribuições exclusivas do Reitor" (Prof. Dr. Walter Colli – RUSP nº 84.1.7359.1.8)

Por conseguinte ao mencionado dispositivo estatutário, a referida atribuição exclusiva do Reitor teria sido delegada à CERT, através da Portaria GR nº 2.561, de 19/03/1990.

Ora, vejamos.

Estabelece o artigo 42, VII, EUSP:

Art. 42 – Ao Reitor compete:

(…)

VII – estabelecer e fazer cessar as relações jurídicas de emprego de pessoal docente e não-docente da Universidade;

Pela leitura do dispositivo denota-se que o mesmo não trata de relações de trabalho genéricas, mencionando expressamente "relações jurídicas de emprego" do pessoal docente e não docente.

Necessário se faz, então, inicialmente, esclarecer a definição de relação jurídica de emprego. Tem a doutrina administrativa oscilado nesta definição. Certa corrente doutrinária tem o entendimento de que, na verdade, trata-se das condições de ingresso no serviço público (investidura), o vínculo estabelecido entre o indivíduo e o exercício do seu trabalho no serviço público, ou seja, se o indivíduo ocupa cargo ou emprego público ou, ainda, função.

Há também o entendimento, ao qual nos agregamos, de que relação jurídica de emprego corresponde à relação de trabalho que o indivíduo possui com a entidade instituidora, ou seja, se seu vínculo empregatício é regido por Estatuto ou CLT e, nesse caso, a definição de relação jurídica de emprego se confunde com o próprio regime jurídico.

Adotando qualquer uma dessas posições, ainda assim, a USP não encontra fundamento jurídico que respalde sua hipótese, isto é, para defender a idéia de que o dispositivo incidiria sobre o regime de trabalho docente (dedicação exclusiva, turno completo e turno parcial). Em nenhum dos casos é possível ampliar o conceito de relação jurídica de emprego para o de regime de trabalho.

Sendo assim, não dispõe o Reitor de competência exclusiva que verse sobre a matéria em tela e, via de consequência, não poderia delegar poder que não detém.

A Portaria GR 2561/90, por sua vez, estende ao Presidente da CERT, uma competência e um poder que a legislação universitária não outorgou ao Reitor. Amplia, além disso, desmedidamente esse poder, que já não era passível de delegação, ao dispor em sua íntegra:

"Delegando competência ao Presidente da Comissão Especial de Regimes de Trabalho (CERT) para autorizar ingressos, reingressos, permanências, licenças, afastamentos, transferências, renovações de contratos e alterações de regimes de trabalho do pessoal docente da Universidade de São Paulo. Esta portaria entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário"

Porém, já frisou a Consultoria Jurídica da USP, em Parecer RUSP nº 608/98 que o objeto da delegação, no caso, limita-se à atribuição de executar as decisões sobre regimes de trabalho, que competiriam ao Reitor. Nesse sentido, o próprio órgão se contradiz, pois se assim fosse, por força dessa delegação, caberia dirigir recurso à CERT das decisões sobre regime de trabalho, o quê a própria CJ refuta, ao alegar que o recurso cabível no caso é o pedido de reconsideração ao Reitor, e, ainda, ao afirmar ser aquela comissão apenas um órgão consultivo.

Firmamos entendimento que, nesses casos, o procedimento adequado a se tomar, pelas razões aduzidas e em face do debate quanto à competência do Reitor para essa apreciação, é o recurso hierárquico ao CO e não pedido de reconsideração.

Por derradeiro, ainda convém fazer uma distinção entre competência privativa e exclusiva, visto que tal diferenciação indica a possibilidade de delegação de competências.

Conforme assento doutrinário, a competência privativa é passível de delegação, contrariamente à competência exclusiva, que não comporta esse mandamento.

Via de regra, a delegação de competências é procedimento excepcional. Assim, um ente só pode delegar competência a outro quando a lei expressamente permitir. Nesse sentido, toda competência é exclusiva e, portanto, não delegável. Para que ocorra, é necessário, então, a permissão legal, através de disposição expressa que determine ser a competência privativa.

Em suma, no caso, no silêncio do dispositivo estatutário, tal qual interpretação constitucional, a competência tratada no referido artigo 42 é exclusiva, não-delegável. Somente seria delegável se se tratasse de competência privativa, exigindo menção expressa da norma legal.

Da iniciativa para propor a alteração de regime de trabalho docente

Considerando, assim, a possibilidade de uma alteração de regime de trabalho, cumpre aclarar de quem é a competência para a indicação de contratação em um regime de trabalho, e ainda, a quem cabe a iniciativa da proposta de alteração de regime de trabalho.

Para a primeira questão, responde o artigo 45 do Regimento Geral da USP:

Art. 45 – Ao Conselho de Departamento compete:

III – propor ao CTA, o regime de trabalho a ser cumprido pelo docente, observado o artigo 201 deste regimento

Assim, compete ao Conselho do Departamento a indicação do regime de trabalho a ser cumprido pelo docente, asseverando ainda mais o destacado papel deste Conselho nesta questão, coordenado com as mesmas afirmações anteriores.

A Congregação também desempenha vultosa importância nesse enredo, em razão do disposto no artigo 39, XIII do mesmo Regimento Geral:

Art. 39 – À Congregação compete:

XIII – deliberar sobre renovação contratual de docentes proposta pelos Departamentos (g.n.)

Quanto à segunda questão, a quem cabe a iniciativa da proposta de alteração de regime de trabalho, em consonância com os incisos do mesmo artigo 45 do diploma legal estatuído, nos quais transparece a natureza deliberativa do Conselho do Departamento, a iniciativa da proposta também é de competência do Conselho do Departamento, cabendo à CERT, mais uma vez, opinar acerca da transferência de docente do regime de trabalho, que assim somente se realizaria, ressalve-se, desde que ouvido o CTA, com decisão prévia do Conselho de Departamento.

Da competência da CERT

A despeito de já termos esclarecido quanto à competência para propor regime de trabalho docente e alteração do mesmo, correndo o risco de permanecer no terreno da tautologia, convém explicar, ainda, desta vez pela via negativa, a razão pela qual a CERT não dispõe desta competência.

Da análise de sua competência e dos diversos dispositivos a ela inerentes, observamos que do ponto de vista legal, estabelecido pelas normas da USP, trata-se de um órgão consultivo, fiscalizador e, por vezes, executivo. Não possui, contudo, natureza deliberativa. Vejamos:

Reza o artigo 6º do Regimento Interno da CERT, em conformidade com os dispositivos do Estatuto e Regimento Geral da USP:

Art. 6º – Compete à CERT:

I – interpretar, aplicar e determinar a aplicação das normas relativas aos regimes de trabalho docente, zelando por seu fiel cumprimento e execução;

II – propor ao reitor a edição de normas que disciplinem a aplicação da legislação relativa aos regimes de trabalho;

III – adotar providências no sentido de aprimorar os regimes de trabalho, em particular o RTC e RDIDP;

IV – opinar sobre ingressos, reingressos, permanências, exclusões, licenças, afastamentos, transferências, comissionamentos, nomeações, admissões, contratos, renovações de contratos e alterações de regimes de trabalho do pessoal docente da Universidade

V – zelar pelo cumprimento do RTC e do RDIDP;

VI – julgar relatórios no âmbito de suas atribuições;

VII – apurar, mediante sindicâncias instauradas pelo Presidente, infringências à legislação relativa a regime de trabalho e, quando for o caso, propor ao reitor a abertura de processo administrativo;

VIII – exercer as demais atribuições inerentes à natureza de sua competência (g.n.)

Nota-se em todos os incisos, o caráter consultivo da Comissão, até mesmo da observação da aplicação de expressões como "interpretar, aplicar, determinar a aplicação, propor, aprimorar, opinar, zelar, julgar relatórios, apurar". Em contraposição, a competência dos Conselhos de Departamentos, Congregação e CTA dispõem "aprovar, decidir, homologar e deliberar".

Neste sentido, não é possível aceitar que, por mera iniciativa desta Comissão, um docente integre regime de trabalho diverso daquele para o qual foi indicado, em desacordo com os ditames de sua Unidade, por deliberação pura e simples da CERT, visto que a iniciativa de proposta de regime de trabalho não é de competência da mesma, não estando elencada em nenhum dos incisos do artigo 6º de seu Regimento Interno.

Atos da CERT em outro sentido podem ser entendidos como desvio de sua competência.

Outrossim, a própria Resolução nº 3.533, de 22 de junho de 1989, que regulamenta os regimes de trabalho dos docentes da USP, reconhece em seu artigo 4º, no mesmo entender sobre a iniciativa de propor regime de trabalho, ipsis literis, que "o ingresso no Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP) deverá se originar de proposta da Unidade Universitária".

Assim, corrobora o entendimento do artigo 45 do Regimento Geral da USP. Mutatis mutandis, se o ingresso em certo regime de trabalho deve se originar no Conselho de Departamento, também ali deve se alterar.

Ainda, o artigo 25 da mesma Resolução, estabelece que o ingresso no regime de turno completo (RTC) também deve se originar de proposta da Unidade Universitária. Portanto, até mesmo para outros regimes, que não o RDIDP, não compete à CERT, de ofício, propor regime diverso daquele contratado.

É oportuno, ainda, analisar o conteúdo do artigo 8º da referida Resolução 3533/89, para não trazer conflitos ao deslinde de nosso questionamento:

Art. 8º – "Por proposta circunstanciada da Unidade, aprovada pela CERT, ou por iniciativa desta, o docente em RDIDP poderá ser desligado do Regime quando seu relatório de atividades for considerado insuficiente" (g.n.)

Este artigo faz alusão específica ao docente em RDIDP que cumpre estágio probatório. Dentro da concepção ora analisada, o artigo só pode ser compreendido como exceção à regra, promovendo, pela primeira vez, a iniciativa da CERT para desligamento do docente em RDIDP. Contudo, deve-se atentar à sua análise que tal desligamento deve ser fundamentado na insuficiência do relatório de atividades.

Um relatório de atividades é insuficiente à luz do estabelecido no §3º do artigo 6º dessa mesma Resolução. Dispõe este artigo:

Art. 6º – O docente que ingressar no RDIDP será submetido a um período de experimentação de 6 (seis) anos, ficando obrigado a apresentar relatório de suas atividades, bienalmente.

§1º- (…)

§2º- O relatório a que se refere o "caput" deste artigo deverá ser acompanhado de curriculum vitae e de parecer circunstanciado, elaborado e aprovado pelo Conselho de Departamento e pelo CTA ou Congregação.

§3º- O parecer circunstanciado, a que se refere o §2º, deverá analisar explicitamente os seguintes tópicos:

  1. atividades didáticas na graduação e pós-graduação;

  2. progresso no trabalho de investigação científica;

  3. atividades de extensão de serviços à comunidade;

  4. Atividades administrativas;

  5. Apreciação sobre o efetivo engajamento institucional do docente e sua dedicação aos projetos departamentais;

  6. Parecer do orientador para os Auxiliares de ensino e os Assistentes que estejam matriculados em programas de pós-graduação.(g.n.)

Assim sendo, mesmo sob esse fundamento, o desligamento promovido por iniciativa da CERT, continua vinculado à apreciação do Departamento e da Congregação/CTA, visto que se o Departamento e Congregação não desaprovaram o relatório de atividades de determinado docente, não há que se falar em desligamento do mesmo sob iniciativa da CERT.

Nos dizeres do próprio artigo, o parecer circunstanciado deverá ter sido elaborado e aprovado pelos referidos órgãos colegiados.

A alteração de regime de trabalho, questionável contudo, se dará quando ambos, Departamento e Congregação/CTA, mostrarem-se insatisfeitos com o relatório de atividades e, assim, a CERT poderá promover o desligamento do docente, ainda que contradizendo sua própria competência estatutária, com fundamento no excepcional art. 8º aludido.

Contudo, há que se ressalvar a incompatibilidade deste mandamento na esfera legal. Ademais de todas as razões alhures expostas, acrescente-se que Resolução não pode contrariar o Regimento, se decorrente de decisão de órgão colegiado, como no caso em tela, que contrapõe o art. 8º à competência determinada pelo Estatuto e Regimento Geral da USP. Neste entendimento vale citar a ilustre profª. Odete Medauar na obra Direito Administrativo Moderno, 2ª ed., p.164: "A Resolução não pode contrariar a Constituição, a lei, o decreto regulamentar, o regimento (se fôr decorrente de decisão de órgão colegiado)".

CONCLUSÃO

Em face do exposto podem ser apresentadas as seguintes conclusões:

  1. O docente poderia ter seu regime de trabalho alterado pela CERT, desde que tenha havido anteriormente decisão nesse sentido do Conselho do Departamento, com parecer do CTA, ou seja, a CERT não tem competência estatutária e amparo legal para alterar regime de trabalho docente, senão após decisão desta alteração nos colegiados mencionados;
    Em caso da não anuência à manifestação do Conselho de Departamento, a CERT deve motivar sua decisão e retorná-la ao Conselho para nova apreciação;

  2. A CERT não tem competência para alterar o regime de trabalho do docente contrariando indicação do Conselho do Departamento;

  3. Compete ao Conselho de Departamento a iniciativa de proposta de contratação em um regime de trabalho;

  4. Compete ao Conselho de Departamento a iniciativa da proposta de alteração de regime de trabalho;

  5. O docente em RDIDP e em estágio probatório somente pode ser desligado do regime de trabalho pela CERT, por hipótese, se seus relatórios de atividades forem apreciados e julgados insuficientes pelo Conselho de Departamento e pelo CTA ou Congregação.

É o parecer.

São Paulo, 20 de março de 2000

Assessoria Jurídica Adusp/SP

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