Marcelí Joele RossiMarcelí Joele Rossi
Bugios da espécie Alouatta caraya: macho adulto à esquerda, fêmea adulta ao centro e infante à direita

Bugios e outros animais silvestres existentes na USP de Ribeirão Preto correm riscos em decorrência de podas inadequadas e até derrubada de árvores sem justificativa consistente, realizadas pela Prefeitura do Câmpus (PUSP-RP) sem qualquer consulta à comunidade ou especialistas da área, professores(as) da câmpus. Recentemente uma fêmea bugio da espécie Alouatta caraya morreu atropelada numa via porque os galhos que usava para a travessia aérea haviam sido cortados, sem critério, pela PUSP-RP.

“É lamentável. Em novembro de 2022, já tinham cortado três touceiras de bambu, onde vivia uma família de bugios, por motivos fúteis. Uma poda resolveria”, declarou ao Informativo Adusp Online o professor Wagner Ferreira dos Santos, do Departamento de Biologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), a Filô.

“Isto causou uma perturbação nos bandos de bugios pretos e amarelos (Alouatta caraya) que vivem nestes bambus. Isto fez com esta família ocupasse uma borda de uma área de uso (home-range) de outro bando, causando tensão e conflito entre eles. Com isso, um bugio macho está desaparecido”, relata Wagner, que há décadas estuda esses primatas.

“Comuniquei prontamente, duas vezes, a Prefeitura do Câmpus, na forma de um relatório e de um pedido, para que parassem com os cortes sem a minha ciência. Não o fizeram”. Quase um mês após a morte da fêmea de A. caraya, “morreu o seu filhote, que ela carregava”, informa o docente, que aponta recorrente negligência tanto da Prefeitura do Câmpus quanto da Comissão de Meio Ambiente (CMA).

“Os galhos das árvores próximo à guarita, junto à Avenida Bandeirantes, foram cortados. Fiz algumas fotos e nota-se claramente que houve cortes dos galhos acima da fiação elétrica. Tive acesso ao processo e esta poda foi autorizada, preteritamente, pela CMA, que possui dois ‘responsáveis técnicos’ da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto”, comenta Wagner. “Segundo o que consta neste processo eles agiram de forma correta. Entretanto, não existe uma avaliação específica e técnica para este primata no câmpus. Se existe, eu a desconheço”.

Há entre cinco e sete bandos de bugios no câmpus de Ribeirão Preto, com sete a dez indivíduos em cada um deles, conforme levantamento realizado em junho de 2023 por uma graduanda da Filô vinculada ao Programa Unificado de Bolsas (PUB) e orientada pelo professor. “Os bandos ocupam áreas específicas (home-range) do campus, sem que ocorra sobreposição delas. De certa forma estão ligados. Se houver proximidade de encontro, estes primatas possuem uma exibição (display), que é a vocalização, que avisa onde estão”, explica ele.

“Não temos uma visão completa da biologia do bugio”, diz professor

“Para enfatizar, pioneiramente, foi o meu grupo de pesquisa que suplementou este primata no câmpus, há mais de vinte anos. Existia uma fêmea residente. A Polícia Ambiental nos trouxe um bugio filhote, preso à mãe morta em um fragmento de mata em Sertãozinho, ela o adotou”, conta Wagner. “Em seguida, trouxemos um macho que teve um conflito com co-específicos no Bosque Fabio Barreto, em Ribeirão Preto, capturado pelos bombeiros em uma casa, no entorno deste parque”.

Vários projetos de estudo dos bugios foram conduzidos na região, lembra o docente, com apoio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), do Departamento de Fauna (DeFau) da antiga Secretaria do Meio Ambiente (SMA, depois SIMA, hoje Semil), ou do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Porém, resta muito a investigar, adverte.

“Mesmo após alguns trabalhos publicados, monografias, dissertações e teses defendidas pelos meus ex-alunos, não temos uma visão completa da sua biologia. Por exemplo, sua dieta muda de acordo com a oferta de alimentos e pode alterar a sua home-range. Em 25/9/23 morreu outro bugio. Um macho foi encontrado próximo ao bloco H da FCFRP [Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto], que fica perto dos bambus que foram cortados”, relata.

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Infante agarrado ao dorso da irmã mais velha, à direita acima a mãe e abaixo o irmão mais velho

“Quero ressaltar que este primata corre risco de extinção no estado de São Paulo”, enfatiza o docente da Filô. A espécie Alouatta caraya está incluída na categoria “em perigo” do Anexo I do Decreto 63. 853/2018, que relaciona as espécies da fauna silvestre no Estado de São Paulo regionalmente extintas, as ameaçadas de extinção, as quase ameaçadas e aquelas com dados insuficientes para avaliação, e determina providências correlatas. As espécies “em perigo” apresentam risco muito alto de extinção na natureza, “em decorrência de grandes alterações ambientais ou de significativa redução populacional, ou ainda, de grande diminuição da sua área de distribuição”.

“Todo animal silvestre tem a proteção de lei federal e de leis estaduais. Essas leis devem ser cumpridas por todas as pessoas, sem exceção”, reforça Wagner, que cita a lei federal 5.197/1967 e as leis estaduais 11.977/2005 e 17.497/2021 (que atualiza a anterior), cujo cumprimento deve ser, também, dever de uma instituição pública como a USP. A seu ver, as contínuas agressões à cobertura vegetal existente hoje podem tornar mais vulnerável a população de bugios. “Obviamente que sim, não só desta espécie como de outras que vivem no campus. Em breve teremos muitos problemas deste tipo. Bom, já os vivenciamos agora”, observa.

“Existem relatos de que antigamente havia no câmpus onças, lobos guarás etc. No passado havia matas contínuas, hoje são apenas pequenos fragmentos isolados”. Devido à degradação do entorno, atualmente o câmpus se tornou um refúgio de muitas espécies de invertebrados e vertebrados. “Por exemplo, além dos bugios, temos capivaras, tamanduás, cotias, outros roedores, inúmeros répteis etc”. Recentemente foi publicado um livro sobre as aves do campus, informa.

“O Brasil, nos últimos anos e até hoje, tem vivenciado um desmatamento sem precedentes, tanto da região Amazônica quanto do Cerrado e Mata Atlântica”, avalia o professor. “O bioma Mata Atlântica começou a ser desmatado no período colonial. Não obstante, o que chama mais a atenção dos pesquisadores, estudantes, da mídia e da população é a desarborização que ocorre na região amazônica. Acredito que isso deva ser porque é mais visível internacionalmente e agrega mais audiência. Vejo este fato como aquele adolescente que quer consertar e salvar o mundo, entretanto o seu quarto é desorganizado e sujo”.

EXPRESSO ADUSP


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