Opinião
Nos 61 anos do golpe de 1964, a História está sob ataque
Professores de História são assediados, ameaçados e censurados. Publicações da área de História, produtos de pesquisas qualificadas, são convertidas em“narrativas”. O governo Tarcísio de Freitas reduz a carga horária das aulas de História, exclui milhares de professores de seus empregos e os substitui por monitores. Nesta nota, a Seção São Paulo da Associação Nacional de História (ANPUH-SP) denuncia essa grave situação: “Não iremos silenciar sobre o passado. Queremos mais História para que tragédias como a ditadura militar iniciada em 1964 não se repitam”
Todos os governos e estados autoritários buscaram e buscam apagar, falsificar e manipular o passado de acordo com seus interesses. Foi assim com a ditadura militar implantada com a derrubada do governo de João Goulart em 1964. O ensino de História e sua disciplina específica nos currículos escolares foram atacados não apenas com censura de livros e perseguição aos historiadores, mas com a criação dos famigerados “Estudos Sociais” e “Educação Moral e Cívica”, que passaram a substituir nos currículos escolares o espaço dedicado ao estudo específico da nossa história.
Nas universidades do estado de São Paulo e de todo o país implantaram-se serviços de informação para denunciar, perseguir, prender e assassinar professores e estudantes. Inúmeros historiadores, como a professora Emília Viotti da Costa, tiveram que abandonar o país. Livros de História foram banidos, bibliotecas confiscadas, aulas censuradas. O objetivo não era apenas apagar um passado, mas principalmente banir a possibilidade de que toda uma geração de jovens se tornasse cidadãos críticos e capazes de analisar e debater nossa sociedade, desigual e brutalmente violenta e pensar em outro futuro.
Esse projeto para combater o conhecimento histórico e a capacidade crítica da juventude e da sociedade brasileira foi derrotado no contexto das lutas pela redemocratização desde o final da década de 1970. A luta obstinada entre outros da Associação Nacional de História (ANPUH), que conseguiu desde sua fundação em 1961 congregar milhares de profissionais da História, professores universitários e do ensino fundamental e médio, foi decisiva. A ANPUH participou dos debates para retomar a disciplina de História nos currículos escolares, elaborou propostas e iniciativas vitoriosas pela consolidação da pós-graduação da área e pela profissionalização dos historiadores.
Infelizmente a Lei de anistia de 1979 manteve até agora a impunidade dos torturadores e militares, como dos assassinos do deputado Rubens Paiva e tantos outros. E a própria Constituição de 1988 preservou instituições autoritárias criadas na ditadura, como as polícias militarizadas. Isso permitiu que torturadores assassinos fossem exaltados em anos recentes publicamente em pleno congresso nacional sem qualquer punição. Esses mesmos setores seguem agora ameaçando e atacando as conquistas democráticas do país como se verificou na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023. Impunidade não garante a democracia.
Não por outro motivo se multiplicam novamente e com mais virulência ações e ameaças autoritárias aos profissionais da História. Professores de História estão sendo assediados e ameaçados, censurados e monitorados. Publicações da área de História e ciências humanas em geral, produtos de estudos e pesquisas qualificadas, baseadas em fontes documentais e debate científico e historiográfico são reduzidas a narrativas e “pontos de vista”. Introdução de cultos religiosos e ações contra a laicidade na educação — um dos pilares da democracia — se multiplicam em escolas públicas e privadas. Há mesmo iniciativas por uma “História Paralela” que falsamente se pretende alternativa, mas é essencialmente autoritária e falsificadora.
O mais grave, no entanto, é a ação do governo do estado de São Paulo ao reduzir a carga horária das aulas de História do currículo paulista, excluir milhares de professores de História dos seus empregos substituídos por monitores, impondo a exclusão do conhecimento histórico à juventude, banindo na prática publicações da área de História baseadas no debate historiográfico crítico e construído coletivamente, para assim poderem fazer ressuscitar generalidades curriculares visando dissolver os espaços de reflexão e construção coletiva do conhecimento histórico.
Faz parte dessas iniciativas a criação das escolas cívico-militares, na mesma orientação que leva a políticas de negacionismos e esquecimentos do que ocorreu durante a ditadura. A destruição ou esvaziamento das políticas de defesa dos espaços de memória sobre os crimes da ditadura militar são coerentes com essa mesma perspectiva para deseducar a democracia apagando a História. Não podemos e não iremos silenciar sobre o passado.
Uma sociedade que não é capaz de defender sua memória histórica comum e refletir sobre seu passado de forma crítica, construídos coletivamente como conhecimento histórico, que não valoriza através dos seus historiadores as pesquisas e a docência nas salas de aula, colocará em risco permanente a sua democracia. Não esqueceremos! Não iremos virar páginas feitas de sangue dos que defenderam a democracia. Queremos mais História para que tragédias como a ditadura militar iniciada em 1964 não se repitam.
Diretoria e Conselho da ANPUH-SP
31 de março
Fortaleça o seu sindicato. Preencha uma ficha de filiação, aqui!
Mais Lidas
- Direção da Faculdade de Medicina assume como seu o curso pago “Experiência HC” (oferecido pela Fundação Faculdade de Medicina), e ainda escamoteia a finalidade real, que é o lucro privado; estudantes protestam
- Atendendo a pedido da Adusp, CPA e CAD prorrogam prazo para inscrições na Progressão Horizontal
- Governo Tarcísio recorre contra liminar que suspendeu audiência pública sobre venda de fazendas experimentais da SAA, mas sofre nova derrota
- Proposta de regulamentação do programa de educação infantil da USP mantém exclusão de filhos(as) de pós-doutorandos(as) das creches; documento não fala em contratações para recompor quadro de pessoal
- Adusp publica “Cartilha sobre Direitos do Corpo Docente da USP”