Emocionante homenagem a Ana Rosa Kucinski

Por iniciativa da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”, com apoio da Adusp, foi realizada em 29/10, no Auditório Ana Rosa Kucinski do Instituto de Química (IQ-USP), uma emocionante homenagem à professora assassinada em 1974 pelo Exército e cujo corpo se encontra desde então desaparecido. Ana Rosa foi demitida pela Congregação do IQ, por “abandono de função”, em 1975, quase um ano e meio após a sua execução na “Casa da Morte” de Petrópolis (RJ).

Joaquim Duarte
Audiência Pública da Comissão da Verdade de SP, no IQ-USP

A homenagem ocorreu durante audiência pública, que abordou também os casos de Wilson Silva, marido de Ana Rosa, e Issami Okano. Todos os três militavam na Ação Libertadora Nacional (ALN). Silva e Okano (que foi aluno do IQ) também foram capturados em 1974 e encontram-se desaparecidos desde então. O ex-delegado Cláudio Guerra declarou no seu livro Memórias de uma Guerra Suja (2012) ter transportado e incinerado os corpos de Ana Rosa e de Silva.

Estiveram presentes o professor aposentado Bernardo Kucinski (ECA-USP), irmão de Ana Rosa; a professora Vera Paiva (IP-USP), filha do ex-deputado federal Rubens Paiva (desaparecido desde 1971); Rosa Cardoso e Maria Rita Kehl, integrantes da Comissão Nacional da Verdade; professores e estudantes de diversas unidades.

“A assessoria jurídica da USP teve a ousadia de produzir um parecer de quase 100 páginas em que admitia finalmente que devia rever a demissão da minha irmã, mas justificava a decisão anterior. A USP não reconhece o seu grau de conivência com a repressão”, disse Bernardo, lembrando, para exem­pli­ficar, que durante a Ditadura, na Faculdade de Medicina, “colegas entregaram catedráticos e professores para os órgãos de repressão”.

Professor Fábio Konder Comparato

Rosa Cardoso reafirmou a necessidade de aplicação da justiça para casos como o de Ana Rosa: “O desaparecimento é a forma mais dolorosa, para os familiares das vítimas, das violências cometidas pelo Estado. É uma prática muito concreta de terrorismo de Estado”. Ela acaba de regressar de viagem ao Chile, onde conheceu o campo de concentração e extermínio da Vila Grimaldi, local em que a ditadura militar chilena executou grande número de presos políticos. “Também no Brasil, embora de forma mais clandestina, menos visível do que na Argentina e no Chile, houve uma política de desaparecimentos, especialmente após o Ato Institucional nº 5 e a supressão do habeas corpus”.

A pedido do deputado Adriano Diogo (PT), presidente da comissão, manifestaram-se alguns amigos de Ana Rosa, seus contem­po­râ­neos no IQ como docentes ou estudantes: Mariana Araújo, Sérgio Massaro, Mansur Lufti e Shirley Schreier, que destacaram o gosto artístico da professora, sua alegria e vivacidade, bem como aspectos da luta que se travava dentro da USP contra o regime militar.

Shirley, professora aposentada do IQ, emocionou-se ao recordar uma passagem dolorosa: “Alguns dias antes do desaparecimento ela veio me procurar para conversar, e disse: ‘Você está ocupada, eu volto depois’. Mas não voltou. Depois tivemos várias reuniões [dos amigos], que eram um pesadelo, porque ela tinha falado que talvez precisasse fugir, e nós não sabíamos bem o que fazer”.

Professora Shirley Schreier

A Comissão da Verdade “Rubens Paiva” foi constituída pela Assembleia Legislativa. A Reitoria da USP foi convidada a comparecer a duas audiências sobre o caso Ana Rosa, ausentando-se em ambas, e limitou-se a enviar um despacho de julho de 1995, do então reitor Flávio Fava de Moraes, que anula a demissão, mas sem apurar responsabilidades.

O professor Fábio Konder Comparato pediu que seja feito o possível “para que essa situação de horror institucional seja aberta ao público, e os responsáveis processados e condenados”. Sobre o que vem ocorrendo no Brasil, comentou: “Todos os governos deram mão forte aos militares criminosos e ao grande empresariado”.

Comparato enfatizou que, por decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, “a Lei de Anistia brasileira é inválida e não pode ser aplicada”, no entanto os três poderes vêm descumprindo a sentença condenatória. O professor anunciou que sua proposta de impetrar ação por descumprimento de preceito fundamental (ADPF) contra o governo brasileiro será avaliada pela OAB em reunião a ser realizada em 26/11.

“É absolutamente intolerável que até hoje persista aquela marca da covardia e da indignidade do IQ, ao declarar Ana Rosa culpada de abandono de cargo, sabendo perfeitamente que isso não era verdade”, disse a professora aposentada Maria Victoria Benevides, da Faculdade de Educação. “A quantas anda a Comissão da Verdade da USP? Não sabemos. Não queremos nem Lei de Talião, nem perdão. Queremos justiça”.

Informativo nº 372

 

EXPRESSO ADUSP


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