O corte de 11% ou R$ 120 milhões no orçamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e o concomitante remanejamento desses recursos para a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação (SDECTI), orde­na­dos pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) e aprovados pela Assembleia Legislativa (Alesp) sem qualquer debate, em 21/12/ 2016, na forma de emenda à Lei Orçamentária Anual (LOA 2017), indignou a comunidade universitária e setores ligados às instituições públicas de pesquisa. A reação foi forte e se deu independentemente de coloração político-ideológica.

O Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) 2017 destinava à Fapesp R$ 1,116 bilhão, valor correspondente a 1% da receita tributária do Estado. Uma emenda de última hora proposta pelo líder do governo na Alesp, deputado Cauê Macris (PSDB), reduziu esse valor para R$ 996 milhões (0,89% da receita), ao mesmo tempo em que alocou na SDECTI os R$ 120 milhões cortados, destinando-os à “modernização” dos institutos estaduais de pesquisa. A emenda recebeu 64 votos e, em 29/12/2016, foi sancionada pelo governador.

Desde que teve início, o repasse anual à Fapesp de 1% da receita tributária do Estado, determinado pela Constituição Estadual de 1989, sempre foi respeitado por sucessivos governos. Alckmin, porém, já havia manifestado seu desejo de quebrar a vinculação orçamentária de 1%.

Diversos pesquisadores criticaram a medida, por meio de artigos e manifestos. Colegiados da USP e da Unicamp protestaram. Timidamente, e tratando de poupar o governador, a própria direção da Fapesp e o Conselho de Reitores (Cruesp) pronunciaram-se contra o corte. Os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo juntaram-se aos críticos.

Diante da reação generalizada, o governo ensaiou um recuo. Montou-se uma reunião em 26/1/17 entre o presidente da Fapesp, José Goldemberg, o vice-governador e titular da SDECTI, Márcio França (PSB), e dirigentes dos institutos estaduais de pesquisa. Resultou da reunião um “acordo” mediante o qual a verba de R$ 120 milhões retornaria à Fapesp, desde que fosse reservada para investimento nos institutos. 

Reações

Uma das respostas mais enérgicas tanto ao corte no orçamento como ao suposto “acordo” foi a carta “Em defesa da Fapesp”, divulgada em 30/1/2017 pelo jornalista Herton Escobar e assinada por mais de 150 professores e pesquisadores. A maioria deles pertence a unidades da USP: IB, ICB, IF, IQ, IFSC, Cebimar, CENA, FCFRP, FMRP, FEARP, Esalq. Também a subscrevem docentes da Unicamp e pesquisadores do Instituto Butantã.

“Há algumas semanas fomos surpreendidos com uma emenda na lei orçamentária do Estado de São Paulo para 2017, aprovada pela Alesp e sancionada pelo governador, reduzindo o valor do repasse do Tesouro para a Fapesp. O valor previsto é inferior ao mínimo de 1% da receita tributária determinado pelo artigo 271 da Constituição Estadual, alocando R$ 120 milhões a menos”, inicia a carta, acrescentando que a quantia retirada à fundação seria alocada na SDECTI, “cujo secretário é o atual vice-governador, para aplicar na recuperação de infraestrutura dos institutos de pesquisa do Estado”. Acrescenta que o acordo anunciado em 26/1/17, em “resposta à pressão da comunidade”, “parece indicar um recuo do governo, ao prever que a destinação das verbas para os institutos passaria por análise de mérito pela Fapesp”, mas adverte: “Não ficou claro se os recursos seriam repassados ao orçamento da Fapesp ou se a Fapesp simplesmente opinaria sobre sua destinação final”.

O documento prossegue com uma série de críticas: “O vice-governador indicou que um processo de julgamento à parte como esse, com reserva de recursos apenas para poucas instituições, inédito em toda a história da Fapesp, poderia se tornar permanente”. “Ainda, o acordo estabe­lecido essencialmente oferece ‘cotas’ aos institutos de pesquisa, em que esses podem pleitear verbas Fapesp sem concorrer com demais projetos no Estado. Como o índice de aprovação de projetos desses institutos na Fapesp (~40%) é igual ao das demais instituições, fica claro que não é esse o problema […] o que falta são novas contratações nesses institutos”, as quais “não são da alçada da Fapesp”.

O acordo anunciado, prossegue a carta, “prevê uma indevida ingerência na administração dos recursos, vedada pela Constituição, ao forçar a Fapesp a reservar uma porcentagem significativa do orçamento para um setor específico através de uma manobra política. […] Não há outra solução para o impasse senão o absoluto respeito à Constituição do Estado. O Tesouro deve repassar o valor devido e a autonomia completa da Fapesp não pode ser colocada em xeque”.

Entre os signatários estão os professores Glaucius Oliva (IFSC), ex-presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Luiz Henrique Catalani e Gilberto Fernando Xavier, respectivamente diretores do IQ e do IB, a ex-pró-reitora de Pesquisa (2005-2009) Mayana Zatz (IB) e o professor Marcos Buckeridge (IB), presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo.

“Temos que ficar atentos, pois se a USP é o que é e atingiu o nível de excelência e credibilidade que hoje possui, sem dúvida a Fapesp tem um papel fundamental garantindo expressivos recursos à USP, seja diretamente para a pesquisa ou como suporte, como o período do Infraestrutura Fapesp ou pelo emprego da Reserva Técnica institucional”, declarou ao Informativo Adusp outro signatário, o professor Marcelo Pompêo (IB).

“Além disso, se os institutos de pesquisa do Estado necessitam de recursos isso é fruto de uma política de longo prazo que não permitiu a correta manutenção de suas estruturas, mas principalmente a recomposição do quadro de pesquisadores, o que compromete a função do próprio Estado”, observou o docente.

Tais considerações sobre os institutos de pesquisa do Estado coincidem com o entendimento da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC), expresso no dia 2/2/2017 em nota assinada por seu presidente, Joaquim Adelino Azevedo Filho: “As evidências demonstram que ao privilegiar o investimento dos recursos financeiros somente na infraestrutura, em detrimento da força de trabalho e dos recursos humanos necessários ao fortalecimento do Sistema Paulista de Ciência, Tecnologia e Inovação, nada mudará nesse cenário perverso e obscuro que perdura há décadas no Estado de São Paulo”.

Assim, a manobra orçamentária teria como objetivo “melhorar a aparência de algumas unidades, de modo a atrair a iniciativa privada para parceria ou até mesmo para concessão à iniciativa privada”. A APqC reafirma que “o problema crucial dos institutos de pesquisa são os recursos humanos”, e só pode ser resolvido “com uma atitude responsável do governo do Estado”. 

Ataque à Fapesp

O primeiro ataque de Alckmin à Fapesp, em abril de 2016, foi verbal e se deu durante uma reunião do seu secretariado. “Gastam dinheiro com pesquisas acadêmicas sem nenhuma utilidade prática para a sociedade. Apoiar a pesquisa para a elaboração da vacina contra a dengue, eles não apoiam. O Butantã sem dinheiro para nada. E a Fapesp quer apoiar projetos de sociologia ou projetos acadêmicos sem nenhuma relevância”, afirmou o governador, segundo relato da Veja.com (25/4/2016). Ele teria defendido também o fim da vinculação orçamentária: “A Fapesp tem 1% do orçamento. Tem mais de R$ 800 milhões em conta. E o Butantã sem dinheiro para fazer vacina”.

O Informativo Adusp enviou, em 31/1/17, e-mail à assessoria de imprensa da Fapesp, com perguntas relativas ao corte no orçamento da instituição, e entrou em contato por telefone, por três vezes. A assessoria informou que as perguntas seriam encaminhadas ao presidente da fundação, que as responderia por meio de contato telefônico, previamente agendado. Até o momento, contudo, este agendamento não ocorreu.

 

EXPRESSO ADUSP


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