Reforma Agrária
Acampamento Marielle Vive ecoa o “Grito dos Excluídos e Excluídas”
No dia 14 de setembro, aula aberta no Pavilhão de Ciências Humanas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) sobre a luta dos trabalhadores sem terra, em conexão com o “Grito dos Excluídos e Excluídas”, contou com a participação de Wilson Aparecido Lopes, dirigente estadual do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e morador do Acampamento Marielle Vive (Valinhos-SP). A atividade foi organizada pelo GT de Políticas Agrárias e Socioambientais da Adusp em parceria com docentes do Departamento de Economia, Administração e Sociologia.
Lopes relatou a história de lutas dos sem-terra e de organização do Acampamento Marielle Vive, instalado graças à ocupação de terras em abril de 2018. Desde o início da mobilização, estes ativistas sociais enfrentaram as arbitrariedades da Prefeitura de Valinhos. Assim, as secretarias municipais de Educação e Saúde receberam orientação para não atender as famílias do Acampamento, deixando crianças sem acesso à escola e doentes sem acesso às Unidades Básicas de Saúde (UBS) ou Unidades de Pronto Atendimento (UPA). Da mesma forma, o fornecimento público de água potável foi bloqueado.
Até hoje, cinco anos após a ocupação, os moradores do Acampamento continuam sem acesso a água encanada, saneamento público e energia elétrica. Lopes enfatizou que a condição de vida dos acampados da reforma agrária “não é romântica, é uma luta para garantir moradia digna, são 450 famílias que não têm para onde ir, vivem em condições precárias, mas a outra alternativa é ainda pior, morar debaixo da ponte”.
Efetivamente, a precariedade não impede os acampados de lutarem por uma sociedade igualitária e sustentável. Lopes destacou a luta pela preservação da Serra dos Cocais, onde se situa o Acampamento Marielle Vive, e os esforços empregados na produção de alimentos agroecológicos, que hoje são destinados à Cozinha Coletiva da ocupação, bem como para doação mensal à Santa Casa de Valinhos, além de serem comercializados em feiras e no Armazém do Campo de Campinas.
A propósito, este último é uma iniciativa do MST com objetivo de oferecer “comida de verdade e produtos orgânicos a preço justo”, além de se constituir como “ponto de encontro entre campo e cidade”. Trata-se então de realçar a ideia de que “comer é um ato político e cultural”. Então, o espaço não se limita à comercialização de produtos da reforma agrária, mas se apresenta como lugar de formação, de reunião, de realização de eventos artísticos e também festivos.
Além destas destinações dos alimentos produzidos no acampamento, Lopes revela que deseja abastecer três escolas públicas de Valinhos. A ideia consiste em garantir alimentos saudáveis para as crianças e adolescentes, em substituição aos ultraprocessados que hoje compõem em grande medida a merenda escolar.
Para Lopes, uma das lutas mais árduas e dramáticas da história do Acampamento é aquela pelo direito à água. A mobilização por este direito levou ao assassinato do senhor Luis Ferreira no dia 18 de julho de 2019. Na ocasião, as famílias acampadas estavam realizando uma manifestação pacífica na rodovia localizada em frente à área ocupada, reduzindo a velocidade do fluxo do trânsito para distribuição de panfletos aos motoristas que trafegavam pela região, com o intuito de reivindicar o acesso à água. No decorrer do protesto em defesa do fornecimento de água para o acampamento, um motorista dirigindo uma caminhonete cabine dupla avançou sobre as famílias e atropelou propositalmente Ferreira, que morreu no local.
Em Valinhos, 18 de julho passou a ser “Dia Luis Ferreira de Combate à Violência Política”
Apenas após o assassinato de Ferreira é que foi assegurado um direito básico, que tem portanto “preço de sangue”. Desde então, um caminhão pipa de dez mil litros é fornecido pela Prefeitura para abastecimento dos moradores. Em consequência, o Acampamento Marielle Vive montou a “Escola Popular Luis Ferreira”, e o dia 18 de julho, em Valinhos, foi reconhecido oficialmente pela Câmara Municipal como “Dia Luis Ferreira de Combate à Violência Política”. São formas encontradas pela militância sem terra para tornar viva a memória dos que morreram na luta por direitos fundamentais.
Lopes lembrou diversas outras ações organizadas pelas famílias acampadas para garantir seus direitos. A este propósito, o dirigente estadual do MST fez referência a uma frase de Frei Betto, “governo e feijão só funcionam na pressão”, para ilustrar que a garantia dos direitos para as famílias pobres é resultado da organização popular. Afinal, o que os trabalhadores sem terra reivindicam são direitos fundamentais à moradia, alimentação saudável, educação de qualidade, terra para plantar. Direitos que estão inscritos na Constituição do país, mas não são assegurados efetivamente.
Nas palavras do dirigente do MST, o que o levou a comparecer à Esalq foi sua intenção de apresentar aos estudantes e a toda a comunidade da escola a vida dos que estão “do outro lado da história”, daqueles que são excluídos da sociedade capitalista, marcada pela destruição da natureza, degradação das relações humanas e promoção da guerra. Para este ativista social, o Acampamento Marielle Vive constrói o contrário: preservação ambiental, produção de alimentos saudáveis e relações solidárias de comunidade.
Na parte final da palestra, Lopes relacionou as ações do Marielle Vive ao Grito dos Excluídos. Relembrou a história dos 29 anos de organização da mobilização nacional que ocorre anualmente no dia 7 de setembro. Na sua avaliação, “as bandeiras do Marielle são também as bandeiras do Grito: teto, comida, direito à vida, à educação, à saúde, à cidade, à natureza, com participação popular”. O MST enfatiza no Grito dos Excluídos o tripé que estrutura a luta dos sem terra: democratização fundiária, reforma agrária popular e transformação social.
Ele também chamou a atenção para a importância de estudantes conhecerem as experiências de luta pela terra, o que é bem representado pelas visitas ao Acampamento Marielle Vive. O MST é atacado e criminalizado pela mídia e em diversas ocasiões pelo Estado, como nas comissões parlamentares de inquérito (CPIs). Por isso é fundamental divulgar as ações do MST pela preservação da natureza, como aquelas em defesa da Serra dos Cocais e em favor da proibição do uso de agrotóxicos no Acampamento Marielle Vive; as campanhas de solidariedade, como a distribuição de 6 mil toneladas de alimentos e mais de 2 milhões de marmitas em todo Brasil; e, durante a pandemia de Covid-19, o treinamento de agentes sanitários de saúde para percorrer os bairros periféricos instruindo sobre os cuidados sanitários.
Para Lopes, é motivo de orgulho compor o coletivo Marielle Vive, que se tornou hoje uma referência de apoio para famílias em situação de vulnerabilidade social e econômica. De fato, o Centro de Referência em Assistência Social (CRAS) do município de Valinhos indica o Marielle Vive às famílias que buscam acolhimento social. Também são motivo de orgulho os esforços de erradicação do analfabetismo no acampamento, baseados no método cubano de alfabetização de jovens e adultos “Sim, eu posso”, que permitiram a formação de mais uma turma de Educação de Jovens e Adultos (EJA) no último mês de agosto, na Escola Popular Luis Ferreira.
Por fim, o palestrante ressaltou a importância da organização popular que ocorre a partir da ocupação da terra, permitindo que trabalhadoras e trabalhadores que “só serviriam para alimentar o sistema capitalista com mão de obra barata, agora lutem por vida digna”. Considera igualmente que a reforma agrária alimenta a agroecologia, que não pode existir sem democratização do acesso à terra.
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