Direitos humanos e a defesa do Estado laico
Daniel Garcia
Mariante, Vecchiatti e Rodrigues

A força das bancadas religiosas no parlamento, exemplificada no veto à cartilha sobre orientação sexual e subsequente recuo do governo federal no tocante ao assunto, bem como na aprovação do “Dia do Orgulho Hétero” na capital paulista, é um fato político que sugere a urgência do debate sobre o Estado laico e de sua defesa. O ataque aos direitos reprodutivos das mulheres e ao casamento gay estão na ordem do dia dos grupos religiosos, o que exige uma resposta firme do movimento de direitos humanos.

Essas questões foram debatidas no Sarau da Adusp de 25/8, que contou com a participação dos advogados Paulo Roberto Vecchiatti, especialista em direito constitucional e autor de obras sobre homoafetividade, e Paulo Mariante, coordenador de direitos humanos do coletivo Identidade-Grupo de Luta pela Diversidade Sexual. A moderação coube ao historiador Aldair Rodrigues, doutorando da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.

Vecchiatti — que atuou como amicus curiae no julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), da ação sobre a união civil homoafetiva — sustentou que o tema do Estado laico interessa não apenas à militância LGBT, mas a todos os que defendem os direitos humanos, porque os preconceitos vinculados a determinadas concepções religiosas podem contaminar todas as esferas da vida humana, prestando-se a justificar práticas como a escravidão, por exemplo. “A homofobia é o fundamentalismo religioso do momento”, disse o advogado.

Liberdade

O especialista em direito constitucional esboçou uma tipologia do Estado no que concerne à relação com a Igreja. No Estado teocrático, Igreja e Estado confundem-se, inclusive formalmente; o Estado confessional possui uma religião oficial; no Estado laico há separação entre Igreja e Estado, com “ampla liberdade de crença e descrença”; por fim, o Estado ateu proíbe a existência de religiões.

“O Estado laico é o único que permite liberdade religiosa, sem discriminações”, frisou Vecchiatti. O conceito de liberdade religiosa foi criado para proteger as minorias religiosas, argumentou, lembrando que historicamente a religião foi usada para oprimir diversos grupos sociais, como os judeus, “passíveis de conversão obrigatória ao catolicismo” durante a Inquisição. O Estado laico não é contrário à religião, mas ao extremismo, acrescentou.

Ele condenou a eventual utilização de livros religiosos, como a Bíblia, como paradigma jurídico, referindo-se ao advogado da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil que defendeu, no STF, a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.510-0, que tentou proibir a pesquisa com células-tronco embrionárias.

Retrocesso

O chamado “Estado de Direito” é sujeito a avanços e retrocessos e objeto de permanente disputa, declarou Paulo Mariante, dando como exemplo brasileiro o próprio texto constitucional. Enquanto a Constituição de 1891 afirmava a laicidade e a separação da Igreja, de modo incisivo, a Constituição de 1988 é marcada por um recuo: “O Estado laico precisa ser protegido por Deus”, ironizou. O deputado federal, depois senador, Nelson Carneiro, autor da emenda constitucional que autoriza o divórcio, finalmente aprovada em 1977, chegou a ser ameaçado de excomunhão. “O ‘Pacote de Abril’ da Ditadura facilitou a aprovação da emenda, ao mudar o quórum”, disse Mariante referindo-se às medidas tomadas por Ernesto Geisel contra a oposição, que incluiram o fechamento temporário do Congresso e a criação da figura do senador biônico.

De acordo com o ativista, a condenação do aborto não é uma formulação de origem da Igreja católica e só foi construída ao longo do terceiro e quarto séculos de existência do catolicismo, determinada por interesses econômicos, pois se considerava importante aumentar a população e estimular a natalidade.

Mariante provocou polêmica ao criticar o provocativo slogan “Amai-vos uns aos outros”, empregado pela Parada Gay de São Paulo em 2011 e que teria, na sua opinião, criado um certo mal-estar: “Seria melhor não usar”, afirmou ele. Alguns docentes manifestaram simpatia pelo slogan. “Genial essa escolha”, rebateu a professora Elisabetta Santoro. “A citação altera o sentido original, um sentido bonito que foi [historicamente] mal utilizado”. O debatedor Vecchiatti também contestou: “Entendo a crítica, mas achei uma sacada boa”.

Perguntado sobre a existência ou não de tentativas de interlocução entre o movimento LGBT e o setor da Teologia da Libertação, o representante do coletivo Identidade observou que os progressistas vivem uma situação cada vez mais difícil, de crescente isolamento, dentro da Igreja católica. “Existe um diálogo, mas com todas as dificuldades que esse setor enfrenta hoje”.

 

Informativo n° 332

EXPRESSO ADUSP


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