Flávio Aguiar e suas “reminiscências do futuro”
Daniel Garcia
Flávio no Sarau de 29/6

“Decididamente, é um livro de reminiscências. Mas são reminiscências do futuro, ou seja: reminiscências do desejo de futuro”. Assim o autor de Crônicas do Mundo ao Revés, professor aposentado de literatura brasileira Flávio Aguiar, definiu essa obra que foi, quase toda, escrita no exterior, mais precisamente em Berlim, onde ele fixou residência desde 2007. Apresentado e discutido no Sarau da Adusp de 29/6, o livro tem como um de seus temas fortes o período ditatorial iniciado em 1964.

A dureza e amargura dos anos vividos sob a Ditadura Militar parece explicar a designação das quatro partes de Crônicas do Mundo ao Revés, que compreendem ao todo dezenove narrativas: Tempos Difíceis, histórias ficcionais com fundo real; Palavras Difíceis, narrativas derivadas de determinados vocábulos, pronunciados ou não; Causos Difíceis, contos gauchescos; e Histórias Difíceis, casos reais.

O texto “Ai de ti, 64”, que abre a última parte, é uma homenagem ao tenente-coronel aviador Alfeu de Âlcantara Monteiro, assassinado por militares golpistas, em 1964, na Base Aérea de Canoas, que ele comandara anos antes. Na crise de 1961, quando os ministros militares tentaram impedir a posse de João Goulart na presidência (após a renúncia de Jânio Quadros), Alfeu aliou-se a Leonel Brizola e teve papel importante para evitar que Porto Alegre, centro da Rede da Legalidade, articulação pró-Jango, fosse bombardeada por aviões da FAB. Desse modo, o tenente-coronel aviador tornou-se um dos “heróis da adolescência” do autor.

Enigmas

Três das histórias tratam da família de Flávio. “São histórias de imigrantes, de gente que nunca vou saber quem são, mas que fazem parte do universo narrativo oral de minha família”. Um personagem marcante é seu avô, Sebastião Wolf, exímio atirador que se tornou integrante da equipe brasileira nas Olimpíadas de Antuérpia, em 1920, nas quais conquistou medalha de bronze; e cujo padrasto, também alemão, o notável cientista Hermann von Ihering, viveu e trabalhou no Rio Grande do Sul e chegou a ser diretor do Museu Paulista.

“Em todas as histórias existe uma questão central: o que não é narrado é tão importante quanto o que é narrado. Todas as narrativas conduzem mais a perguntas do que a respostas. Algumas perguntas não têm resposta e permanecem como enigmas, e essa é a graça da coisa. A resposta é a própria capacidade de formular perguntas”, explicou Flávio sobre o livro.

No debate, o autor comentou que a distância (espacial e temporal) “traz uma espécie de reminiscência da reminiscência: certas cores ficam mais carregadas, e outras, que eram mais carregadas, ficam mais esmaecidas”. Ressaltou que, por sua condição de jornalista, correspondente de publicações brasileiras, continua muito ligado ao Brasil, embora escreva sobre outros países, e vê com otimismo a sobrevivência, aqui, do pensamento crítico.

Bolonha

“A esquerda, em muitos lugares da Europa, virou uma reserva ecológica, na Universidade, por exemplo. A Universidade europeia hoje é devastada por aquilo que se chama Processo de Bolonha. É um processo pelo qual todas as grandes universidades da Europa passaram, que constituiu-se num grande consenso sobre a adequação das universidades europeias a padrões modernizantes, vamos chamar assim, o que significa enfiar goela abaixo os padrões norte-americanos de produtividade”.

 

Informativo n° 329

EXPRESSO ADUSP


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