Sarau debate cotas raciais em noite animada

Kabengele denuncia parcialidade da mídia e revela: Estadão vetou texto seu

Sarau nas dependências da Adusp: esta foi a terceira edição

As cotas raciais foram tema de animado debate no último Sarau da Adusp, realizado na noite de 18/6 na sede da entidade, para assinalar o lançamento da edição 47 da Revista Adusp, que aborda, entre outros temas, a questão das cotas raciais na Universidade de São Paulo. Autor de um dos artigos, o professor Kabengele Munanga, do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), defensor da adoção do modelo de “discriminação positiva” na USP, foi o expositor convidado. A professora Elizabeth Balbachevsky (FFLCH), que assina na publicação um artigo contrário à utilização do critério racial, também convidada a compor a mesa, não pôde aceitar por questões de agenda. O evento foi coordenado pela professora Kimi Tomizaki, da Faculdade de Educação, uma das participantes do grupo da Adusp que organiza os saraus.

O jornalista Pedro Pomar, editor da Revista Adusp, fez uma curta apresentação do temário da edição 47, que publica um dossiê sobre questões relacionadas à terceira versão do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Ele procurou vincular esse tema às cotas: “Há uma conexão, porque uma das dimensões do PNDH-3 é o ataque ao que restou da Ditadura Militar”, disse, lembrando que há “uma série de forças, de instrumentos legais que se mantêm como herança”, entre os quais a Polícia Militar. “Os negros estão entre as maiores vítimas da violência homicida da PM”, afirmou.

Estudante encaminha questão.

O professor Kabengele iniciou sua fala afirmando que a idéia de cotas raciais baseia-se na constatação estatística, mediante dados do IBGE e do Ipea, de que os negros são proporcionalmente subrepresentados nas universidades brasileiras. Segundo ele, o mito da democracia racial faz com que muitos acreditem que as desigualdades socioeconômicas são suficientes para explicar a ausência do negro no ensino superior. O antropólogo aponta que outra explicação, baseada em pesquisas encabeçadas por Roger Bastide e Florestan Fernandes na década de 1960, é a existência de um “racismo à brasileira”, pois em nosso país a raça é um fator que bloqueia a ascensão social.

Guerra racial?

Uma vez constatada a existência de um abismo entre brancos e negros na educação, as respostas para o problema dividem intelectuais, políticos e ativistas. “Uns pensam que a solução passa por políticas universalistas, ou macrossociais, ou seja, melhorando-se o nível da escola pública, os negros e os mais pobres da sociedade brasileira terão a mesma capacidade de competitividade nos vestibulares que o resto da sociedade”, explicou. Para este grupo, a implantação de cotas criaria uma “guerra racial” no Brasil. Por outro lado, há os que acreditam que o abismo é imenso, uma vez que os dados do IBGE mostram que, apesar das melhorias na educação pública nos últimos 100 anos, a situação do negro hoje é a mesma que a de seu bisavô. “A única saída é implementar políticas focadas, que são políticas de ação afirmativa”, defendem estes, segundo definiu Kabengele.

Professores João Zanetic, Kabengele e Kimi

“Enquanto isso se debate, a sociedade brasileira não esperou”. A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) implementaram cotas por força de lei estadual, mas outras 80 universidades, disse o professor, “entraram nas políticas de cotas simplesmente por uma decisão interna”, apontou. “Isso quer dizer que as universidades brasileiras perceberam que há um problema na sociedade e que não podemos esperar a lei”, sustentou.

O professor discutiu o porquê de a USP não ter entrado nas políticas de cotas. “Minha impressão é que a questão foi abafada, poderíamos ter sido até os primeiros”, lamentou, refazendo a trajetória do debate. Em 1995, por ocasião do aniversário de 300 anos da morte de Zumbi do Palmares, foi nomeada através de portaria da Reitoria uma comissão de políticas públicas para comemorar a efeméride, “uma prova de que a USP tinha consciência de que os negros têm problemas nessa sociedade”, e o Núcleo de Consciência Negra da USP passou a exigir cotas para negros. Segundo Kabengele, quando reitores, Jacques Marcovitch e Adolpho Melfi omitiram-se, e Suely Vilela limitou-se a criar uma política de bônus para alunos de escola públicas, o Inclusp, porém sem contemplar a questão racial.

Mito

Professor Kabengele Munanga

“A USP simplesmente fugiu da questão. Ela não foi discutida”, declarou o professor. “Não creio que essa questão dependa apenas do reitor. Depende do Conselho Universitário, de vários órgãos da universidade, das congregações, dos departamentos. A responsabilidade é coletiva. Os departamentos fechando os olhos, as congregações fechando os olhos, os colegas também não querendo discutir a questão, caímos todos no mito da democracia racial, ‘está tudo ótimo, o Inclusp vai resolver tudo’. Como dizem alguns colegas: ‘sendo os negros os mais pobres, então essa proposta vai contemplar a situação do negro’. Eu não acredito nisso”.

Após a exposição, várias pessoas fizeram comentários e formularam perguntas ao professor, que respondeu a todos os questionamentos. Um representante do DCE relatou que, em reunião do Conselho de Graduação, uma pró-reitora reagiu aos gritos à proposta da representação discente de discussão de cotas e afirmou que em sua gestão o assunto jamais entraria em pauta.

Nas respostas, o professor esclareceu que modelo defende: “O corte para mim tem que ser cruzar o critério da escola pública com o critério étnico”. Disse, também, que nos Estados Unidos houve uma mudança de estratégia, como meio de driblar resistências: “não se fala mais em política de cotas, mas em política de busca de diversidade”.

Kabengele criticou o modo como a mídia aborda o assunto, oferecendo maior espaço a quem é contrário às cotas: “Parece que é uma imprensa que não quer mudar nada”. Ele revelou que o jornal O Estado de S. Paulo recusou-se a publicar uma resposta sua a um artigo do geógrafo Demétrio Magnoli, crítico do sistema de cotas. “Quando o Demétrio publicou aquele artigo no Estado, me acusando de ícone da oficialização do racismo no Brasil, que quer suprimir os mestiços no Brasil, eu dei uma resposta. O Estado não publicou, simplesmente ignorou. Isso coincidiu com o fim da lei de imprensa, então já tinham motivos para dizer que não são mais obrigados”.

 

Informativo n° 309

EXPRESSO ADUSP


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