Trabalhadoras terceirizadas da limpeza que atuam nas dependências da Faculdade de Medicina (FM-USP) e de setores dessa unidade espalhados por outros locais — Serviço de Verificação de Óbitos (SVOC), Fonoaudiologia, Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Fofito) e Centro Saúde-Escola do Butantã (CSEB) — realizaram no dia 19/4, com apoio de sindicatos e de entidades estudantis, um protesto, contra os recorrentes atrasos no pagamento dos salários e benefícios (13o salário, vale-transporte, vale-alimentação, vale-refeição) e contra a falta de equipamentos adequados de proteção (EPIs).

De acordo com o Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp), o protesto das trabalhadoras trouxe o resultado esperado, a saber, “o pagamento do salário e dos benefícios referentes ao mês de março em menos de 24 horas após a manifestação”, bem como o compromisso da direção da FM de que não haverá punições; de que a verba correspondente à fatura da empresa contratante, a Sector Serviços e Conservações Ltda, será utilizada para pagar o salário e benefícios do mês de abril e outros valores devidos pela empresa; e de que as trabalhadoras continuem nos seus atuais postos de trabalho.

Além do Sintusp, a manifestação contou com apoio do Diretório Central dos Estudantes (DCE-Livre), de centros acadêmicos (CAOC-FM e XXI de Junho-Fofito) e de coletivos discentes (Núcleo Ayé, Juventude Faísca Revolucionária), bem como do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Prestação de Serviços de Asseio e Conservação e Limpeza Urbana de São Paulo (Siemaco).

Na avaliação de Thaise Yumie, diretora do Sintusp que vem acompanhando o caso, a conduta da empresa contratada pela USP para oferecer os serviços de limpeza na FM “vem ocasionando diversos transtornos e riscos a toda a comunidade, mas principalmente às trabalhadoras da Sector”. O contrato com a Sector teve início em novembro de 2021, com término em 5/11/2022, porém nova licitação ainda não foi realizada e o contrato foi prorrogado.

“O primeiro atraso de salário foi um ano atrás, em abril de 2022. As funcionárias paralisaram e a empresa pagou no dia seguinte”. Depois disso, relata Thaise, ocorreram vários atrasos no pagamento de benefícios como vale-transporte, vale-refeição, vale-alimentação e participação nos lucros e resultados (PLR). “Em maio de 2022, recebemos uma denúncia de que os adicionais de insalubridade e periculosidade não estavam sendo pagos corretamente, cobramos averiguação e nunca obtivemos uma resposta”.

Em 2022, a empresa atrasou a primeira parcela do 13o salário. “As funcionárias paralisaram e eles pagaram. Em dezembro, também atrasaram a segunda parcela do 13º salário e os benefícios. As trabalhadoras paralisaram, sempre sob ameaça de demissão coletiva”, relata ao Informativo Adusp a diretora do Sintusp.

“Pagaram o 13º somente em 27 de dezembro. No mês de março de 2023, atrasaram o salário em uma semana e até hoje não pagaram os vales refeição, alimentação e a participação de lucros. No fim de março, pagaram apenas o vale-transporte para elas não poderem alegar que não têm dinheiro para chegar até o trabalho — mas trabalhar com fome, tudo bem”, ironiza Thaise.

Empresa não fornece luvas, desinfetante, sacos de lixo e nem uniformes

A direção da faculdade informou que uma nova licitação está quase pronta e deverá ser finalizada em julho de 2023, havendo possibilidade de rescisão unilateral do contrato com a Sector, devido às diversas violações, para contratação emergencial de outra empresa. A nova licitação deverá abranger todos os serviços operacionais que já são terceirizados ou realizados por funcionários da Fundação Faculdade de Medicina (FFM, privada), como manutenção, jardinagem, ar condicionado e limpeza, em contrato único de terceirização.

“Hoje as trabalhadoras da limpeza estão em número bastante reduzido na FM, porque várias pediram demissão. Então as trabalhadoras que restaram estão tendo que limpar muito mais áreas na FM, além de não terem material de limpeza e EPIs para trabalharem em segurança. Algumas estão trabalhando com a própria roupa, pois a empresa sequer forneceu o uniforme”, explica a diretora do Sintusp.

A situação de riscos sanitários não poderia ser mais grave, tanto nas instalações do prédio central da FM quanto no CSEB, na Fofito ou no SVOC: “Elas não recebem hipoclorito, panos, os rodos e vassouras estão situação deplorável, as máquinas de lavar o chão estão quebradas, não recebem sacos de lixo para trocar nas salas, nem caixa de pérfuro-cortantes, muito menos luvas para evitar que se contaminem, já que o trabalho é de limpeza hospitalar, devido à grande quantidade de laboratórios com pesquisas biomédicas e atendimento de saúde à população, além do serviço de autópsia”, diz Thaise.

Além das péssimas condições de trabalho que afetam as funcionárias da Sector, acrescenta ela, “ainda é gerado outro problema para os funcionários da Zeladoria [da FM], que muitas vezes têm que retirar e transportar resíduos de salas e banheiros, sem treinamento adequado e sem receber insalubridade e periculosidade exigidas para esta função”.

A Sector, prossegue a diretora do Sintusp, vem paulatinamente violando os direitos humanos de trabalhadoras e trabalhadores dentro da USP. A seu ver é inadmissível, “em pleno século XXI, após diversas denúncias vergonhosas de trabalho escravo em empresas pelo Brasil, ter em nossa universidade trabalhadoras exercendo sua função sem receber seu salário, auxílio alimentação, vale-refeição, recebendo parcialmente o vale-transporte”, o que as obriga a “atrasar seus aluguéis, não conseguir comprar alimentos para seus filhos, não conseguir pagar as contas em dia”.

Tal situação, avalia, “é fruto da precarização das relações de trabalho via terceirização”, que segrega a classe trabalhadora e retira direitos dos mais vulneráveis. “É inaceitável que pessoas que exercem um trabalho essencial para o desenvolvimento de todos os outros dentro dessa universidade tenham que ser submetidas a essas condições e este tipo de vínculo”.

No dia 10/4, procurando remediar a crise provocada pela Sector, a diretoria da Faculdade de Medicina chegou a autorizar uma antecipação extraordinária para as trabalhadoras, no valor de apenas R$ 500, via FFM, na forma de pagamento a trabalhador autônomo (RPA). Porém, não foi explicado a elas o que representava esse pagamento, nem o percentual de tributos que incidiria sobre essa quantia. “O valor pago foi de R$ 390, apenas no dia 18/4, já com doze dias de atraso do salário. As trabalhadoras julgaram que isso era insuficiente para mantê-las trabalhando sem o salário e decidiram por fazer a manifestação no dia 19/4”, esclarece Thaise.

O episódio da FM confirma a gravidade da situação criada na universidade nos últimos anos e denunciada pelas entidades representativas no “Manifesto em Defesa da USP pública”.

EXPRESSO ADUSP


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