Serviço Público
Oposição pede que MP investigue conflito de interesses envolvendo presidenta do Conselho de Administração da Sabesp, ex-executiva da Equatorial, empresa que deve se tornar “acionista de referência” na privatização
A federação PT-PCdoB-PV na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) protocolou na última terça-feira (2/7) uma representação no Ministério Público (MP-SP) “para a apuração de conflito de interesse e dano ao interesse público na participação da sra. Karla Bertocco Trindade, presidente do Conselho de Administração da Sabesp, no Conselho de Administração da Equatorial, único grupo a participar da oferta pública para se tornar acionista de referência” da Companhia de Saneamento de São Paulo.
Conforme noticiado pela Folha de S. Paulo nesta segunda-feira (1/7), Karla Bertocco integrava até dezembro de 2023 o Conselho de Administração da Equatorial. A empresa foi a única a formalizar uma proposta pela posição de acionista de referência, uma espécie de sócia estratégica na gestão da companhia, com 15% das ações, como informou o governo paulista no último dia 26/6.
Na sua proposta, a Equatorial ofereceu R$ 67 por ação. Naquela quarta-feira, as ações da companhia fecharam a cotação em cerca de R$ 74. Já nesta sexta-feira (5/7), a cotação estava acima de R$ 81,50.
A Equatorial terá direito a compor um terço do Conselho de Administração, além do direito de escolher o(a) presidente do conselho e outros(as) executivos(as).
A representação ao MP-SP, assinada pelo líder da federação na Alesp, deputado Paulo Fiorilo (PT), afirma que a presença, na Sabesp, de uma ex-executiva da Equatorial “levanta sérias preocupações sobre possíveis conflitos de interesse e a transparência do processo de privatização”.
A representação contesta as alegações do governo do Estado segundo as quais “o conselho da companhia não participou das decisões sobre a modelagem”, e da própria Sabesp, que afirmou ao jornal que “a atuação da executiva na Equatorial acabou em período anterior ao início da modelagem da privatização e que, quando foi eleita para o conselho da Sabesp, não havia qualquer vedação na Lei das Estatais, na Lei das SA e no Código de Conduta e Integridade da Sabesp”.
Atas das reuniões do Conselho Diretor do Programa de Desestatização (CDPED) e do Conselho Gestor do Programa de Parcerias Público-Privadas (CGPPP) realizadas a partir de setembro de 2023 “mostram que a executiva participava ativamente dessas reuniões, onde foram deliberadas matérias críticas relacionadas ao processo de privatização”, afirma a representação. “Isso evidencia que ela estava diretamente envolvida em decisões estratégicas.”
A federação diz ainda que a Sabesp “contratou uma empresa para prestar serviços de assessoria financeira especializada, incluindo a estruturação de capital e a implementação de uma futura oferta pública de ações da Sabesp”, contratações que “ocorreram sob a supervisão do Conselho de Administração, do qual a executiva fazia parte”. Ou seja, prossegue, “houve contratação, pela Sabesp, da empresa que, entre outras matérias, seria responsável pela estruturação da operação de capital”.
“Executiva estava em posição privilegiada para influenciar decisões”, sustenta representação
Em relação a potencial conflito de interesses, a representação encaminhada ao MP-SP sustenta que, uma vez que a Equatorial é a única interessada na posição de acionista de referência, “a executiva estava em uma posição privilegiada para influenciar decisões que poderiam beneficiar a Equatorial, em detrimento do interesse público e da concorrência justa”.
“Ora, como afirmar que não houve participação da presidente do Conselho de Administração — que tomava parte nas deliberações a respeito de todo o processo de privatização nessa altura, como demonstram as atas acima consideradas — e que não teria ciência das condições em que houve a adoção de uma decisão como essa?”, pergunta a federação.
A representação solicita que a Procuradoria-Geral de Justiça do Estado investigue “a participação da executiva nas reuniões e deliberações do CDPED e do CGPPP”; apure “possíveis conflitos de interesse e a transparência do processo de privatização da Sabesp”; verifique “a legalidade das contratações e decisões tomadas pela Sabesp sob a gestão da executiva”; e impeça “a concretização de qualquer prejuízo ao interesse público decorrente de ações comprometidas e responsabilizar os agentes envolvidos”.
De acordo com o governo, o cronograma para a venda de ações da Sabesp se mantém até o próximo dia 15/7 com as ofertas pelas ações da Sabesp no varejo por parte de investidores, pessoas físicas e fundos de investimento. No dia 16/7 será divulgado oficialmente o acionista de referência; no dia 18/7 haverá a precificação da oferta, com previsão de conclusão do processo de venda em 22/7.
Justiça suspende lei que autoriza privatização em Guarulhos; mais de 50 ações contestam venda
Em recente entrevista coletiva organizada pelo Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema), o advogado Gustavo Barros, do escritório Marcos Neves, que presta assessoria jurídica ao sindicato, declarou que há cerca de 50 ações em andamento que contestam a privatização da Sabesp.
“São ações civis públicas, populares e movidas por cidadãos, e ações no Tribunal de Contas do Estado e Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) patrocinadas por partidos políticos que estão engajados na transparência relacionada ao processo de privatização”, relatou.
No dia 21/6, uma dessas iniciativas foi contemplada com decisão favorável por parte do desembargador Roberto Solimene, do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que concedeu liminar em ADI movida pelo PCdoB para suspender a lei municipal que aprovou a privatização da Sabesp em Guarulhos, segundo maior município de São Paulo.
“A principal controvérsia levantada pelo PCdoB, e ponto central da ADI, envolve alegações de que a lei foi aprovada sem a devida participação popular, desconsiderando os requisitos de estudos de impacto orçamentário e financeiro, conforme manda a legislação brasileira. Isso torna a lei inconstitucional por violar princípios de transparência e participação democrática na gestão pública e na administração de serviços essenciais como o saneamento básico”, aponta a assessoria jurídica do Sintaema.
No despacho, o desembargador acatou a argumentação de que o projeto da gestão municipal deixou de apresentar, entre muitos pontos, o estudo de impacto para a cidade.
A ausência de estudo de impacto orçamentário criou uma situação de incerteza e insegurança para os cofres do Poder Executivo Municipal, argumentou o PCdoB, “pois ao final do contrato com a Sabesp, que estará sob controle da iniciativa privada, é possível que a Prefeitura se torne devedora dos investimentos realizados e eventualmente não amortizados no curso do contrato, o que pode criar uma dívida de milhões de reais da Prefeitura para com a nova Sabesp privatizada”. O desembargador ressaltou que “importa intuir, nesse contexto, a presença do risco”, um dos itens a justificar a concessão da liminar.
Na avaliação do Sintaema, a decisão deixa claro que as omissões na lei municipal “violam não apenas os princípios constitucionais de transparência e participação democrática, mas também comprometem a eficácia e a legalidade da gestão dos serviços essenciais de saneamento básico”, pois não houve o devido processo de engajamento comunitário “nem discussões abertas ou audiências públicas que permitissem à população de Guarulhos entender e influenciar as decisões que afetam diretamente seu bem-estar e saúde ambiental”.
Já na capital, a Defensoria Pública de São Paulo encaminhou no último dia 17/6 parecer ao TJ-SP no qual afirma que a lei municipal que autorizou a privatização da Sabesp deve ser suspensa por inconstitucionalidade.
O parecer foi encaminhado no âmbito de um processo movido por PT, PSOL e PCdoB, com apoio do Sintaema. Os partidos e o sindicato acionaram a Justiça com o objetivo de anular a sessão da Câmara Municipal que autorizou a Prefeitura da capital a firmar contrato com a companhia após a privatização. A proposta foi analisada mesmo sob a vigência de liminar que suspendia sua apreciação até a apresentação de estudos de impacto orçamentário.
Na manifestação, a Defensoria sustenta que faltou participação popular no debate da proposta e afirmou que a lei é “omissa quanto a possíveis medidas financeiras para cenários de enchentes, estiagem ou outros possíveis eventos climáticos extremos, que vêm se agravando nas últimas décadas”.
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