O governo do Estado de São Paulo autorizou a publicação de edital de licitação “e demais medidas necessárias” para entregar à iniciativa privada a gestão (“reforma, operação e manutenção”) de mais 143 escolas estaduais. A medida foi aprovada em reunião conjunta do Conselho Diretor do Programa Estadual de Desestatização e do Conselho Gestor de Parcerias Público-Privadas, que constituem o “Programa de Parcerias em Investimentos do Estado de São Paulo”, e publicada no Diário Oficial do Estado nesta terça-feira (1º de abril).

O governo pretende fazer a licitação no segundo semestre deste ano, de acordo com declarações recentes do vice-governador Felicio Ramuth (PSD).

No ano passado, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) realizou dois leilões de construção e concessão de 33 escolas públicas. O projeto foi contestado por duas ações judiciais, uma movida pelo PSOL e outra pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp).

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida pelo PSOL, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), revogou no último dia 19 de março decisão liminar do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que suspendia os efeitos do decreto do governo do Estado para autorizar a realização dos leilões.

Já em relação à ação civil pública de iniciativa da Apeoesp, o juiz Luís Manuel Fonseca Pires, da 3ª Vara da Fazenda Pública do TJ-SP, em decisão proferida no último dia 10 de março, julgou procedente o pleito do sindicato para “reconhecer a ilegalidade da concessão à iniciativa privada da gestão de atividades desenvolvidas nas escolas públicas do Estado de São Paulo e decretar a invalidade dos leilões realizados em 29 de outubro e 4 de novembro de 2024”.

Conforme explica o Departamento Jurídico da Apeoesp, nesse processo a Procuradoria-Geral do Estado deve apresentar recurso a ser julgado por uma das câmaras de Direito Público do TJ-SP. A ação segue tramitando, mas os efeitos da decisão de primeira instância estão suspensos até o julgamento definitivo da demanda pelo tribunal.

Governo quer “fabricar” índices de eficiência em escolas que já têm boas condições, avalia Repu

O projeto de privatização das escolas públicas vem sendo questionado por diversos setores da sociedade. Em Nota Técnica publicada no final de 2024, a Rede Escola Pública e Universidade (Repu), que conta com a participação de pesquisadores(as) da USP, afirma que o projeto do governo do Estado “apresenta inconsistências entre os objetivos anunciados e a seleção das escolas que poderão ter a gestão privatizada”.

“É de compreensão comum que as condições de infraestrutura e funcionamento das escolas podem contribuir de forma positiva ou negativa na realização dos processos educativos; portanto, se o objetivo de uma dada parceria é melhorar a infraestrutura e o funcionamento das escolas, seria razoável que a proposta envolvesse justamente as escolas com as condições de infraestrutura e funcionamento mais precárias”, diz o documento.

Contudo, prosseguem os(as) pesquisadores(as), “os dados da presente Nota Técnica apontam o contrário: a escolha de escolas com melhor infraestrutura e desempenho escolar, sugerindo que esta seleção está mais voltada a reforçar desigualdades internas à rede de ensino do que a apresentar uma forma de gestão de infraestrutura escolar que contribua para proporcionar a todas as crianças e jovens um ambiente educativo mais favorável ao desenvolvimento, às aprendizagens e à formação”.

O material apresenta mapas e gráficos para analisar diversos indicadores, e sustenta que houve “uma escolha intencional de 143 unidades escolares com melhores condições de funcionamento e de atendimento a estudantes em condições de menor vulnerabilidade para um projeto de reforma de instalações acompanhado de privatização da gestão”.

Os dados, conclui a Repu, “sugerem que a administração pública intenciona controlar previamente os resultados da política de privatização, com vistas a ‘fabricar’ sua eficiência, ao mesmo tempo em que reforça desigualdades escolares e socioespaciais na rede de ensino”.

Educação não pode seguir lógica do mercado, afirma SBPC

No último dia 7 de fevereiro, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) também se manifestou em editorial, assinado por Renato Janine Ribeiro, Francilene Procópio Garcia e Paulo Artaxo, respectivamente presidente e vice-presidentes da entidade. No texto, os autores criticam as ações dos governos de São Paulo, Paraná e Minas Gerais, que chamam de “cruzada ideológica na educação”, com a terceirização da gestão educacional sendo “apresentada como uma solução administrativa”. “Esquecem-se, no entanto, de que a educação não deve ser confundida com um serviço a ser ofertado segundo as lógicas de mercado”, diz o texto.

“A educação é um direito fundamental, e sua privatização representa não apenas um retrocesso civilizatório, mas uma afronta à ordem jurídica que rege nosso país. Está muito claro em nossa Constituição Federal que cabe ao Estado prover o ensino público e gratuito”, prossegue o artigo. “Ao conceder a administração e infraestrutura de escolas à iniciativa privada, os governos estaduais e municipais rompem com esse princípio e negam a própria essência da educação como bem público e direito social.”

“A questão, portanto, não é meramente administrativa, mas sim política e moral: queremos um Estado que assegure direitos ou um que os entregue à mercê das empresas e das forças de mercado? Não há neutralidade possível nessa escolha. A defesa da escola pública é, antes de tudo, a defesa da democracia e da cidadania plena”, continuam os autores.

“A escola pública é o berço da cidadania e da igualdade. Arriscar esse patrimônio em nome de interesses econômicos privados é não apenas um equívoco estratégico, mas um atentado ao futuro do Brasil como nação soberana e justa”, conclui a manifestação da SBPC.

EXPRESSO ADUSP


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