Terrorismo de Estado
Ato público exigiu fim de massacre na Baixada, lembrou Paraisópolis e crimes de maio de 2006, e pediu desmilitarização da PM e “fora, Tarcísio!”
“Não acabou, tem que acabar! Eu quero o fim da Polícia Militar!”. A palavra de ordem de movimentos sociais ligados ao cotidiano da juventude negra, pobre e periférica dos grandes centros urbanos voltou a ecoar durante o ato público contra as recentes chacinas praticadas pela PM na Baixada Santista, realizado diante da Faculdade de Direito da USP, no centro da capital paulista, em 18 de março. Também se ouviu “fora, Tarcísio!”.
Um pequeno cartaz carregado por uma manifestante parecia lembrar a recente visita dos governadores Tarcísio de Freitas (São Paulo) e Ronaldo Caiado (Goiás) ao primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, que já responde pelo assassinato de 32 mil palestinas e palestinos na Faixa de Gaza: “Parem de matar nas favelas e na Palestina”, dizia. Denunciado, dias antes, ao Conselho de Direitos Humanos da ONU por autorizar e estimular a matança promovida pela PM na Baixada, Tarcísio reagiu com ofensas.
A ofensiva da PM contra a população de favelas do Guarujá e de outros pontos da Baixada Santista, por intermédio de duas supostas “operações” denominadas “Escudo” e “Verão”, ambas desencadeadas em represália contra a morte de policiais militares, já resultou em cerca de 60 assassinatos de populares, geralmente precedidos por torturas. O secretário de Segurança Pública, ex-capitão Guilherme Derrite, negou que tivesse recebido denúncias a respeito, apesar dos ofícios que lhe foram enviados pela Ouvidoria das Polícias e de extensas e detalhadas reportagens publicadas na mídia sobre os casos de tortura e execução de moradores.
Débora Silva, do Movimento Mães de Maio, lembrou que as primeiras incursões ocorreram em 18 de dezembro de 2023. “É um holocausto à brasileira na Baixada Santista. Uma carnificina eleitoreira. Se traça uma tese para matar preto, para matar pobre. Não vamos aceitar esse holocausto, a palavra é holocausto”, enfatizou. Ela destacou o papel das mulheres e mães, “que vão parir uma nova nação e acabar com esse fascismo”, na luta contra o genocídio das populações negras e periféricas.
“Não aceitamos que o fascismo venha acabar com a vida dos nossos filhos. Não viemos aqui para holofotes. Estamos aqui como mães que deixam suas casas, seus filhos, para lutar pela democracia de classe, de raça e de gênero. Que não existe. Onde está o fim da ditadura [militar], se ela está implantada nas favelas e na periferia? Para quem ela acabou?”, questionou. “Quando se tem amnésia, a gente tem que lembrar que vai completar 18 anos do maior massacre, que foi o Massacre de Maio [de 2006]. Em uma semana foram mortos mais de 600 jovens, inclusive meu filho”, arrematou Débora.
O Massacre de Maio de 2006 ocorreu no final do governo Geraldo Alckmin (PSDB)-Cláudio Lembo (PFL), depois que este tornou-se governador quando Alckmin se desincompatibilizou para disputar as eleições presidenciais. Em retaliação ao assassinato de mais de 40 policiais militares pela facção PCC, a PM paulista executou centenas de pessoas, muitas vezes escolhidas aleatoriamente. Os necrotérios do Instituto Médico Legal ficaram lotados. Ninguém foi punido e o Ministério Público do Estado (MP-SP), a quem cabe fiscalizar a ação das polícias, emitiu nota de solidariedade à PM.
“Não vamos normalizar a barbárie. Vidas negras importam!”
“Que democracia é essa que não garante a existência dos nossos meninos nas periferias, na Baixada Santista?”, questionou a jovem Malu Nogueira, do Núcleo de Consciência Negra da USP. “Todos os dias uma ofensiva está colocada no nosso Estado, desde que Tarcísio de Freitas assumiu. Hoje a gente está aqui para denunciar que essa é uma política que não pode ser separada da ascensão da extrema-direita. A extrema-direita tem como projeto central normalizar o ‘inormalizável’. Normalizar que a cada 19 horas mais mães de março e de maio se formem no Estado de São Paulo”.
A seu ver, o ato realizado naquele dia precisaria ser “mais do que um lamento” ou uma demonstração de solidariedade. “Precisa ser um compromisso coletivo de que nós não vamos normalizar a barbárie, de que nós vamos gritar pela defesa da vida da nossa juventude, que sim, importa. Vidas negras importam!”
Maria Cristina Quirino, mãe de um dos nove jovens assassinados no bairro de Paraisópolis, na capital paulista, numa ação brutal da PM em 2019 (no governo João Doria), ficou profundamente emocionada ao relembrar o caso e, ainda, falar sobre as mortes na Baixada. “Sei que é muita emoção estar aqui, num espaço como este, é reviver tudo aquilo que vivi quase cinco anos atrás. Não tem como a gente não se solidarizar com estas famílias que estão perdendo seus familiares assassinados. Não tem como conseguir conviver com estas injustiças que a gente está vendo. Não consigo admitir que seja tão normal, tão banal, tão fútil a gente pedir justiça”.
Comovida, repudiou a absolvição de um dos policiais responsáveis pelo assassinato de Cláudia Silva Ferreira, que depois de baleada teve seu corpo arrastado pelas ruas do Rio de Janeiro por uma viatura policial, em 2014: “A gente está vendo policial sendo absolvido, [o caso] voltando para a Justiça Militar”. A seu ver, “a democracia está sendo muito injusta com a gente”, acrescentou. “A gente precisa pedir um impeachment para esse governador! Eles não têm o direito de tirar a vida dos nossos, a gente não tem pena de morte no nosso país, já chega, já basta!”, exortou.
“Essa operação-chacina, a Operação Verão, começou com a morte de um policial, que a justiça já provou que foi morto por uma bala de outro policial”, disse um jovem orador. “Então essa ‘operação vingança’ é uma grande mentira para o povo. Tarcísio e Derrite devem pagar pelas mais de 39 mortes e dezenas de feridos que estão lá na Baixada, sem ajuda, sem apoio do Estado. Pessoas inocentes, sem envolvimento com o crime, foram assassinadas na Baixada e continuam sendo, enquanto essa operação não tiver um fim”.
Após citar outro caso clamoroso de decisão favorável a policial militar acusado de assassinato no Rio de Janeiro, ele também pediu a desmilitarização das Polícias Militares: “O que faremos, se os policiais que matam vão ser promovidos pelo Tarcísio? Chega de Polícia Militar, chega de militarismo, de miliciano, e câmeras já!”.
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