Cepeusp silencia sobre morte de funcionário em acidente na Raia Olímpica, caso que novamente expõe negligência e relações nebulosas com clubes particulares
Raia Olímpica é utilizada para treinamentos por vários clubes (foto: Marcos Santos/USP Imagens)

A Reitoria da USP abriu um “procedimento preliminar de averiguação” para apurar as circunstâncias da morte do servidor Claudio da Silva Lima, ocorrida no último dia 26/8 na Raia Olímpica da Cidade Universitária do Butantã, na capital paulista.

Lima, de 49 anos, era funcionário lotado na Seção da Raia Olímpica do Centro de Práticas Esportivas da USP (Cepeusp) e, naquele sábado, trabalhava na 4ª etapa do Desafio Paulista de Remo. O evento, de acordo com o site do Cepeusp, é uma “competição organizada pelo Clube de Regatas Bandeirante e realizada na Raia Olímpica da USP”.

Uma testemunha relatou à Polícia Civil que Lima estava em uma lancha que saiu da raia na qual trafegava e colidiu com um barranco, fazendo com que o servidor caísse na água. “Posteriormente, a vítima foi vista se debatendo na água, mas acabou se afogando. O salva-vidas do evento tentou resgatar o homem, mas não o localizou”, informou a Secretaria de Segurança Pública (SSP) em nota.

Ainda no sábado, a Reitoria divulgou nota na qual “lamenta profundamente o falecimento do servidor do Centro de Práticas de Esportivas (Cepe) da USP”. “O servidor morreu em função de um acidente ocorrido no dia 26 de agosto, na Raia Olímpica”, prossegue o texto.

“O Corpo de Bombeiros e a Polícia Militar foram chamados para socorrer a vítima. A Guarda Universitária também acompanhou a ocorrência. A direção do Cepe, responsável pela Raia Olímpica, está prestando assistência à família do servidor e está à disposição das autoridades para auxiliar na apuração do caso, que foi registrado no 91º DP”, conclui a nota.

Para o Cepeusp, houve “um incidente”

A Diretoria do Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) divulgou nota na qual manifesta seu pesar pelo falecimento de Lima e expressa solidariedade aos seus familiares, amigos e colegas de trabalho.

De acordo com relato publicado pelo Sintusp, é provável que o funcionário sequer estivesse utilizando colete salva-vidas. O Sintusp informa também que Lima, servidor do grupo Básico 1-A, havia se formado em Direito havia pouco tempo e buscava melhores condições de trabalho, mas teve seu sonho “ceifado pela negligência da Universidade de São Paulo e do Cepeusp”.

A esposa de Lima também trabalha na USP, e o filho do casal é aluno da universidade. A família aguarda o laudo pericial para tomar as providências quanto às responsabilidades pela tragédia.

O Clube de Regatas Bandeirante, organizador da competição, divulgou no dia do acidente uma nota em suas redes sociais na qual, sem mencionar o nome de Lima, se solidariza com “familiares e amigos pela perda de nosso companheiro de regatas”. A nota informa que o clube interromperia as suas atividades até a última terça-feira (5/9). Em seu site, o Bandeirante informa que sua “Sede Náutica” se localiza na Raia Olímpica da Cidade Universitária.

O Informativo Adusp Online enviou ao clube, por e-mail, vários questionamentos sobre a morte de Lima. Até a tarde desta quarta-feira (6/9), o Bandeirante não havia respondido.

Por sua vez, o Cepeusp manteve silêncio completo em relação ao acidente que vitimou o seu funcionário. Até esta quarta-feira, o site e as redes sociais da unidade não registravam qualquer manifestação a respeito, nem mesmo de solidariedade à família e aos e às colegas que conviviam diariamente com Lima no ambiente de trabalho.

O setor de Imprensa do Cepeusp limitou-se a responder, por e-mail, que “as informações referentes ao incidente na Raia estão centralizadas na Assessoria de Imprensa da Reitoria”. O grifo é nosso, para ressaltar que a unidade se refere a uma tragédia que provocou a morte de uma pessoa como apenas “um incidente”.

Cepeusp não responde se funcionário tinha habilitação exigida pela Marinha para pilotar lanchas

O acidente que vitimou Claudio Lima levanta uma série de questões cujo esclarecimento caberá à investigação policial — com a qual, de acordo com a nota da Reitoria, a direção do Cepeusp iria colaborar.

Várias dessas questões foram apontadas pelo Informativo Adusp Online nas perguntas que enviou por e-mail à direção da unidade.

Entre as perguntas formuladas, a reportagem questionou quais são as responsabilidades que cabem ao Cepeusp e ao Clube de Regatas Bandeirante em termos de infraestrutura, serviços de segurança, apoio etc. no evento.

O Informativo Adusp Online também apontou que, de acordo com o seu registro no Departamento de Recursos Humanos (DRH) da USP, Claudio Lima era auxiliar de manutenção e obras na Seção da Raia Olímpica. “Essa função era compatível com as tarefas que ele desempenhava no dia da competição? Qual função ele exercia no dia da competição? Ele exerceu essa mesma função nas etapas anteriores?”, perguntou a reportagem.

Uma vez que não está claro se Lima pilotava a lancha quando ocorreu o acidente, a reportagem também perguntou ao Cepeusp se o funcionário possuía a habilitação Arrais-amador, exigida pela Marinha do Brasil para essa atividade.

Outra pergunta não respondida era sobre a presença de salva-vidas no evento: quantos eles eram e quem era o responsável por prover o serviço.

A respeito dessas e de outras perguntas, a direção do Cepeusp manteve completo e vexatório silêncio.

Prestação de contas da relação com os clubes privados permanece nebulosa

O Informativo Adusp Online também questionou a direção do Cepeusp sobre suas relações com os clubes particulares que utilizam o espaço da Raia Olímpica.

As perguntas enviadas foram as seguintes:

“- O Corinthians, o Esporte Clube Pinheiros, o Clube de Regatas Bandeirante e o Club Athletico Paulistano são os clubes que continuam utilizando o espaço da Raia Olímpica para seus treinos e atividades?

– Qual é a natureza do vínculo mantido entre o Cepeusp e os clubes? Há contratos de utilização das dependências da Raia Olímpica da USP firmados com essas agremiações? Esses contratos foram submetidos à aprovação das instâncias competentes da universidade?

– Quais são as responsabilidades dos clubes em relação à utilização do espaço da Raia Olímpica? Os clubes pagam algum valor? Em caso positivo, qual é o valor? Qual é a destinação dada pelo Cepeusp a essa arrecadação? A quem o Cepeusp presta contas desses recursos?”

Novamente, a unidade negou-se a responder.

O tema, registre-se, não é novo. Já em 2014 o Informativo Adusp havia questionado o Cepeusp sobre essas relações nebulosas. Passados quase dez anos, a transparência quanto à prestação de contas dessa unidade de uma autarquia pública segue tão turva quanto as águas da própria raia e seu vizinho Rio Pinheiros.

Questionada sobre o tema, a Assessoria de Imprensa da USP disse que não possuía as informações, adicionando que os esclarecimentos deveriam ser solicitados diretamente ao Cepeusp.

Raia Olímpica registra outros casos de morte

O acidente que vitimou Claudio Lima soma-se a uma linha de outras mortes já ocorridas na Raia Olímpica da USP, o que no mínimo sugere que essas ocorrências trágicas deixam poucas lições sobre a adoção de medidas para sua prevenção.

Em fevereiro de 2014, foi registrada a morte de um empresário que fazia stand up paddle e era aluno de um dos clubes que utilizam o espaço da Raia Olímpica. De acordo com a família, ele praticava o esporte havia apenas duas semanas. Nesse mesmo ano, em setembro, o corpo de um estudante de vinte anos que participava de uma festa na universidade foi encontrado boiando na Raia, havendo indícios de crime cometido por terceiros.

Em 2001, um aluno da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), também com idade de vinte anos, morreu afogado enquanto treinava. Assim como o empresário, o jovem estava sem colete salva-vidas.

Outro caso, ocorrido em 1997, envolve o possível assassinato de um adolescente de 15 anos, cujo corpo foi encontrado boiando na raia. O rapaz nadava no local num domingo com oito amigos e começaram a ser perseguidos por seguranças em motocicletas. Exames de corpo de delito feitos pelo Instituto Médico Legal confirmam que quatro dos garotos foram agredidos. Os amigos afirmaram ter visto o jovem correndo paralelamente à raia e sendo perseguido por um segurança. O rapaz desapareceu e seu corpo foi encontrado dias depois.

EXPRESSO ADUSP


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