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Ciro Marcondes Filho (1948-2020)
Autor de mais de cinquenta livros sobre jornalismo, comunicação e cibercultura, professor da ECA-USP deixa relevantes contribuições teóricas e legado exemplar como pesquisador
Faleceu neste domingo (8/11), aos 72 anos de idade, vítima de um câncer, o professor Ciro Juvenal Rodrigues Marcondes Filho, docente da Escola de Comunicações e Artes (ECA-USP). Deixou uma obra marcante e notáveis contribuições teóricas no campo da comunicação social. “Ciro Marcondes Filho era um nome de referência nos campos acadêmicos da Comunicação e do Jornalismo, contribuindo ao longo de sua carreira com importantes reflexões e publicações científicas”, declarou, em nota de pesar, a Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor).
Ciro graduou-se simultaneamente em Ciências Sociais e em Jornalismo, respectivamente pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e pela ECA, em 1972. Tornou-se mestre em Ciência Política em 1975, com a dissertação “Elementos para uma Estética Sociológica – um Estudo de Lima Barreto”, tendo como orientador Gabriel Cohn. Doutorou-se em Sociologia da Comunicação na Universidade de Frankfurt (Goethe Universität), em 1981, com a tese “Comunicação, Ideologia e Dominação”, orientada por Dieter Prokop.
No final dos anos 1960, num dos períodos mais agudos da Ditadura Militar, presidiu o centro acadêmico da ECA. Ele viria a descrever essa experiência em 1986, no memorial com que concorreu ao cargo de professor titular: “Na USP, como se sabe, o período de 1969 a 1971 foi marcado pelo terror acadêmico. Como presidente do Centro Acadêmico Lupe Cotrim, sentia na pele os riscos de qualquer iniciativa mais ousada”. “Tudo era impossibilitado, e parece que se deixava a organização estudantil ‘desmoronar-se’ por si mesma”. A situação estendia-se ao conjunto do movimento estudantil e não somente à ECA: “Todos recuavam ante o terror policial que havia no ar e que causava pânico aos ativistas”.
Tornou-se docente da escola em 1974, sendo aprovado no concurso para professor titular já em 1987, e firmou-se como uma das principais referências do Departamento de Jornalismo e Editoração (CJE).“Ministrou, na pós-graduação, sem repetição, 43 cursos diferentes, sendo 23 deles sobre a Nova Teoria da Comunicação”, registrou ele próprio no seu currículo Lattes. Criou e coordenou o Núcleo de Estudos Filosóficos da Comunicação (Filocom) e coordenou por oito anos o Centro de Estudos e Pesquisas em Novas Tecnologias, Comunicação e Cultura da USP (NTC), “onde editou 37 revistas Atrator Estranho, realizou 45 encontros acadêmicos, 5 congressos internacionais e publicou 5 livros”.
Ciro publicou mais de 50 livros, entre eles os três volumes da trilogia Nova Teoria da Comunicação. Os dois primeiros foram publicados em 2002 e 2004, pelo Filocom. Os cinco tomos do terceiro volume foram publicados em 2010 e 2011. Mas sua produção literária teve início na década de 1980: O discurso sufocado (Loyola, 1982); Imprensa e Capitalismo (Kairós, 1984); Política e imaginário nos meios de comunicação (Summus, 1985); O capital da notícia (Ática, 1986); Quem manipula quem? (Vozes, 1986); Violência das massas no Brasil (Global, 1986); A Linguagem da Sedução (Perspectiva, 1986); Jornalismo fin-de-siècle (Scritta, 1994); Cenários do Novo Mundo (NTC, 1998).
Em 2009, publicou Ser jornalista – O desafio das tecnologias e o fim das ilusões e Ser jornalista – A língua como barbárie e a noticia como mercadoria (ambos editados pela Paulus). Depois viriam, entre outros, Fascinação e miséria da comunicação na cibercultura (Editora Sulina, 2012); Teorias da comunicação, hoje (Paulus, 2016); Comunicologia ou mediologia? A fundação de um campo científico da comunicação (Paulus, 2018); O espelho e a máscara. O enigma da comunicação e o caminho do meio (ECA, 2019).
Ao criar a chamada Nova Teoria da Comunicação, assinala o CJE em nota de pesar, Ciro propôs “uma forma de olhar esse campo a partir da ideia de que só existe comunicação quando sujeitos são capazes de afetar uns ao outros, provocando pensamentos novos”. Tanto aos jornalistas quanto aos comunicadores e aos pesquisadores, esclarece a nota, “esse conceito exigente de comunicação demanda uma atitude de imersão e abertura sensível para o diferente, para os outros”. Ainda segundo o CJE, Ciro conclamava a área da comunicação e o jornalismo “a encararem de frente os problemas e desafios que as transformações digitais têm trazido para as democracias”, e vinha coordenando um projeto de pesquisa internacional intitulado Tragédias Políticas, que buscava analisar o fenômeno da desinformação e seus impactos sobre a política e a sociedade.
“Sua genialidade e rigor acadêmico, sua retidão moral, sua dedicação ao alunato e à ECA já são profundamente sentidos. Só não serão ainda mais porque seu legado está mais vivo do que nunca, nos seus ex-alunos, nos seus colegas e em suas obras e ensinamentos. Com seu trato fino e cordial, e cuidadosa escolha de palavras, Ciro sempre se fazia comunicar, e nos provocava a sentir e pensar. Muito obrigado por tudo, professor Ciro!”, conclui a nota do CJE.
“Conheci o professor Ciro Marcondes Filho quando fiz o curso de Comunicação Social da Universidade Católica de Santos (UniSantos), no início da década de 1980; e ainda tive contato com ele como aluna especial dos seus cursos na ECA”, conta ao Informativo Adusp a jornalista Rosângela Ribeiro Gil, que trabalha na área de comunicação sindical.
“Lembro-me, perfeitamente, do sotaque ainda carregado do professor Ciro que tinha acabado de voltar ao Brasil, depois de concluir o doutorado em Frankfurt, na Alemanha. Com ele, realmente descobri o ‘mundo’ dos livros, a reflexão teórica sobre a Comunicação e o gosto por entender mais os meios de informação, indo além de qualquer tipo de ‘manual técnico’ do fazer jornalismo. É uma perda para a luta por uma comunicação que tenha como perspectiva a justiça numa sociedade”.
“Ontem, quando recebi a notícia, fiquei chocado”, disse ao Informativo Adusp o professor Eugenio Trivinho, do Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, de quem Ciro foi orientador no mestrado e no doutorado, tendo atuado juntos no NPC da ECA. “Isso abrangeu o período de 1985 a 2000, quinze anos intensos de trabalho. As atividades desenvolvidas no NPC foram muito importantes para a área de comunicação e para o campo de estudos da cibercultura”, relata.
“Ciro era daqueles pesquisadores com espírito democrático radical, tinha um apreço pela democracia que era algo exemplar, impressionante, especificamente no que diz respeito à visão de mundo e ao que ela tem a ver com a relação entre as pessoas. Esse perfil dele na academia e na vida, democrático radical, me marcou muito”, explica. “Ele era um pesquisador com uma larga audição em relação ao interlocutor, fosse ele um colega docente ou um aluno. Tinha posições firmes, mas se abria de uma forma incomparável para ouvir igualmente os argumentos opostos. A relação que ele mantinha com os orientandos era de democracia exemplar”.
Na opinião de Trivinho, Ciro era um “pesquisador incansável”, e nesse sentido incomparável. “Ele define para mim o que realmente deve ser um pesquisador. Durante cerca de 30 anos ele focou o desenvolvimento de uma teoria da comunicação para as ciências humanas de um modo geral, e obviamente para a área de comunicação. Focou seu interesse, sem dispersão, na criação dessa nova teoria, com um novo conceito de comunicação para a área e para as ciências humanas e sociais de um modo geral”.
Além disso, destaca o docente da PUC-SP, Ciro era um escritor infatigável. “Produziu uma obra monumental, de complexidade e profundidade exemplar. Era genial em ideias inovadoras. Eu considero Ciro um gênio da criação epistêmica, era um inventor de novos conceitos, novas definições e significações”. Além disso, Ciro interagiu com importantes pesquisadores do exterior, sobretudo alemães e franceses. Tinha uma forte relação com a cultura alemã, já desde a escolha da Universidade de Frankfurt como local de doutoramento, e traduziu muitos textos científicos do alemão para o português.
“O Capital da Notícia é um livro profundo, com uma sistemática elaboração conceitual, desde a primeira linha. É um livro fundamental ainda hoje, porque trabalha essencialmente uma categoria que é sine qua non para as ciências humanas e sociais: a categoria da critica teórica, que é igualmente crítica política e crítica social”, diz Trivinho. “Pelo próprio título da obra, não perde de vista a relação entre imprensa e capitalismo, e essa relação repercute fundamentalmente na questão da liberdade de expressão”.
A seu ver, outroaspecto admirável e original da trajetória de Ciro Marcondes Filho é que ele “levou a área da Comunicação — e neste ponto ele foi raro — para um diálogo sistemático com a Filosofia, desde um pouco antes de 2000 foram cerca de vinte anos de diálogo sistemático com a Filosofia”. Por fim, o docente da PUC-SP lamenta a perda do mestre: “Existem dias em que nós precisamos enterrar junto o nosso próprio coração”.
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