No dia 4 de dezembro último, a vice-diretora da Faculdade de Direito (FD) da USP, Ana Elisa Liberatore Silva Bechara, instaurou uma Comissão Sindicante para apurar a procedência ou não das denúncias divulgadas contra o professor Alysson Leandro Barbate Mascaro, do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito.

Presidida pelo também docente daquela faculdade Gustavo Ferraz de Campos Monaco, ex-procurador geral da USP, a comissão sindicante vai apurar acusações de assédio sexual — e até de abusos sexuais — que vieram a público em reportagem publicada na véspera pelo noticioso The Intercept Brasil (TIB). Ao final da sindicância, caso a investigação conclua que as denúncias contra Alysson são procedentes, deverá ser instaurado um Processo Administrativo Disciplinar (PAD), a ser conduzido por uma Comissão Processante.

O pedido de sindicância consta de ofício encaminhado à direção da FD, no mesmo dia da publicação da reportagem, por Júlia Pereira Wong e Paulo Henrique da Silva, respectivamente presidente e secretário-geral do Centro Acadêmico XI de Agosto, e por onze representantes discentes da graduação e da pós-graduação na congregação e em outros colegiados da universidade. “Não é admissível que tão grave acusação deixe de ser investigada com a seriedade necessária”, diz o perfil do XI de Agosto no Instagram.

A defesa do professor nega veracidade às denúncias, que atribui a “perfis fakes criados para propagar inverdades e criar intrigas” entre Alysson e outras pessoas do meio acadêmico. O advogado Victor S. G. Ferreira sustenta, em nota, que as afirmações veiculadas pelo TIB “carecem de materialidade, uma vez que as imputações são fundadas em supostos relatos obtidos por meios manifestamente ilícitos e espúrios, que já estão sob apuração policial”. Ainda segundo Ferreira, “todo o contexto da reportagem foi construído por contas falsas, que operam com o objetivo expresso de macular a honra de Alysson Mascaro”.

Porém, de acordo com a reportagem do TIB, os acusadores são dez alunos ou ex-alunos de Alysson, com idades entre 24 e 38 anos, e cujas identidades foram preservadas para evitar perseguições. “Os relatos feitos ao Intercept Brasil citam episódios que ocorreram entre 2006 e o início de 2024 que incluem condutas agressivas, beijos forçados e até estupro”, resume a chamada. A maioria das vítimas teria conhecido o docente por meio do Grupo de Pesquisa Crítica do Direito e Subjetividade Jurídica, por ele coordenado na FD. A reportagem descreve em detalhes interações que teriam ocorrido entre Alysson e os discentes.

Em nova matéria, publicada no dia 5 de dezembro e intitulada “Por que (e como) publicamos as denúncias contra Alysson Mascaro”, o TIB informa que “ainda há pelo menos 25 outras vítimas possíveis que nos procuraram por inbox e por e-mail com histórias semelhantes”, e que, como os demais, “a maioria deles tem medo de aparecer e sofrer retaliações”.

Na semana passada, o Informativo Adusp Online entrevistou um professor de uma universidade pública que relatou haver passado por uma experiência semelhante àquelas narradas na reportagem citada. Ele prefere preservar sua identidade, pois teme uma eventual perseguição. Descreve assim o episódio que viveu: anos atrás, numa conversa sobre uma possível orientação de doutorado, ao final de uma reunião em que Alysson lhe promete uma vaga, “ele me abraça forte, não me larga, começa a pegar na minha bunda; eu tiro a mão dele, ele coloca de novo, eu tiro; ele pega minha mão e põe no seu pênis”.

O episódio contado ao Informativo Adusp Online, que se iniciou no escritório de Alysson e terminou no apartamento dele (que são interligados), incluiu passagens que obviamente não serão descritas em minúcias, mas que deixaram aturdido e amedrontado o então candidato a doutorando: “Esse processo tem mexido muito comigo, porque foram anos para compreender a violência sofrida, digerir o medo da perseguição, entender que minha trajetória de vida não passaria mais pela USP”.

O professor, contudo, não se entende como denunciante, nem tem ou teve interesse em processo judicial. “Não denunciei à época. Eu não tive certeza de que era uma violência. Eu sabia que não queria ficar com ele, mas são situações muito duras subjetivamente, vivi a experiência de como é difícil, para uma pessoa que está submetida a esse contexto, sequer entender e saber como reagir. Mas em nenhum momento ele soube do que ele causou na minha auto-estima e na minha trajetória”, explica.

A seu ver, o docente assediador da FD, agora alvo de investigação interna, tem um modus operandi que inclui “o fato de ele dizer que suas orientações seriam semelhantes às orientações da Grécia antiga, em que os pupilos tinham relações afetivas e sexuais com seus mestres”.

O professor ouvido pelo Informativo Adusp Online observa que situações desse tipo são particularmente difíceis para pessoas LGBTQIAPN+, o que merece atenção e medidas especiais de investigação. “A regra geral para quem é LGBTQIAPN+ é ter sua sexualidade vigiada, monitorada, culpabilizada e estigmatizada durante a vida toda, com diversos processos em que nos colocam como desviantes da moral e dos bons costumes. É uma conquista poder ter um pouco de paz nesse assunto e é evidente que não queremos pessoas poderosas investigando toda a nossa trajetória de vida e sexual, revirando aspectos da nossa intimidade, expondo a gente para nossas famílias e em nossos postos de trabalho”.

“Espero que as pessoas que denunciaram essa situação possam encontrar apoio e proteção. Devemos isso a quem se expõe, pois os danos podem ser irreversíveis e só um LGBTQIAPN+ entende o que significa a exposição e a provação de sua sexualidade em público”, conclui.

O Informativo Adusp Online encaminhou ao professor Alysson Mascaro algumas perguntas sobre o relato aqui reproduzido, que não foram respondidas até a publicação desta reportagem. Caso cheguem respostas aos questionamentos, a matéria será devidamente atualizada.

EXPRESSO ADUSP


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