No último dia 22 de outubro, a Prefeitura do Campus Leste da USP, onde está situada a Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), anunciou à comunidade universitária que decidiu ceder parte do espaço da unidade para treinamento de direção de veículos por soldados da Polícia Militar (PM), e portanto que “do dia 23/10 até 21/11 de segundas a quintas das 8h00 às 14h00 haverá em nosso grande estacionamento um bloqueio parcial para a realização de treinamento de policiais militares da área leste da Capital”. Não se sabe se a cessão do estacionamento pela Prefeitura do Campus Leste à PM teve a anuência da diretoria da EACH.

“Tendo em vista o solicitado pelo Sr. Comandante do 2º Batalhão de Policiamento da Capital, responsável pela região leste de São Paulo, onde estamos inseridos e, que nos auxilia diuturnamente em nossa segurança”, diz o comunicado, “entendendo que a necessidade de atualização profissional de seu efetivo, neste caso que tange à condução de veículos oficiais bem com a busca pela excelência dos serviços prestados à população paulistana, esta Prefeitura analisou criteriosamente o uso de parcela do grande estacionamento para esse fim, sem encontrar óbices e sem a interferência nas atividades gerais de nossa comunidade usuária do espaço ora cedido”.

Promete-se que não haverá “nenhuma interferência na rotina diária de nosso campus” e, ainda, que “tais atividades serão acompanhadas por esta Prefeitura e pela Superintendência de Prevenção e Proteção Universitária”. O texto encerra-se com um curioso elogio à PM: “Cabe salientar que a Polícia Militar tem se mostrado um grande parceiro ao longo dos 20 anos de existência da USP Leste”.

A cessão de parte do campus para treinamento de policiais militares causou protestos de um grupo de docentes da EACH, que organizou um abaixo-assinado que propõe o cancelamento da “parceria” com a PM e a revogação de quaisquer iniciativas relacionadas a convênios, projetos e outras formas de cooperação com essa instituição, dado seu histórico de gravíssimas e repetidas violações de direitos humanos.

De acordo com o grupo, o comunicado da Prefeitura do Campus lhes chegou, coincidentemente, no “mesmo dia em que a Folha de S. Paulo trouxe a seguinte manchete: ‘Mortes pela polícia de SP crescem 78% em 2024, 2 a cada 3 vítimas são negras’ (FSP, 22/10/24”. Apontam ainda que “a mensagem traz elogios à atuação do ‘efetivo’ da PM invocando a necessidade de ‘atualização profissional’”.

Os e as subscritores(as) do abaixo-assinado declaram ser contrários à “presença da Polícia Militar nos espaços da EACH, ou que estes sejam desviados de sua função acadêmica e destinados a treinamento policial”. Elencam alguns fatos em defesa deste entendimento.

“A ditadura militar, que durou 21 anos, com participação ativa da PM de SP, impôs violências e atrocidades que não devemos esquecer!”, pontuam. “A PM paulista é uma das que mais mata a população negra, pobre e periférica. A EACH é a unidade da USP que tem o maior percentual de estudantes pretos, pobres e indígenas, muitos vindos de regiões periféricas. Trazer a PM para dentro da nossa Escola, ou destinar parte de seu território para treinamento policial, é dar validação institucional à reprodução da violência cotidiana à qual muitas e muitos dos estudantes estão exposta(o)s”.

Além disso, observam, há “uma onda de militarização dos espaços escolares, política defendida por setores da sociedade alinhados a perspectivas da extrema-direita, que condena os direitos humanos e a democracia”. Assim, a cessão de parte do campus para treinamento da PM “fortalece essa perspectiva e vai contra os valores contidos no Projeto Acadêmico Institucional da EACH, onde se lê: […] ‘a EACH fomenta a educação para os Direitos Humanos, para a Democracia e para o enfrentamento de situações que violem o respeito à diversidade, aos direitos humanos e aos princípios democráticos’”.

O grupo questiona, ainda, o caráter autoritário da medida anunciada pela Prefeitura do Campus Leste: “Por último, a EACH tem um histórico de construções coletivas, com participação ampla de diferentes setores da unidade. Perguntamo-nos: essa decisão foi deliberada pela Congregação, CTA ou Conselho Gestor?”.

Íntegra do abaixo-assinado de docentes da EACH

PM na EACH?

No mesmo dia em que a Folha de S. Paulo trouxe a seguinte manchete: “Mortes pela polícia de SP crescem 78% em 2024, 2 a cada 3 vítimas são negras” (FSP, 22/10/24), recebemos uma mensagem assinada pelo prefeito da Área Capital-Leste informando-nos que:

“…do dia 23/10 até 21/11 de segundas a quintas (SIC) das 08:00 às 14:00 haverá em nosso grande estacionamento um bloqueio parcial para a realização de treinamento de policiais militares da área leste da Capital”. (destaques nossos)

Além de informar sobre o uso do espaço da EACH, a mensagem traz elogios à atuação do “efetivo” da PM invocando a necessidade de “atualização profissional”.

Nós, que subscrevemos este abaixo-assinado, somos contra a presença da Polícia Militar nos espaços da EACH, ou que estes sejam desviados de sua função acadêmica e destinados a treinamento policial. Nossa posição se ampara em alguns fatos:

A ditadura militar, que durou 21 anos, com participação ativa da PM de SP, impôs violências e atrocidades que não devemos esquecer! Muitas dessas atrocidades se voltaram contra membros da nossa comunidade, com dezenas de estudantes, servidora(e)s docentes e técnico-administrativa(o)s presos, torturados e assassinados pelo aparato militar ou reprimidos, por vezes com muita violência, em suas manifestações.

A PM paulista é uma das que mais mata a população negra, pobre e periférica. A EACH é a unidade da USP que tem o maior percentual de estudantes pretos, pobres e indígenas, muitos vindos de regiões periféricas. Trazer a PM para dentro da nossa Escola, ou destinar parte de seu território para treinamento policial, é dar validação institucional à reprodução da violência cotidiana à qual muitas e muitos dos estudantes estão exposta(o)s.

Há uma onda de militarização dos espaços escolares, política defendida por setores da sociedade alinhados a perspectivas da extrema-direita, que condena os direitos humanos e a democracia. A cessão de parte de nosso campus para treinamento militar fortalece essa perspectiva e vai contra os valores contidos no Projeto Acadêmico Institucional da EACH, onde se lê: “… a EACH fomenta a educação para os Direitos Humanos, para a Democracia e para o enfrentamento de situações que violem o respeito à diversidade, aos direitos humanos e aos princípios democráticos”.

Por último, a EACH tem um histórico de construções coletivas, com participação ampla de diferentes setores da unidade. Perguntamo-nos: essa decisão foi deliberada pela Congregação, CTA ou Conselho Gestor?

Solicitamos, portanto, que seja cancelada essa parceria com a PM e que sejam revogadas quaisquer iniciativas de convênios, projetos, e outros tais, com essa instituição!

São Paulo, 24 de outubro de 2024.

Assinam:
Adriana P. B. Tufaile
Alberto Tufaile
André Felipe Simões
Ângela M. Machado de Lima Hutchison
Antônio Calixto de Souza Filho
Diamantino Pereira
Diósnio Machado Neto
Dominique Mouette
Gladys Barreyro
Luiz Menna-Barreto
Marcelo Ventura Freire
Marcio Moretto Ribeiro
Marcos Bernardino de Carvalho
Michele Schultz
Reinaldo Pacheco
Roselane Gonçalves
Sidnei Raimundo
Vivian Urquidi

EXPRESSO ADUSP


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