Fracasso de público, versão online da Feira USP e as Profissões adotada pela PRCEU atraiu pouquíssimos participantes. No ano passado, evento presencial teve 73 mil visitantes
Em 2023, feira teve 73 mil visitantes (Foto: Marcos Santos/USP Imagens)

Aberta nesta terça-feira (1/10), a Feira USP e as Profissões mudou seu formato e foi realizada até o seu encerramento, nesta quinta-feira (3/10), exclusivamente em formato online. Ao contrário da edição presencial, que reunia dezenas de milhares de visitantes — em 2023, foram cerca de 73 mil estudantes —, a edição online teve audiência baixíssima nos dois primeiros dias e se revelou um enorme furo n’água, apesar do discurso triunfalista com o qual a Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária (PRCEU), organizadora do evento, procurou vender a ideia.

“A proposta neste novo formato busca democratizar ainda mais o acesso à USP, sem a barreira da distância física”, disse a pró-reitora de Cultura e Extensão Universitária, Marli Quadros Leite, em reportagem publicada pelo Jornal da USP no dia 24 de setembro.

A realidade, porém, é de esvaziamento da feira. Em muitas salas de bate-papo oferecidas no YouTube da PRCEU para apresentação dos cursos e conversa de membros da comunidade da USP com os(as) interessados(as), a participação ao vivo nos dois primeiros dias mal chegava a dez pessoas.

O total de visualizações, ao final das atividades, na maioria casos ficou em poucas dezenas, um retumbante fracasso para quem justificou a escolha do formato exclusivamente online com a existência de um público potencial de dois milhões de estudantes, como era a aposta da PRCEU.

De acordo com a pró-reitoria, a mudança se deu para “ampliar o número de visitantes para além dos 73 mil alcançados no formato presencial, já que temos quase 2 milhões de estudantes de ensino médio público de São Paulo, sendo cerca de 400 mil do terceiro ano (segundo informações da Secretaria de Educação do Estado)”, conforme resposta a questionamentos enviados pelo Informativo Adusp Online (leia a íntegra abaixo).

Estudantes que conheceram a USP na feira criticaram formato online

A Feira era um dos eventos que mais atraíam a comunidade escolar à universidade, propiciando uma rara oportunidade de conhecer pessoalmente a USP e de ter contato direto com seus professores(as), pesquisadores(as), alunos(as) e ex-alunos(as) ao longo de toda a programação.

Já no formato online, em que cada dia foi dedicado a uma área específica (biológicas e saúde na terça-feira, exatas na quarta e humanas na quinta), a possibilidade de interação se resumia ao curto tempo de funcionamento das salas de bate-papo.

A possível alegação de que o material gravado ficará à disposição para ser assistido no YouTube não se sustenta porque exclui a possibilidade de interação e da conversa ao vivo com membros da comunidade da USP, o que era exatamente o principal atrativo da feira presencial, esvaziado no formato virtual.

Para piorar, circulou em grupos de alunos(as) da universidade nesta quarta um formulário online para o fornecimento de “atestado de participação” na feira. O preenchimento não exige nenhuma comprovação de que o(a) estudante tenha de fato assistido a alguma atividade. Seria uma tentativa da PRCEU de inflar artificialmente o número de participantes?

A alteração já não havia sido bem recebida por muitas pessoas que se manifestaram nos comentários das postagens do Instagram da PRCEU nos dias anteriores ao evento. “Que tristeza, só me apaixonei pela USP e pelo meu curso graças à feira de profissões no campus”, escreveu uma aluna da Faculdade de Ciências Farmacêuticas.

“Muito ruim esse formato. Precisamos incentivar os nossos alunos. Assim vocês não nos ajudam mesmo!”, lamentou uma diretora de escola que atende crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade numa cidade do interior de São Paulo.

Uma aluna do curso de Física criticou: “Péssimo formato. A graça do evento era dar a chance aos alunos de conversarem pessoalmente e conhecer a universidade. Era um evento marcado como dia especial e agora vai ser só mais um dia dentro de casa, assistindo YouTube”.

Em kit distribuído nas escolas, USP virou “Universidade Estadual de São Paulo”

Outra novidade é que a “realização do evento digital” deste ano foi “viabilizada por meio de convênio entre a Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária e o Instituto Pecege”, conforme a matéria do Jornal da USP citada anteriormente.

Ao Informativo Adusp Online, a PRCEU disse que “o Instituto que contribui conosco o faz regularmente por meio de termo de cooperação técnica autorizada para tal tipo de intercâmbio funcional e com recursos privados que, portanto, não oneram a USP”. Questionada pela reportagem, a PRCEU não forneceu detalhes sobre o termo nem sobre os valores envolvidos na realização da feira deste ano.

As contratações realizadas para a montagem das estruturas, controle de acesso, limpeza e outros serviços necessários à realização das edições de 2022 e 2023 da feira podem ser consultadas na área de gestão e execução de contratos do portal da Transparência da USP (as edições de 2020 e 2021 também utilizaram o formato online devido à pandemia de Covid-19). A página não apresenta nenhum contrato referente ao ano de 2024.

“Tivemos apoio institucional extraorçamentário, privado, que viabilizou a contratação de pessoal para trabalhar no projeto, como força complementar da própria da USP. Tais contratações dispensam licitações”, limitou-se a dizer a PRCEU.

De acordo com servidores(as) da pró-reitoria, a gestão da comunicação da feira, incluindo as postagens nas redes sociais, foi assumida por funcionários(as) do Pecege, alheios à universidade.

Isso ajuda a explicar os diversos erros presentes em postagens publicadas no Instagram da PRCEU ainda antes do evento. Numa delas, o diretor da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), Fernando Martini Catalano, foi apresentado como André Carlos Ponce de Leon, diretor do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC). O erro foi corrigido posteriormente.

Em outro caso, a professora Maria Dolores Montoya Diaz, diretora da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA), foi apresentada como “diretora do campus”.

Outra vertente no âmbito do Programa USP e as Profissões é o chamado “De Volta à Escola: Eu na USP”, no qual alunos(as) que ingressaram na universidade neste ano têm visitado as escolas em que estudaram para falar de sua experiência e incentivar o ingresso no ensino superior público.

O kit impresso fornecido nas visitas traz, na sua apresentação, um erro crasso, ao chamar a USP de “Universidade Estadual de São Paulo”.

divulgaçãodivulgação
Kit distribuído nas escolas apresenta USP com nome errado

Originado na Esalq, instituto que organizou a feira com a PRCEU é especializado em cursos pagos

Vale a pena deter-se no perfil do Pecege, o tal “instituto que contribui” com a PRCEU e está na linha de frente da esvaziada feira deste ano. O instituto é originário do Programa de Educação Continuada em Economia e Gestão de Empresas, de onde deriva a sua sigla, e foi “criado dentro do Departamento de Economia, Administração e Sociologia (DEAS), da Esalq/USP”, conforme explica sua página na rede LinkedIn.

O Pecege, prossegue a descrição na mesma rede, “é referência em cursos a distância e presenciais para especialização, formação e treinamento de profissionais em diversas áreas de negócios, oferecendo os mais respeitados MBAs e cursos técnicos da área, além de programas de ensino moldados a partir de demandas específicas de empresas, os chamados cursos in company”.

O, digamos, “DNA” do Pecege é o oferecimento de cursos (bem) pagos. No LinkedIn, a organização explica que os seus cursos de especialização “são certificados pela USP e ministrados por professores doutores associados e titulares desta Universidade, além de profissionais de renomada experiência no setor privado” (grifo nosso).

A página do MBA/Esalq na Internet é ainda mais explícita e informa que “o Pecege nasceu na Esalq/USP como um grupo de extensão e, em 2013, tornou-se um instituto com a missão de democratizar o conhecimento para contribuir com o desenvolvimento econômico, social e cultural”.

“O MBA USP/Esalq”, prossegue o site, “é operacionalizado pelo Pecege por meio de uma parceria com a Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo (FUSP)”.

Reprodução do YouTubeReprodução do YouTube
Participação nas salas de bate-papo da feira online é baixíssima

A peculiar forma de “democratizar o conhecimento” adotada pelo MBA USP/Esalq-Pecege se baseia na cobrança de valores consideráveis para o oferecimento de cursos pagos que se valem de docentes, estruturas e certificação de uma universidade pública — e, portanto, gratuita.

A página do programa na Internet oferece uma série de cursos com início em outubro. A maioria, como o MBA em Agronegócios ou o MBA em Compliance e ESG, custa módicas 22 mensalidades de R$ 564,22 – um total de R$ 12.420,10.

Já o MBA em Liderança e Gestão tem custos bem mais “democráticos”: 24 mensalidades de R$ 850, que totalizam R$ 20.400.

Plataforma de cursos da PRCEU foi desenvolvida pelo Pecege

Outra manifestação das “contribuições” entre o instituto e a PRCEU foi o lançamento da Plataforma USPex, na qual estão listados todos os cursos de extensão oferecidos na universidade. A plataforma foi desenvolvida pelo Pecege.

Nela é possível filtrar a busca por cursos gratuitos ou pagos em toda a USP. Nessa última categoria, encontram-se verdadeiras “pechinchas”, como um curso de Anestesiologia, Analgesia e Terapia Intensiva Veterinária, oferecido pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ), com 20 mensalidades de R$ 1.750 (R$ 35.000 no total).

Já a especialização em Cardiologia do Incor/HCFMUSP, da Faculdade de Medicina (FMUSP), tem 12 mensalidades de R$ 2.500, além de taxa de inscrição de R$ 200 (R$ 30.200 no total).

Em sua página na Internet, o Instituto Pecege afirma que, “ao pensar nas melhores soluções para a educação, oferecemos ferramentas que fomentam experiências e encontros para troca de conhecimento, inovamos no desenvolvimento de tecnologias e incentivamos ideias que colaborem para o crescimento de pessoas e organizações em ambientes cada vez mais digitais”.

O Instituto Pecege foi procurado pelo Informativo Adusp Online para se manifestar sobre os termos de sua contratação pela PRCEU, os valores envolvidos no trabalho e as tarefas que assumiu na Feira USP e as Profissões, como a gestão das redes sociais da pró-reitoria. Até o fechamento desta reportagem, a organização não havia se pronunciado.

Leia a íntegra da manifestação da PRCEU sobre a Feira USP e as Profissões

A ideia de maximizar o alcance da Feira USP e as Profissões já existia há algum tempo e, neste ano de 2024, houve um motivo relevante para isso: a ampliação das modalidades de ingresso, com a implementação do Provão Paulista, pelo qual a maioria dos estudantes de escola pública e privada de São Paulo podem concorrer a uma vaga nas universidades públicas do Estado.

O Programa USP e as Profissões não é isolado, ele abriga três subprogramas:

1. As visitas monitoradas, nas quais alunos de escolas públicas e privadas são convidados a vir à USP conhecer os cursos de sua preferência – e isso continuará sendo oferecido;

2. A Feira USP e as Profissões propriamente dita, que passa a ser no formato online;

3. O programa De Volta à Escola: Eu na USP, no qual os ingressantes USP no ano de 2024 voltarão às suas antigas escolas para visitar seus colegas, a fim de lhes contar o que é a USP e como é se sentir um uspiano. Enfim, para inspirá-los a se tornarem novos ingressantes de nossa Universidade. As visitas são custeadas pela USP (passagens e lanche) para deslocamento dos estudantes; essa despesa pode ser visualizada pelos canais institucionais.

Nosso objetivo é ampliar o número de visitantes para além dos 73 mil alcançados no formato presencial, já que temos quase 2 milhões de estudantes de ensino médio público de São Paulo, sendo cerca de 400 mil do terceiro ano (segundo informações da Secretaria de Educação do Estado). Além disso, esse é um público com menos condições de se deslocar para vir à USP na ocasião da Feira.

É preciso acentuar que o Programa visa não só ao acolhimento de alunos de escolas públicas, mas também de privadas, considerando que, por vezes, esse público não consegue chegar ao campus Butantã. Segundo a FENEP (Federação de Escolas Particulares), há em São Paulo cerca de 1,3 milhão de estudantes, sendo que uma parcela, 250 mil, está no ensino médio privado (dados do Censo Escolar da Educação Básica) e, com certeza, pelo menos uma fração desses estará presente na Feira.

Em suma, o formato online é uma maneira de divulgar os cursos da USP para alunos de todos os estados da federação, os quais não teriam oportunidade de vir até a Cidade Universitária por questões financeiras e logísticas. Dessa forma, acreditamos atrair os melhores alunos de diferentes classes sociais, independentemente do tipo de escola que frequentam e de onde estão localizados.

Importante mencionar que, durante o período da pandemia da covid-19, a Feira realizada no formato online teve quase 200 mil acessos, chegando até a um milhão de acessos posteriormente. Isso nos dá segurança para a edição deste ano.

Lembramos, ainda, que os estudantes não perderão a oportunidade de vivenciar a USP, pois continuamos oferecendo as “Visitas Monitoradas” em todas as Unidades de todos os campi, durante todo o ano. Iremos, vale acrescentar, ampliar esse programa no ano que vem, sem prejuízo de criarmos outros tipos de visitas aos campi.

Quanto à realização da Feira digital, contamos com o trabalho intenso de servidores da PRCEU, com a participação importante da STI, e de Unidades da USP que imprimiram materiais e deram outras contribuições. Tivemos apoio institucional extraorçamentário, privado, que viabilizou a contratação de pessoal para trabalhar no projeto, como força complementar da própria da USP. Tais contratações dispensam licitações.

O Instituto que contribui conosco o faz regularmente por meio de termo de cooperação técnica autorizada para tal tipo de intercâmbio funcional e com recursos privados que, portanto, não oneram a USP.

EXPRESSO ADUSP


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