Violência
Assembleia Legislativa cria CPI para investigar denúncias de violência sexual contra estudantes das universidades
14/02/2020 17h57
Depois de abrigar, em 2019, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) destinada a investigar “irregularidades na gestão das universidades públicas no Estado de São Paulo, em especial quanto à utilização das verbas públicas repassadas a elas” – cujo pífio relatório final nada trouxe de substancial após seis meses de sessões convertidas em palco para ataques ao ensino superior público, exibições de desinformação explícita de deputados e até agressões verbais de membros da CPI a dirigentes universitários convocados a depor –, a Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) volta a colocar as universidades no foco.
No último dia 4/2, o Diário Oficial do Estado publicou ato do presidente da Alesp, Cauê Macris (PSDB), determinando a criação de CPI destinada a “apurar denúncias de violência sexual praticada contra estudantes de instituições de ensino superior no Estado de São Paulo, no último ano”.
Alesp |
CPI foi requerida pela deputada tucana Maria Lúcia Amary |
O requerimento para a criação do colegiado partiu da deputada Maria Lúcia Amary (PSDB). Na justificativa, a deputada cita levantamento realizado em 2016 pelo Instituto Avon/Data Popular dando conta de que 67% das mulheres universitárias admitiam já ter sofrido algum tipo de violência no ambiente acadêmico, enquanto 36% já haviam deixado de fazer alguma atividade por causa de medo ou preconceito. “Tais fatos deveriam ser inexistentes, e jamais comuns no ambiente universitário”, escreveu a deputada no requerimento – assinado, entre outros, por parlamentares que integraram a CPI das Universidades em 2019, como Wellington Moura (Republicanos), Carla Morando (PSDB), Leci Brandão (PCdoB) e Professor Kenny (PP).
Procurada pelo Informativo Adusp para falar sobre os casos que motivaram seu requerimento, a deputada tucana respondeu, por meio de sua assessoria, que “como a CPI ainda não foi instaurada, não surgiram novas denúncias”. É uma resposta estranha, uma vez que o requerimento fala em “apurar denúncias de violência sexual praticada contra estudantes” – há casos, portanto, que já deveriam ser do conhecimento da parlamentar. Por sua vez, o Regimento Interno da Alesp determina em seu artigo 34 que uma CPI só pode ser criada “para apuração de fato determinado”.
Também não há no requerimento menção a instituições específicas, o que faz supor que a investigação pode abarcar universidades públicas e privadas. As lideranças partidárias têm até o próximo dia 19/2 para indicar os nove nomes que vão compor o colegiado, com seus respectivos suplentes.
Universidades não estão preparadas para acolher as vítimas, acredita deputada
Maria Lúcia Amary cita em sua justificativa a chamada CPI dos Trotes, realizada em 2015 na Alesp e que investigou violações dos direitos humanos, especialmente nos trotes e festas no âmbito acadêmico. “Após o término dos trabalhos da comissão, algumas medidas foram sugeridas, parte delas até acatadas, todavia, novos casos de violência, principalmente sexual (física ou moral) voltaram a acontecer, e não só em trotes, mas também na rotina das estudantes”, escreve. “Não bastasse a falta de preparo das universidades para o acolhimento das vítimas, há silenciamento das mesmas, possivelmente para não prejudicar a imagem das instituições. Desta forma, parte das mulheres opta por não fazer a denúncia formal, por não acreditarem nas instâncias de apuração, e também por receio de terem, além de danos psicológicos e emocionais, possíveis prejuízos às suas futuras carreiras.”
A realização de trotes violentos e com conotações machistas, racistas e homofóbicas contra calouros e calouras, especialmente dos cursos das faculdades de Medicina da USP em São Paulo (FM) e em Ribeirão Preto (FMRP), foi tema de sessões daquela CPI e também da Comissão Permanente de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, da Cidadania, da Participação e das Questões Sociais (CDD) entre 2014 e 2015, como registrou reportagem da Revista Adusp publicada no final de 2015.
À reportagem, o então deputado Adriano Diogo (PT), presidente da CPI, afirmou que a FM enviava advogados (procuradores) para “embaraçar” os trabalhos. “Todos os dias eles estavam lá me intimidando, me coagindo, esvaziando a sessão para que não desse quórum”, disse à revista.
CPI para investigar irregularidades na Dersa segue na fila
A criação da CPI sobre violência sexual nas universidades se insere na estratégia da bancada governista na Alesp de evitar a instalação de uma comissão para investigar irregularidades na Desenvolvimento Rodoviário S.A. (Dersa), empresa de infraestrutura controlada pelo governo do Estado. O ex-diretor da Dersa Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, está preso sob acusação de desvio de recursos de obras realizadas entre 2009 e 2011, durante os mandatos dos governadores José Serra, Alberto Goldman e Geraldo Alckmin, e é também acusado de ser operador de esquemas de caixa dois para campanhas eleitorais tucanas.
Em março do ano passado, assessores de deputados do PSDB e de outros partidos da base governista na Alesp permaneceram numa fila por mais de sessenta horas – da noite de sexta-feira até a manhã da segunda-feira seguinte – para protocolar pedidos de criação de CPIs. Só podem funcionar simultaneamente na casa cinco dessas comissões, e a instalação é por ordem de inscrição. O requerimento para a CPI da Dersa, para o qual a oposição conseguiu número suficiente de assinaturas, ficou na décima-segunda posição.
No ano passado, foram realizadas as cinco primeiras CPIs da fila, entre elas a que se dedicou à gestão das universidades públicas e outra que investigou a venda de animais em pet shops. Neste ano, serão instaladas, além da requerida por Maria Lúcia Amary, CPIs dedicadas a investigar irregularidades na contratação dos serviços de transporte escolar no Estado, segurança dos alojamentos mantidos por clubes esportivos, contratos de quarteirização praticados pelo governo com o terceiro setor e os casos de fake news no Estado nas eleições de 2018.
As CPIs têm de quatro a seis meses para a conclusão de seus trabalhos. A depender da data de instalação e do ritmo das atividades, é possível que novas comissões sejam instaladas ainda no segundo semestre do ano, o que propiciaria finalmente a criação da CPI da Dersa.
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