Violência
Criação de centro de referência é fundamental para atendimento e acolhida de casos de assédio e violência de gênero
Projeto foi entregue à Reitoria ainda na gestão anterior, mas nunca concretizado. Em reunião com coordenador-executivo do gabinete, representantes das docentes, trabalhadoras e estudantes da USP cobraram implantação do centro e solução para problemas como o das creches, em que cresce o número de servidores adoecidos como consequência do desmonte iniciado pelo então reitor M.A. Zago. Setores da administração da universidade começam a aventar a possibilidade de rever os “Parâmetros de Sustentabilidade” para permitir novas contratações
A criação de um centro de referência que promova atendimento e acolhida de casos de assédio e violência de gênero foi uma das reivindicações encaminhadas ao coordenador-executivo do gabinete do reitor, procurador Carlos Eduardo Trevisan de Lima, pelas representantes das entidades que organizaram o piquenique feminista em alusão ao Dia Internacional da Mulher realizado na Praça do Relógio, no câmpus do Butantã, nesta quarta-feira (11/3). A professora Heloisa Buarque de Almeida, docente do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, e integrante da Rede Não Cala!, lembrou que o projeto do centro de referência já foi entregue à Reitoria há cerca de dois anos, ainda na gestão do reitor M. A. Zago, mas a ideia jamais se concretizou.
A professora lembrou também que, em dezembro do ano passado, foi entregue uma carta com reivindicações e propostas ao Escritório USP Mulheres, numa reunião da qual a coordenadora do programa, a professora Maria Arminda do Nascimento Arruda, não participou. Até hoje não houve resposta ao documento por parte do USP Mulheres.
Participaram da reunião no Gabinete do Reitor, além da professora Heloisa, a 1a vice-presidenta da Adusp, professora Michele Schultz; Ana Cristina Alves, educadora da Creche Central e diretora do Sintusp; Solange Conceição Lopes, diretora do Sintusp; e as alunas Julia Köpf e Letícia Diamint, diretoras do Diretório Central dos Estudantes “Alexandre Vannucchi Leme” (DCE-Livre).
Trevisan de Lima informou ter sido designado pelo próprio reitor para receber a comissão. Entretanto, as representantes das entidades permaneceram por mais de quarenta minutos esperando de pé, sem poder ultrapassar as grades que cercam o prédio da Reitoria, até serem autorizadas a entrar. De acordo com o procurador, houve um “problema de comunicação” para permitir o acesso, porque o Gabinete já estaria avisado da intenção das entidades de fazer a entrega de documentos com suas reivindicações. A reportagem do Informativo Adusp acompanhou a reunião, mas a entrada do repórter-fotográfico não foi permitida, e o coordenador-executivo solicitou que não fossem feitas imagens do encontro no interior do prédio.
Docentes não podem ser punidas pela maternidade
Michele Schultz Ramos citou a grande preocupação da entidade dos docentes com os processos de avaliação dos professores, que têm desconsiderado e até punido a maternidade. A vice-presidenta da Adusp lembrou o caso da professora Cynthia Ferreira, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC), que foi cobrada para entregar relatórios enquanto estava em licença-maternidade. A docente acabou desligada do Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP) pela Comissão Especial de Regimes de Trabalho (CERT) da USP. “É preciso que haja uma regulação que garanta a essas docentes em período probatório a prorrogação do prazo de entregas de relatórios para que elas não sejam prejudicadas na avaliação quinquenal”, defendeu Michele.
Ana Cristina Alves, educadora das creches da USP há mais de vinte anos, fez um relato longo e forte dos dramáticos problemas que essas unidades têm enfrentado desde a implantação do desmonte iniciado na gestão do ex-reitor M.A. Zago, incluindo o fechamento da Creche Oeste, no câmpus do Butantã. Ana Cristina entregou ao representante da Reitoria um documento explicitando os problemas das unidades e cobrando soluções. A situação das creches foi abordada numa publicação especial da Adusp lançada em outubro de 2019.
Alguns dados dão ideia do tamanho desses problemas: o número de crianças atendidas caiu de 680 para menos de 130; o total de educadoras foi reduzido de cerca de 60 para 27; os servidores ficaram sobrecarregados após a saída de dezenas de funcionários nas duas edições do Programa de Incentivo à Demissão Voluntária, em 2015 e 2016; as creches estão sem coordenador pedagógico.
“Os professores que estão lá participaram da construção de todo esse trabalho ao longo de décadas, o que inclui produção científica e de conhecimento. Hoje há uma ineficácia no tratamento de problemas interpessoais surgidos no cotidiano do trabalho pedagógico e acentuados no contexto de desmonte”, descreveu Ana Cristina.
Uma das consequências da situação é o aumento acentuado do adoecimento dos profissionais das creches. Cerca de 15 profissionais procuraram recentemente auxílio fora da USP, no Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest). Essa procura fez com que técnicos do Cerest requisitassem uma reunião na USP para saber o que está acontecendo na universidade – o encontro, do qual devem participar representantes do Sintusp, está agendado para a próxima semana.
Creches pedem socorro, e Reitoria aventa possibilidade de contratações
“As creches estão pedindo socorro”, resumiu Solange Lopes, do Sintusp. De acordo com a representante do sindicato, dos 27 educadores remanescentes apenas oito estão aptos a trabalhar. Os demais estão em situação de adoecimento, em afastamento ou já cadastrados no sistema USP Oportunidades para procurar transferência para outras unidades. “É uma situação muito ruim para o sindicato: queremos as creches abertas, mas vemos as condições das pessoas que estão trabalhando e temos que defendê-las. É preciso contratar educadores e funcionários. Sem contratações e renovação, vamos continuar vindo aqui todo dia para fazer ato e entregar documentos. Temos que ter solução para esses problemas”, disse Solange.
O representante da Reitoria afirmou que, no momento, contratações de servidores não podem ser realizadas devido à adoção dos Parâmetros de Sustentabilidade Econômico-Financeira (Resolução 7.344, de 2017). Entretanto, Trevisan de Lima revelou que há setores nas esferas da administração da universidade que defendem a revisão desses parâmetros para permitir novas contratações. Essa mudança, que precisa ser aprovada pelo Conselho Universitário (Co), deve estar na pauta da próxima reunião da Comissão de Orçamento e Patrimônio (COP), cuja nova composição foi eleita na reunião do Co do último dia 10/3.
De acordo com a professora Heloisa Buarque de Almeida, muitas das questões abordadas na reunião – convivência, moradia e permanência estudantil, casos de assédio, questões raciais, assistência social e psicológica etc. – deveriam ser encaradas como parte de uma política global da universidade e poderiam ficar a cargo de uma Pró-Reitoria para Assuntos Comunitários e Estudantis, a exemplo do que já ocorre em algumas universidades federais brasileiras.
As representantes das entidades mencionaram ainda a Escola de Aplicação, também afetada pela falta de recursos materiais e humanos; a situação do Hospital Universitário; e a precarização das condições da moradia estudantil no Conjunto Residencial da USP (Crusp), onde há falta de pessoal e problemas de infraestrutura e manutenção. O coordenador-executivo comprometeu-se a encaminhar todas as demandas ao reitor Vahan Agopyan e garantiu que está sempre à disposição para receber contatos e documentos.
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