Comunidade da EACH cobra justiça e segurança e manifesta solidariedade à família em ato em memória de sua mestranda Bruna Oliveira da Silva, assassinada em 13 de abril
Solidariedade e mobilização marcaram ato na escola em que Bruna estudava (foto: Daniel Garcia)

Num ambiente de profunda comoção e de expressões de solidariedade, alunos(as), docentes e servidores(as) da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) e de outras unidades da USP realizaram no início da tarde desta quinta-feira (24 de abril), no câmpus da USP Leste, um ato em memória de Bruna Oliveira da Silva, mestranda da escola, assassinada no último dia 13, aos 28 anos.

No final da tarde, outra manifestação foi realizada na Estação Itaquera do Metrô/CPTM. Bruna foi atacada ao deixar essa estação e se dirigir a pé para casa, na noite daquele domingo.

Os atos ocorreram sob o impacto da notícia da execução do principal suspeito pelo feminicídio, Esteliano José Madureira, de 43 anos. O corpo de Madureira, com vários sinais de tortura, foi encontrado na noite da quarta-feira (23). A principal hipótese com a qual a Polícia Civil trabalha no caso é a de execução após um “tribunal do crime” realizado por uma facção.

No ato na EACH, a mãe de Bruna, Simone Francelina da Silva, afirmou que a notícia da morte do agressor “não diminui a minha dor, não diminui a minha indignação”.

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Michele Schultz lembrou outros feminicídios que abalaram a EACH

“Eu não sei de onde estou tirando forças. Eu enterrei a minha filha, enterrei os sonhos dela, de crescer, de estudar, de viajar, de cuidar do filho”, disse. Simone relatou ainda que o filho de Bruna, de sete anos de idade, chora muito e pede por sua mãe.

Simone agradeceu a solidariedade demonstrada pela comunidade da EACH e pediu que todas as mulheres “se cuidem, se protejam de alguma forma, não andem sozinhas”. “Estamos num lugar em que você não pode ir pra casa a pé, não pode descer do metrô e andar dez minutos a pé até a sua casa. Você pode ser abordada, violentada e morta”, lamentou.

“Não tenho mais como expressar a minha dor. A minha dor está aqui”, disse, apontando na direção do coração, “e enquanto eu viver vai estar aqui”. Em lágrimas, a mãe de Bruna relatou que, de acordo com a Polícia, a filha morreu lutando contra o agressor.

“Ele matou não só a mim, ele matou toda uma família. Minha família é enorme e está todo mundo arrasado. Eu vou dormir e choro, vou tomar banho e choro. Penso como vai ser o amanhã… Está chegando o aniversário dela, vai chegar o Dia das Mães, em que ela apertava minha bochecha e dizia o quanto me amava. Não vou ter mais isso, vou ter que ouvir áudios lá de trás”, disse.

Simone afirmou que é preciso buscar justiça “por todas as Brunas, as Marias, Josefas, Vitórias, enfim, todas as meninas e mulheres do Brasil”. “Vamos pedir mais justiça, vamos pedir mais segurança. Vamos correr atrás, não vamos cruzar os braços. Justiça e segurança estão interligadas.”

Momento é de luto e luta, afirma presidenta da Adusp

Referências à morte do homem apontado pela Polícia como o autor do feminicídio foram feitas por outros(as) oradores(as) no ato. O professor Douglas Roque Andrade, orientador de Bruna no Programa de Pós-Graduação em Mudança Social e Participação Política (Promuspp), expressou a opinião de que “a execução sumária do suspeito, que não tinha sido julgado, também é um ato de violência”.

Andrade leu a moção de solidariedade divulgada por docentes, discentes e funcionários(as) do Promuspp em 18 de abril, um dia depois do corpo da estudante ter sido encontrado num estacionamento na zona leste da capital.

“Bruna foi impedida de seguir a vida e nos deixa um filho de sete anos, familiares, amigas e amigos, colegas, companheiras e companheiros de luta. Sua pesquisa, engajada com as lutas sociais e centrada no futebol de várzea como expressão do lazer nas periferias — tendo como sujeitos/objeto de investigação um time de homens em situação de rua de São Paulo — é motivo de orgulho para todas, todes e todos nós. Seu legado honra os princípios e objetivos históricos da EACH de contribuir com a melhoria da qualidade de vida, especialmente na Zona Leste de São Paulo”, diz o texto. “Neste momento de profunda dor, apelamos à sensibilidade máxima da direção desta Escola e da USP, com nossas melhores esperanças de que não faltará firmeza e solidariedade institucional diante da profunda tristeza da nossa comunidade.”

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Simone, mãe de Bruna: dor e saudade em toda a família

A professora Michele Schultz, presidenta da Adusp e docente da EACH, afirmou que “o assassinato daquele que poderia nos dar as respostas, que era o principal suspeito, pode nos deixar sem respostas”. “Esse assassinato sumário, sabe-se lá por quem, é uma perspectiva violenta que vai contra aquilo que nós defendemos, que é uma perspectiva antipunitivista”, prosseguiu.

Michele ressaltou que o momento é de luto e de luta: “Na parte do luto, é importante que nós, enquanto comunidade, tenhamos uma perspectiva de acolhimento, de escuta das pessoas que estão em sofrimento. Mesmo aquelas pessoas que não a conheciam estão sofrendo, então a gente precisa desenvolver esse sentimento de acolher, de criar redes”.

“Sobre a luta, a gente denuncia há muito tempo o quanto o machismo e o patriarcado afetam as nossas vidas, os nossos corpos coletivos, porque a cada vez que uma de nós morre, uma parte do nosso corpo coletivo morre junto”, afirmou.

A presidenta defendeu que é necessário discutir a segurança pública, não aquela “baseada na violência, como a segurança das polícias militares”, mas num conceito que envolva as comunidades.

“É necessário que a gente discuta segurança pública de forma séria e que a gente denuncie o quanto uma política de Estado que está alinhada com a extrema-direita traz sim um aumento do número de feminicídios. É só olhar os números. O Estado tem uma perspectiva machista, patriarcal, especialmente nos governos de extrema-direita, como a gente está vivenciando tanto na Prefeitura de São Paulo quanto no governo do Estado”, apontou.

Michele Schultz também lembrou de outros casos de violência que envolveram mulheres que possuíam relação com a EACH. Em 2017, Jéssica Pontes, vigilante terceirizada, que tinha 28 anos e estava grávida de sete meses, foi assassinada pelo companheiro. Em 2018, Nelly Cristina Venite de Souza Maria, de 27 anos, obstetriz formada na unidade, foi morta pelo namorado. Em 2022, morreu Juno Ferrari, aluna trans do curso de Marketing.

“Nos últimos anos, são quatro feminicídios na nossa comunidade”, enfatizou a presidenta da Adusp, que encerrou sua fala com a chamada de “presente” relativa a cada uma das vítimas.

DCE-Livre cobra ações da Reitoria

A presidenta da Comissão de Inclusão e Pertencimento (CIP) da EACH, professora Bete Franco, ressaltou que o ato era muito importante para demonstrar a união da comunidade num momento de dor. “O que temos escutado das mulheres da escola, professoras, estudantes e funcionárias, é a palavra medo, e a gente vai superar esse medo de ir e vir ficando juntas”, disse.

O feminicídio é a ponta de um iceberg, salientou a docente, que defendeu a necessidade de mudança de posturas do cotidiano para enfrentar a violência de gênero presente também na universidade.

“Por exemplo, é inaceitável que haja estudante estuprada numa festa, e isso é uma coisa que acontece. A nossa luta é muito grande. É pela Bruna neste momento, mas é uma luta que precisa passar por processos educativos e por processos de transformação da cultura e da sociedade”, afirmou.

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Ato reivindicou justiça e segurança

Bete Franco salientou que também estava com raiva, mas que é preciso pensar em justiça, não em vingança. “A violência não cura a violência. Às vezes a nossa raiva e a nossa dor geram mais violência, e não é isso o que a gente quer para a sociedade brasileira.”

Representante do DCE-Livre “Alexandre Vannucchi Leme”, a estudante Naomi Asato denunciou a negligência da universidade com relação à segurança, citando problemas como a falta de iluminação nos campi.

A estudante lembrou que recentemente a direção do DCE-Livre questionou a Reitoria sobre o lançamento do Sistema USP de Acolhimento (SUA), cuja formulação não teve participação da comunidade. “Falamos claramente: a gente vai esperar um feminicídio acontecer com uma estudante para a USP fazer alguma coisa?”, relatou.

No ano passado, o DCE-Livre recebeu várias denúncias de estupro ou tentativas de estupro na Cidade Universitária, conforme mostrou reportagem do Jornal do Campus.

Naomi também mencionou a sala de apoio à amamentação da EACH, que está desativada. “Podemos ter essa sala de amamentação para as mães aqui e colocar o nome da Bruna como homenagem”, sugeriu.

Mestranda do Promuspp e integrante do Coletivo Territorialidades e Corporiedades (TerCor), Camila Queiroz Milani contou que, desde as primeiras notícias sobre o desaparecimento de Bruna, a comunidade da EACH se mobilizou para localizá-la. A confirmação da morte da colega trouxe enorme tristeza.

“A forma mais adequada de vivermos o nosso luto é a nossa luta. Este ato é um compromisso que a gente firma, o primeiro ato de uma jornada de lutas que vai ser empreendida daqui para a frente, entendendo que, se cair uma de nós, a gente vai levantar milhares”, afirmou.

Camila testemunhou que Bruna era “uma pessoa extremamente sensível e comprometida, que tinha uma militância na luta feminista”.

“A USP perde uma representação muito importante. As mulheres deste estado e deste país perdem uma pessoa muito valorosa. A classe trabalhadora perde uma filha muito talentosa. E frente a isso vamos seguir na luta”, concluiu.

Diretor da EACH pede providências em ofício enviado ao secretário de Segurança

Os coletivos e entidades que organizaram o ato na EACH divulgaram uma carta que denuncia as dificuldades de transporte e de acesso a espaços públicos qualificados em todas as regiões da cidade. O documento cobra também que a USP e a EACH pressionem as autoridades “para direcionar o uso público daquele espaço [o entorno da Estação Itaquera], sugerindo que sejam incluídos na formulação de propostas discentes e docentes da EACH e que o nome de Bruna de Oliveira da Silva seja sugerido para nomeação do espaço”.

Os coletivos reivindicam “a formação de uma Comissão dos membros da Diretoria e da Congregação para acompanhamento do andamento das ações dos órgãos públicos competentes” e a outorga do título póstumo de mestra a Bruna. A medida também foi proposta em abaixo-assinado online criado pela representação discente da graduação e pela Associação de Pós-Graduandos(as) da USP Capital.

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Camila Queiroz: Bruna era sensível e comprometida

Na quarta-feira (23), o diretor da EACH, Ricardo Uvinha, encaminhou ofício ao secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, no qual solicita que “sejam tomadas todas as providências necessárias para a apuração célere e rigorosa deste caso”. “Reiteramos nossa disposição em colaborar no que for possível para o esclarecimento dos fatos e reforçamos a importância de ações que promovam a segurança de nossos estudantes, professores e funcionários”, diz o ofício. A direção da unidade já havia divulgado nota de pesar no dia 18.

Também na quarta-feira, a Congregação da EACH divulgou moção de pesar em que registra que “a violência contra as mulheres precisa ser combatida cotidianamente”.

“Ações educativas e medidas de prevenção voltadas para o enfrentamento da desigualdade de gênero e para o combate à misoginia — que se manifesta no cotidiano, no trabalho, nas famílias, nas escolas, nas universidades, no transporte público, nas redes sociais — precisam ser efetivadas. É necessário garantir meios de acionamento de apoio imediato em situações de ameaça em espaços coletivos, como as estações de ônibus, trem e metrô e suas imediações. Solicitamos ação firme e imediata de todas as autoridades responsáveis para apuração e punição deste inaceitável crime”, diz o documento.

A Comissão de Inclusão e Pertencimento da EACH divulgou no dia 18 de abril uma nota de pesar na qual afirma: “Bruna deixa um filho de sete anos, a mãe, pai, familiares e amigas(os) num estado de tristeza indescritível. Enviamos um abraço solidário a todas as pessoas, aquelas mais próximas e aquelas que se sentem afetadas por essa história, que é individual e coletiva. Registramos nosso apoio especialmente para as mulheres, porque sabemos que todos nós somos Bruna”.

O documento ressalta também que, de acordo com o relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2023 houve 1.463 casos de feminicídio no país, e estima-se que naquele ano tenha ocorrido um estupro a cada seis horas.

EXPRESSO ADUSP


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