O contexto estava dado pela publicação na Folha de S. Paulo, ainda em 1988, da famigerada “lista dos improdutivos”, listão à moda macartista, elaborado pela Reitoria a mando do reitor José Goldemberg, que gerou indignação, revolta e, de algum modo, traumatizou o corpo docente da USP. A Reitoria colava-se à crescente onda do produtivismo acadêmico e procurava impor ao trabalho acadêmico critérios empresariais de produtividade — na contramão da compreensão, que ainda prevalecia, de nosso trabalho como uma atividade de características artesanais, que não poderia prescindir da reflexão aprofundada e crítica que deveria caracterizar as atividades universitárias, sobretudo nas universidades públicas.

À Comissão Especial de Regimes de Trabalho (CERT), constituída, ainda hoje, por 13 professores escolhidos exclusivamente pelo reitor, caberia impor critérios visando o enquadramento do trabalho docente em um perfil único, no qual as atividades de pesquisa seriam mensuradas pelas publicações e as atividades de ensino e extensão ficariam relegadas a segundo plano.

Importante lembrar que não havia ainda na USP a prática obrigatória dos concursos públicos de ingresso, de modo que cerca de 40% dos docentes estavam submetidos a contratos precários, nulos de direito por não corresponderem a nenhuma das modalidades de contrato de trabalho previstos na Constituição. Além disso, o período experimental do Regime de Dedicação Integral à Docência e à Pesquisa (RDIDP) não raro perdurava oito anos, quando não mais, por conta de expedientes anti-regimentais utilizados pela universidade.

Assim, boa parte do corpo docente vivia por longos anos em situação de ampla instabilidade trabalhista e acadêmica, com processos de renovação contratual de frequência variada conforme o departamento e até caso a caso. Éramos presas fáceis para todo tipo de perseguição, tanto de cunho político como acadêmico, já que a duração de cada contrato variava conforme o docente: houve casos de contratos diferentes num mesmo departamento, uns exigindo renovação anual, outros renovação a cada dois anos, outros ainda com vigência por período maior.

Éramos também alvos vulneráveis no que se refere à adesão aos critérios de produtividade acadêmica que se pretendia impor, tanto pela instabilidade e pelo clima persecutório que pairava na USP, como pelo apelo moral de que se não publicássemos seríamos vistos como aqueles que, a bem do serviço público, deveriam deixar a universidade.

Crueldade

O instrumento institucional utilizado para fazer prevalecer esta perspectiva foi a CERT, já que a ela deveriam ser submetidas todas as renovações contratuais e os relatórios experimentais do RDIDP. Apesar de a Constituição de 1988 estabelecer a irredutibilidade de vencimentos, e não obstante o Regimento Geral da USP, em seu artigo 201, determinar que qualquer solicitação de mudança de regime de trabalho de um docente tenha origem em seu departamento, o Conselho Universitário (Co) aprova o regimento interno da CERT prevendo que esta comissão, por iniciativa própria, poderia mudar o regime de trabalho dos docentes!

Assim foi que esta comissão se aproveitou para, em momentos de renovação contratual ou em período experimental, solicitar ao reitor, unilateralmente, que fosse rebaixado o regime de trabalho de diversos docentes, usualmente de RDIDP para Regime de Tempo Parcial (RTP), sempre se utilizando de critérios próprios, de cunho produtivista, e em dissonância com pareceres e decisões dos departamentos e unidades.

Não bastasse o desrespeito à Constituição e à regulamentação interna da universidade, a CERT o fazia com requintes de crueldade. Alguns colegas tomaram ciência da mudança ao receber seus contracheques, sem aviso prévio e sem direito de defesa. Outros tiveram o seu regime de trabalho modificado enquanto afastados ou em licença-prêmio. A arbitrariedade reinava e com ela o clima de terror nos departamentos.

Quando a Adusp começou a receber estas denúncias e iniciou uma campanha contra tais práticas, outras situações foram identificadas: por exemplo, o mecanismo de desligar e religar do RDIDP, praticamente na mesma data, docentes para os quais a CERT não pretendia finalizar o período experimental que já durava oito anos e que deveria conferir ao docente o exercício do RDIDP em caráter permanente. Daí encontrarmos docentes com quase 16 anos de período experimental!

Neste contexto, quando docentes submetidos a contratos precários eram aprovados em concursos públicos, abertos em seus próprios departamentos, para com isso regularizar sua situação trabalhista, de pronto a CERT, em muitos casos, passou a exigir relatórios com a intenção de recolocá-los no período experimental do RDIDP, sendo que a imensa maioria deles já havia passado por essa etapa. O mesmo ocorria quando eram pleiteados afastamentos mais longos, que exigiam aprovação da CERT, o que provavelmente desmotivou vários docentes que pretendiam fazê-lo.

Terror institucional

Os anos de terror institucional exercido pela CERT corresponderam às gestões dos reitores Flávio Fava de Moraes (1993-1997) e Jacques Marcovitch (1998-2001), nas quais atuaram como presidentes da comissão os professores Rogério Meneghini (1992-1997), M.A. Zago (1997-1998) e Carlos Humes Júnior (1998-2001).

A Adusp, em resposta a este processo inquisitorial, chamou os docentes a reagirem contra as perseguições: assumiu a defesa daqueles que procuraram a entidade, promoveu campanhas de esclarecimento e denúncia, elaborou textos e publicações (confira exemplo aqui), e conseguiu, em 2004, que o Conselho Universitário aprovasse o ingresso exclusivamente por concurso público em todas as unidades (exceto infelizmente para a EACH) e modificasse o Regimento Geral da USP, de maneira que o capítulo “Da Avaliação Docente” passou a ser intitulado “Da Avaliação Institucional”, o que indica não haver respaldo estatutário ou regimental para realizar-se avaliação individual de docentes de modo centralizado.

Por conta da vigorosa reação da Adusp e das campanhas de denúncia dos desmandos promovidos pela CERT, não temos notícias de que esta comissão tenha desde então, por iniciativa própria, modificado o regime de trabalho dos docentes. No entanto, ela ainda executa modificação de regime quando recebe de determinada unidade uma sinalização com essa finalidade — o que, em geral e infelizmente, tem ocorrido em processos repletos de vícios e arbitrariedades.

As declarações à mídia do ex-presidente da CERT e hoje reitor M. A. Zago, nas quais deprecia e ameaça o RDIDP, bem como a criação, na surdina, do GT Atividade Docente, que tem como objeto esse regime de trabalho, não podem ser subestimadas: é importante estarmos atentos para que não sejamos novamente submetidos a situações arbitrárias e desastrosas que este breve histórico procura recuperar.

EXPRESSO ADUSP


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