Ditadura militar
Instituto de Geociências propõe homenagem a professor que, quando diretor da unidade, omitiu-se na defesa de Alexandre Vannucchi Leme
Cinquenta anos depois do assassinato do estudante por agentes da Ditadura Militar, que ocorreu no dia 17 março de 1973 no DOI-CODI do II Exército, o Conselho de Graduação da USP decide homenagear sua memória conferindo-lhe um diploma honorífico. Mas a direção do IGc pretende que uma via do câmpus do Butantã receba o nome de Josué Mendes, acusado de colaborar com os militares
A direção do Instituto de Geociências (IGc) teria solicitado à Reitoria da USP que a Travessa 12 da Cidade Universitária do Butantã receba o nome de Josué de Camargo Mendes (1919-1991). Eminente geólogo, considerado um dos principais paleontologistas brasileiros, fundador do IGc em 1969, Mendes foi o primeiro diretor da nova unidade, de 1970 a 1974. A proposta de reconhecimento dos inegáveis méritos científicos e acadêmicos do docente ignora, porém, as implicações institucionais e políticas da sua eventual aprovação.
Mendes era o diretor do IGc quando agentes da Ditadura Militar sequestraram o aluno Alexandre Vannucchi Leme, do curso de Geologia, em 16 de março de 1973. Carinhosamente apelidado de “Minhoca” pelos colegas, Alexandre militava no grupo clandestino Ação Libertadora Nacional (ALN) e vinha tentando reorganizar o Diretório Central dos Estudantes (DCE). Torturado nas dependências do DOI-CODI do II Exército, na rua Barão de Tutoia, não resistiu aos ferimentos e morreu já no dia seguinte.
O assassinato de Alexandre, aos vinte e dois anos de idade, causou enorme comoção na USP e gerou expressiva manifestação de protesto contra a Ditadura Militar: a missa realizada na Catedral da Sé por dom Paulo Evaristo Arns (recém nomeado cardeal), no dia 30 de março de 1973, convocada pelos centros acadêmicos e que reuniu milhares de pessoas.
Mendes, porém, teria optado por omitir-se totalmente em relação ao episódio da prisão, suplício e assassinato de Alexandre, havendo até quem o responsabilize por ceder dados pessoais de estudantes aos órgãos de repressão. É o caso do então aluno do IGc e presidente, à época, do Centro Paulista de Estudos Geológicos (Cepege, centro acadêmico da unidade), Luiz Antonio Bongiovanni.
“Na manhã seguinte ao anúncio da morte de Alexandre Vannuchi Leme, por decisão da assembleia-geral dos alunos da Geo, uma comissão procurou o diretor Josué de Camargo Mendes e, como presidente do Cepege, tive a oportunidade de acusá-lo de responsável pela morte do Alexandre por, entre outros motivos, permitir que a secretaria da Geo fornecesse dados pessoais de alunos aos órgãos clandestinos de repressão”, declarou Bongiovanni ao Informativo Adusp Online.
Proposta do Cepege é que Travessa 12 passe a chamar-se “Alexandre Vannucchi Leme”
“A colaboração da Diretoria com órgãos clandestinos de repressão já ocorrera em 1971, quando agentes da OBAN (Operação Bandeirante) invadiram os pavilhões da Geo à procura dos alunos Ronaldo Mouth Queiroz e Enzo Luiz Nico, que conseguiram escapar graças à ajuda de funcionários e alunos. Enzo teve que se exilar no Chile e Ronaldo seria metralhado em via pública por agentes do DOI-CODI, menos de dois anos depois. A homenagem a esta personalidade [Mendes] é uma afronta a todos que morreram, foram presos ou simplesmente lutaram contra a Ditadura!”, protesta Bongiovanni.
Consultado pela reportagem, o atual presidente do Cepege, Thiago Viana Tavares, disse que o centro acadêmico considera “inconcebível” a homenagem ao ex-diretor e que está articulando uma alternativa antagônica aos planos da direção do IGc: “Nos foi informado que está sendo proposta a mudança do nome da Travessa 12 para homenagear Josué [Mendes]. Propomos, no lugar, homenagear o próprio Alexandre Vannuchi Leme”.
O diretor do IGc, Caetano Juliani, foi procurado pelo Informativo Adusp Online para comentar a suposta proposta de homenagem a Mendes, mas não respondeu até o momento de publicação desta matéria. Caso mande respostas, elas serão imediatamente publicadas mediante atualização da matéria.
Se a USP realmente vier a aprovar qualquer tipo de homenagem ao ex-diretor, estará incorrendo num caso grave de ambiguidade institucional.
No dia 15 de março de 2013, durante a 68a Caravana da Anistia, Alexandre Vannucchi Leme foi declarado anistiado político pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, em cerimônia pública que lotou o prédio do IGc e na presença do então diretor, Valdecir Janasi.
Mais recentemente, o Conselho de Graduação da universidade decidiu conceder diplomas simbólicos a Alexandre e a Ronaldo Mouth Queiroz, como forma de reparação à memória de ambos, em cerimônia que deve ocorrer em outubro, segundo informou o G1.
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