Greve estudantil cresce e sai às ruas; Reitoria diz negociar, mas volta a citar redução do repasse de ICMS; e Carlotti Jr. está na Europa
Assembleia da Poli no dia 25/9: debate acirrado

Às vésperas da nova reunião de negociação agendada para esta quinta-feira (28/9), às 9h30, na Reitoria, o reitor Carlos Gilberto Carlotti Jr. parece determinado a “não piscar” e a manter sua tradicional postura olímpica, não obstante o crescimento acelerado da greve discente no decorrer da segunda semana do movimento. Destaque-se que ele não participará da reunião, pois encontra-se novamente no exterior (Alemanha e França), apesar da crise vivida pela USP.

Nesta terça-feira (26/9) à noite, por exemplo, uma assembleia na Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) aprovou adesão à greve, com quórum de mais de 300 estudantes. Nesta quarta-feira (27/9) uma assembleia na Faculdade de Medicina (FM) decidiu paralisação na quinta e sexta (28 e 29/9). Na segunda-feira (25/9), assembleias de alunos(as) da Faculdade de Direito (FD), da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) e da Escola Politécnica (Poli) também aprovaram adesão à greve (no caso da Poli, houve contestações à decisão).

Segundo Allan Terada, integrante do Diretório Central dos Estudantes-Livre “Alexandre Vannucchi Leme” (DCE-Livre), em várias unidades as assembleias estudantis aprovaram greve por tempo indeterminado: Instituto de Física (IF), Instituto de Matemática e Estatística (IME), Instituto de Astronomia e Geofísica (IAG), Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), Faculdade de Saúde Pública (FSP), Escola de Comunicações e Artes (ECA) e Escola de Educação Física e Esporte (EEFE), bem como a primeira a parar, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH).

A Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) está ocupada pelos(as) estudantes. No câmpus de Ribeirão Preto, onde estudantes do curso de Pedagogia ocuparam parte da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), seus colegas dos cursos de Biologia e Psicologia decidiram aderir à greve. Ao todo, estudantes de vinte e uma unidades já aderiram à mobilização, por meio de paralisação ou de greve. Marcha realizada na noite de terça, da Cidade Universitária do Butantã até o Largo da Batata (Pinheiros), reuniu cerca de 2 mil estudantes.

Apesar do evidente fortalecimento da greve discente, a Reitoria insiste na sua linha de resistência, sem fazer qualquer concessão ao movimento liderado pelo DCE-Livre e pelos centros acadêmicos. Como agravante, a nota divulgada pela Reitoria nesta quarta-feira sinaliza certa irritação em relação à greve, que segundo o texto “tem prejudicado as atividades acadêmicas na Universidade”.

Na Poli, cartazes expressam os números da crise

A nota reitera que houve “importantes investimentos nas políticas de permanência estudantil, com o aumento em quase 60% nos recursos e consequente ampliação do número de auxílios concedidos aos estudantes com necessidades socioeconômicas”; sustenta que é “pauta primordial da gestão” a questão da contratação de novos docentes, e que garantiu “que fossem distribuídos 879 cargos a todas as unidades”; e aponta a “realização de diversos concursos visando à contratação de servidores técnicos administrativos, tendo sido abertos três editais, além de um quarto, que será lançado em breve”.

A Reitoria retoma, nessa nota, dois pontos já levantados na Circular GR 280, encaminhada exclusivamente a diretores(as) de unidades no dia 22/9 (e da qual se falará mais adiante). O primeiro deles é uma alegação que o reitor vem utilizando nos seus pronunciamentos, desde a reunião do Conselho Universitário de 22/8, como uma espécie de salvaguarda para evitar contratações de docentes acima do número mágico de “876” (mais três de Libras, somando 879), definido unilateralmente pela gestão Carlotti Jr.-Nascimento Arruda: “Importante destacar que o quadro atual de arrecadação do ICMS impõe responsabilidade e atenção com o que foi previsto nessa alínea do orçamento”.

O segundo ponto diz respeito à possibilidade de contratações temporárias: “A Reitoria reafirma, como parte da política estabelecida no início desta gestão, que as faculdades e escolas podem, caso necessário, solicitar cargos para a contratação de docentes temporários para amenizar a morosidade encontrada na execução dos concursos”.

O trecho mais intrigante da nota é seu parágrafo final: “Por fim, esta Reitoria, que sempre primou pelo diálogo e pela atitude acolhedora junto à comunidade acadêmica, lamenta as atitudes desrespeitosas que têm ocorrido”. É possível que seja uma referência ao incidente ocorrido no prédio das Ciências Sociais, onde a sala do professor Ruy Braga teve a placa com seu nome retirada da porta. Braga é o principal assessor da vice-reitora.

Estudantes trancaram as escadas da EACH

O Ceupes, centro acadêmico dos estudantes de Ciências Sociais, divulgou nota no Instagram sobre o ocorrido, na qual declara que não houve, da sua parte ou de “qualquer instância deliberativa da greve”, orientação para retirada da placa. “Não houve qualquer tipo de depredação do espaço e repudiamos quaisquer tentativas de tratar a situação desta forma, como foi feito pelo docente em questão”, diz o Ceupes. “Tal atitude tem como objetivo criminalizar e deslegitimar o movimento estudantil”, conclui.

Circular encaminhada a diretores(as) fala em “responsabilidade” com a folha

Outro documento revelador é a citada Circular GR 280, endereçada a “dirigentes” e datada de 22/9. Nesse dia a Reitoria reuniu-se com as direções das unidades “para a discussão da situação decorrente do movimento de paralisação iniciado nesta semana” ─ a circular é a memória da reunião.

O primeiro ponto faz alusão a eventuais dificuldades da USP de arcar com novas contratações: “O Reitor reiterou os esclarecimentos prestados à comunidade acerca da situação financeira atual da USP, destacando que a queda na arrecadação tributária do ICMS diminuiu a cota parte do repasse à Universidade, gerando, consequentemente, aumento do comprometimento orçamentário com a folha de pagamento (87,56%). Desta forma, o quadro atual impõe responsabilidade e atenção com o que foi previsto na dotação aprovada pelo Conselho Universitário para este ano”.

Assinada pelo reitor Carlos Gilberto Carlotti Jr. e pela vice-reitora Maria Arminda do Nascimento Arruda, a circular não faz referência, porém, a quais são as reservas financeiras disponíveis atualmente. Em dezembro de 2022, a USP dispunha de R$ 5,7 bilhões em caixa. Além disso, em junho de 2022 a Reitoria propôs, e o Conselho Universitário aprovou, “investimentos” que totalizaram R$ 1,96 bilhão, incluindo a doação de R$ 217 milhões a duas autarquias estaduais, os hospitais das clínicas (HC) de São Paulo e de Ribeirão Preto, ambos controlados por fundações privadas.

Daniel GarciaDaniel Garcia
Presidenta da Adusp entrevistada durante ato de 28/9

Na sequência, o documento informa que a vice-reitora e o pró-reitor de Graduação, Aluísio Segurado, “apresentaram esclarecimentos sobre turmas que teriam deixado de ser atendidas na oferta de disciplinas de graduação consideradas obrigatórias”. Cita levantamento conduzido pela Pró-Reitoria de Graduação (PRG) e pela Superintendência de Tecnologia da Informação (STI), segundo o qual este fato “é restrito a algumas unidades”, e acrescenta, de modo um tanto esdrúxulo, que “dada a sua dimensão, diversidade e complexidade perante o conjunto da USP, analisou-se a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) como caso exemplar dessas ocorrências e para entender cada situação particular”.

A circular prossegue alegando que, uma vez que “o levantamento realizado pelo Sistema Júpiter não permitiu identificar a razão deste não oferecimento de forma detalhada”, acordou-se com a direção daquela unidade uma reunião com a PRG em 25/9, com a participação da presidência da Comissão de Graduação e das coordenações de curso da FFLCH (ainda não se tem notícias dos resultados dessa reunião).

A seguir o documento traz afirmações contraditórias. Por um lado, registra que a Reitoria “reafirmou aos diretores de unidades a necessidade de fortalecer a interlocução com os estudantes através dos canais de representação discente reconhecidos oficialmente pela USP”, a saber o DCE-Livre e os centros e diretórios acadêmicos. Por outro lado, aponta que “a comunicação é estratégica e permite evitar conflito de narrativas”, sendo que “conflito de narrativas” é expressão usada para enquadrar toda explicação que divirja do discurso da Reitoria.

Embora tenha mencionado que a Reitoria “estabeleceu um canal de comunicação com os estudantes, com o objetivo de negociar as reivindicações”, a circular nada avança de concreto quanto a tais negociações, limitando-se a uma formulação diplomática e propositalmente vaga: “Esse canal de comunicação buscará construir consensos a cada encontro, divulgando nota oficial sobre o acordado, de modo a garantir o comprometimento público entre as partes”.

A derradeira informação da circular sinaliza uma alternativa rápida para preenchimento de vagas ─ contratações temporárias legais, destinadas a suprir cargos para os quais já haja concurso público aberto ou processos para tal: a “Reitoria reafirmou que as unidades, caso necessário, podem agilizar os processos de contratação de docentes temporários quando houver enquadramento no inciso II do § 1º do artigo 1º da Resolução 8.362/2023: ‘vacância de cargo, desde que esteja em curso, mediante a distribuição de claro, processo para realização de concurso público ou esteja aberto o concurso público para provimento das vagas’. Através deste expediente, estima-se que a solicitação das unidades poderá ser atendida em até 45 dias”.

Viagem de Carlotti Jr. à Europa estava programada há algum tempo, diz Reitoria

“Procura-se reitor sumido”. Assim o jornal A Greve, produzido e mantido por estudantes da ECA, ironiza, no seu perfil no Instagram, a ausência do reitor Carlotti Jr. em momento tão crítico. “Nos últimos dias, o reitor […] esteve ausente nas reuniões de negociação pela greve. Segundo publicação no Diário Oficial do Estado de São Paulo da última sexta-feira (22), o ocupante do cargo mais alto da instituição está em tour pela Europa. Desde sábado passado até o dia 3 de outubro, ele visitará a Alemanha e a França realizando ‛atividades externas’”, aponta o jornal.

“Enquanto a greve estudantil avança com a adesão de mais de 20 institutos e entidades, quem está dirigindo as negociações com os representantes discentes é o chefe-executivo do Gabinete do Reitor, Edmilson Freitas”, acrescenta. “A equipe do jornal A Greve questionou a Reitoria e a assessoria de Carlotti sobre a finalidade das viagens e não obtivemos resposta até a publicação do post”. Uma charge retrata o reitor em Paris, ao lado da Torre Eiffel e fazendo alusão à suposta “mania de greve” dos franceses. Nos comentários do perfil, uma aluna aproveitou para indagar: “Será que Carlotti vai mandar a gente comer brioche?”.

Consultada sobre a viagem do reitor à Europa, a Assessoria de Imprensa da Reitoria declarou ao Informativo Adusp Online que se trata de um roteiro que já estava programado. “O reitor está em visita, programada há algum tempo, a universidades e institutos de pesquisa para a assinatura de convênios de cooperação acadêmica”, informou a Assessoria. “Um desses convênios é com o Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS, na sigla em francês), principal instituição pública de pesquisa da França, para a criação de um centro conjunto de pesquisa, com sede na Universidade, em São Paulo”.

No Brasil, enquanto Carlotti Jr. viaja, multiplicam-se os apoios à greve discente. A Frente Parlamentar em Defesa das Políticas Afirmativas da Assembleia Legislativa (Alesp), por exemplo, assinalou em manifesto que o “movimento grevista se desenrola em um momento crítico, em que as políticas afirmativas começam a ser implementadas na docência e, em alguns casos, parecem ter perdido sua eficácia”. Diante deste cenário, destaca, “é crucial que nos solidarizemos com aqueles que lutam pelo direito à educação pública, gratuita e de qualidade”.

Constituída pelo Mandato Estadual Movimento Pretas (PSOL), a Frente Parlamentar em Defesa das Políticas Afirmativas considera que o acesso à educação desempenha papel crucial na promoção da inclusão social e na redução das desigualdades que afetam diversos grupos sociais historicamente marginalizados. “Portanto, é imperativo preservar e fortalecer o sistema de ensino superior público, em particular a Universidade de São Paulo, como um bastião da educação de excelência acessível a todos. Entendemos que as políticas afirmativas desempenham um papel vital na promoção da diversidade e na correção de desigualdades historicamente arraigadas”, afirma o manifesto.

“Acreditamos que a universidade deve garantir o acesso de grupos sociais socialmente excluídos, como negros e indígenas, através de cotas e outras medidas que buscam corrigir as disparidades de oportunidades educacionais. Além disso, reconhecemos a necessidade urgente de aumentar não somente o número de professores na universidade, mas, sobretudo, professores negros, indígenas e LGBTQIA+”, destaca a Frente Parlamentar. “A diversidade no corpo docente não apenas enriquece o ambiente acadêmico, mas também contribui para uma educação mais abrangente e representativa. Professores de diferentes origens étnicas e culturais podem trazer perspectivas únicas para o ensino e a pesquisa, enriquecendo assim a experiência de aprendizado dos estudantes”.

A Diretoria do Andes-Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior emitiu nota nesta quarta, na qual manifesta apoio à greve de estudantes e, igualmente, à paralisação deliberada pela Assembleia Geral da Adusp de 26/9.

“É imperativo que a Reitoria da USP leve em conta as legítimas demandas da comunidade estudantil, que vivencia diariamente os efeitos dessa carência nas salas de aula. Essas demandas não podem ser ignoradas em favor de outros interesses, como concursos públicos altamente competitivos e meritocráticos para contratação de docentes, privilegiando unidades que historicamente já gozam de vantagens em seus quadros docentes, em detrimento de outros cursos com maior carência de professores(as)”, diz a nota do Andes-SN.

“A qualidade na educação superior depende de um corpo docente suficiente e qualificado, o que requer a recomposição do quadro docente, a criação de novas vagas e a reabertura de concursos, todas pautas historicamente defendidas pelo Sindicato Nacional no âmbito das Instituições de Ensino Superior (IES)”.

Mandatos parlamentares, como os de Carlos Giannazi (PSOL) e Beth Sahão (PT), identificados com as lutas do funcionalismo público em geral e das universidades públicas estaduais, também emitiram notas de apoio à greve.

EXPRESSO ADUSP


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