Comissão da Alesp consegue aprovar projeto de Tarcísio que corta cerca de R$ 10 bilhões anuais da educação pública; texto ainda precisa ser aprovado em dois turnos no plenário
Secretário da Educação, Renato Feder, faz "dancinha" em evento em Campinas (foto: Seduc)

“Governar é abrir estradas”, dizia um lema de campanha de Washington Luís, governador de São Paulo (1920-1924) e também último presidente da chamada República Velha. Cem anos depois, o slogan pode ser readaptado para a gestão bolsonarista de Tarcísio de Freitas (Republicanos)-Felício Ramuth (PSD) para algo como “governar é atacar a educação pública”.

Em mais um passo no caminho de precarização e ataques à educação e aos serviços públicos, a base do governo na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou nesta quarta-feira (28/8), na Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR) da casa, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 9/2023, de autoria do Executivo.

O texto autoriza o governo a reduzir a destinação mínima de recursos para a educação no Estado de 30% para 25% da receita de impostos. A destinação de 30% foi determinada pela Constituição Estadual de 1989.

O orçamento da educação pública deve ter um corte em torno de R$ 10 bilhões anualmente, com possível impacto também no financiamento das universidades estaduais paulistas.

O pretexto utilizado pelo governo na justificativa do projeto é “flexibilizar” essa parcela do orçamento para permitir a “expansão dos gastos públicos com as ações e serviços de saúde, em razão do aumento da expectativa de vida da população”.

A PEC 9 foi aprovada por sete votos a dois na CCJR e agora precisa passar por votação em dois turnos no plenário. Na avaliação de parlamentares da oposição, o texto deve ser submetido ao plenário somente depois das eleições municipais de outubro, para evitar desgaste às vésperas do pleito, no qual vários(as) deputados(as) concorrerão ao cargo de prefeito(a) ou apoiam candidaturas em suas regiões de atuação.

Ataque é “brutal, cruel e perverso”, diz deputado

Pronunciando-se no plenário da Alesp, o deputado Carlos Giannazi (PSOL) lamentou a aprovação da PEC 9 na CCJR, qualificando-a como “um dos maiores atentados, um dos maiores ataques à nossa Constituição Estadual”.

“Nunca vimos um ataque tão brutal, cruel e perverso como esse à educação do Estado de São Paulo, que tem uma rede sucateada, degradada, com salas superlotadas, com profissionais da educação ganhando um dos piores salários da federação”, criticou o deputado.

Giannazi alfinetou ainda o titular da Secretaria da Educação (Seduc), Renato Feder, que também na quarta-feira protagonizou uma “dancinha” ao lado de um cabo da Polícia Militar durante evento promovido pela pasta em Campinas. O deputado afirmou que Feder talvez estivesse fazendo a “dancinha” para comemorar a redução do orçamento da educação, quando deveria lutar pelo aumento dos recursos para a área.

Bruna Sampaio/Alesp
CCJR aprovou parecer por sete votos a dois (foto: Bruna Sampaio/Alesp)

A deputada Professora Bebel (PT), que integra a CCJR, disse ainda na reunião do colegiado que essa redução “terá impacto na qualidade da educação do Estado, na formação, no salário e nas condições de aprendizagem para os alunos, e no trabalho dos professores”.

A deputada afirmou que vai continuar trabalhando junto aos deputados e deputadas e à sociedade “para despertar consciências sobre a gravidade deste ataque do governo bolsonarista de São Paulo à educação pública”.

Bebel e os colegas de bancada Jorge do Carmo e Reis registraram voto em separado contrário à aprovação da PEC. O relator do projeto na CCJR foi o deputado Carlos Cezar (PL), que apresentou parecer favorável ao texto. Em seu quarto mandato na Alesp, Cezar é pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular e coordenador da Frente Parlamentar Evangélica da casa.

O Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) marcou manifestação em frente à Secretaria da Educação (Seduc), na Praça da República, na capital paulista, no próximo dia 13/9, às 16h. O ato será por reajuste salarial, contra o corte de verbas previsto pela PEC 9, contra as privatizações e terceirizações na educação pública, entre outras pautas.

Queda no investimento terá reflexos na qualidade da educação

A tramitação da PEC 9 na CCJR foi longa e acidentada. A matéria entrou na pauta da comissão em outubro do ano passado. Em vários momentos a tramitação foi suspensa por pedidos de vista de parlamentares da oposição e também da base do governo. Outras reuniões foram ocupadas pela leitura dos longos votos em separado apresentados pela oposição, numa estratégia para obstruir a votação do parecer favorável do relator.

A PEC 9 foi objeto de um contundente parecer do Núcleo Especializado da Infância e Juventude (NEIJ) da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, encaminhado à CCJR, segundo o qual o projeto é inconstitucional.

“O investimento orçamentário no Estado está aquém das necessidades” (grifo no original), sustenta o parecer. “Temos um Plano de Educação robusto que, se cumprido adequadamente, significaria uma educação pública de qualidade. A opção por reduzir o financiamento da educação nesse momento aponta para um futuro desastroso, com professores mais empobrecidos, escolas com menos qualidade e com o aumento do analfabetismo no estado”, afirmam os defensores públicos Gustavo Samuel da Silva Santos, Daniel Palotti Secco e Ligia Mafei Guidi.

“A pandemia aumentou as diferenças sociais entre estudantes das escolas públicas e privadas. Diminuímos de forma generalizada a qualidade da educação e seguimos num momento muito difícil para diminuir o investimento”, afirmou Santos em debate sobre financiamento da educação promovido pela Adusp no final de 2023.

No mesmo debate, o professor Otaviano Helene, docente sênior do Instituto de Física da USP e ex-presidente da Adusp, denunciou que a redução do investimento vai manter a baixa qualidade da educação.

É o sistema educacional atual que define o nível escolar, a taxa de analfabetismo, a quantidade de profissionais, as desigualdades regionais, a distribuição de renda e outros fatores da sociedade no futuro, considera Helene. “Se uma criança sai sem terminar o ensino fundamental hoje, qual é a perspectiva dela no futuro? Hoje a sociedade está construindo o seu atraso do futuro, assim como a do passado construiu o atraso atual.”

EXPRESSO ADUSP


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