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Debate foi realizado nas dependências da EACH

O segundo debate promovido pelo Fórum das Seis sobre financiamento das universidades estaduais paulistas e autonomia a partir da reforma tributária voltou a levantar problemas e desafios políticos para a garantia da manutenção da USP, Unesp e Unicamp depois que forem implantadas as mudanças trazidas pela Emenda Constitucional (EC) 132/2023, que instituiu a reforma tributária.

A atividade foi realizada no último dia 19 de setembro na Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, na zona leste. Assista aqui à íntegra das discussões.

“Desde o ano passado o Fórum das Seis vem debatendo com preocupação o que substituirá o cálculo do repasse para as universidades, com o fim do ICMS. Na Pauta Unificada de 2024 incluímos a necessidade de discutir com o Cruesp [Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas] uma proposta conjunta com relação ao financiamento das universidades”, disse na abertura a professora Michele Schultz, presidenta da Adusp e coordenadora do Fórum das Seis.

A professora relatou que na única reunião de negociação da data-base, em maio, os(as) representantes do Fórum cobraram dos reitores a apresentação de uma proposta conjunta, mas eles não aceitaram. “Na nossa avaliação, isso daria mais força para fazer os embates que teremos que fazer na Assembleia Legislativa (Alesp) e com o governo do Estado.”

Michele lembrou que a autonomia das universidades, que completa 35 anos, é fruto de uma grande greve dos(as) servidores(as) públicos(as) em 1988, que culminou na assinatura do decreto 29.598/1989 pelo então governador Orestes Quércia (PMDB).

A partir de então foi definido um percentual fixo de repasse do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para financiar USP, Unesp e Unicamp. Inicialmente, a destinação foi de 8%, e em 1995, fruto da luta dos movimentos de servidores(as) e estudantes, chegou aos 9,57% da Quota-Parte do Estado (ICMS-QPE), percentual mantido até hoje.

O GT Verbas da Adusp, que conta com a participação de outras entidades do Fórum,​ desenvolveu estudos e chegou a uma proposta para substituir o ICMS, imposto que será extinto progressivamente a partir de 2026, até ser substituído totalmente pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) em 2033.

Processo de transição de impostos será longo, advertiu a professora Ursula

No debate realizado na EACH, a primeira intervenção coube à professora Ursula Dias Peres, docente daquela unidade e pesquisadora das áreas de Economia Política do Orçamento Público e Financiamento de Políticas Públicas. “Essa é uma discussão fundamental não só para as universidades, mas para qualquer pessoa desse país”, frisou Ursula logo ao começar a apresentação. Ela resgatou as discussões que antecederam a aprovação da reforma tributária pelo Congresso Nacional em dezembro passado, já sancionada como Emenda Constitucional 132/2023.

“A estrutura tributária brasileira sempre teve um viés anticrescimento, fonte permanente de conflitos federativos, com a guerra fiscal entre estados e municípios, e um forte efeito regressivo sobre a distribuição de renda”, resumiu. Como exemplo, citou a legislação complexa, a profusão de alíquotas, o excesso de benefícios fiscais e regimes especiais, além de problemas de cumulatividade.

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Professora Ursula Dias Peres fala da reforma tributária

Com a reforma, será criada, no âmbito federal, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que agrupa os atuais PIS, Cofins, IOF e IPI; e será criado, no âmbito de estados e municípios, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), em substituição ao ICMS e ISS.

Os novos impostos serão implantados progressivamente: o IBS será instituído a partir de 2026, com uma alíquota estadual de 0,1%, percentual que irá subindo até a extinção total do ICMS e do ISS em 2033.

Neste período, cresce a importância da definição de um fundo de compensação para estados e municípios, ainda a ser regulamentado no Congresso. “Trata-se de um processo longevo de transição, em que será necessário que os entes federativos acompanhem os rumos da arrecadação, pleiteando eventuais compensações à União”, pontuou a docente.

Ursula vê com bons olhos a reforma tributária em curso, por simplificar a legislação e aplacar a guerra fiscal, o que tende a favorecer os estados. Mas assinala que ainda haveria um longo caminho a percorrer para atacar a enorme desigualdade social no Brasil. “Teremos que ir para a segunda parte da reforma, com tributação mais eficaz sobre os 10% mais ricos do país, pois somos uma das nações mais desiguais do mundo.”

Confira aqui a apresentação da professora Ursula Peres.

“Definição de novo formato de financiamento é essencialmente política”, avalia Márcio

Márcio Moretto relatou que o GT Verbas vem se debruçando há anos sobre os números que cercam o financiamento das universidades estaduais paulistas. “Com a extinção do ICMS, será preciso definir um novo formato para o financiamento destas instituições, que terá que ser negociado com o governo Tarcísio de Freitas e a Assembleia Legislativa”, enfatizou.

Como fruto da autonomia conquistada no início de 1989, Unesp, Unicamp e USP passaram a ser financiadas pelo ICMS, mais especificamente, 9,57% da ICMS-QPE, que corresponde a 75% do total do total arrecadado. Os 9,57% são divididos da seguinte forma: a Unesp recebe 2,34%; a Unicamp, 2,19%; e os restantes 5,02% são repassados à USP.

“Nós vimos apontando que a base de cálculo sobre a qual incidem os 9,57% é subestimada”, frisou Márcio, referindo-se aos itens que são retirados da conta antes do repasse. Ele também citou o expressivo crescimento das universidades desde 1995, quando foi definido o percentual de 9,57% do ICMS-QPE vigente até hoje (veja quadro elaborado pelo Fórum das Seis). “Além disso, temos o risco concreto de que o governador tente inserir duas instituições, a Famema e a Famerp, dentro dos 9,57%, o que pode ocorrer no envio do projeto de Lei Orçamentária Anual de 2025”, disse.

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Professor Márcio Moretto, do GT Verbas da Adusp

Com este cenário em vista, e prestes a iniciar-se o processo de transição definido pela reforma tributária, o GT Verbas trabalhou algumas propostas para a substituição dos 9,57% do ICMS como fonte de receita das universidades estaduais paulistas. Porque, obviamente, durante o período de transição (recorde-se: de 2026 a 2033, ano em que o ICMS será extinto), será necessário implantar formas de compensação para as universidades. Entre elas, a considerada mais adequada pelo GT Verbas é a que prevê o repasse anual de 8,64% das Receitas Tributárias Líquidas (RTL) do estado.

A proposta defendida pelo GT criado pelo Cruesp para estudar o assunto é o repasse anual de 8,63% das RTL, portanto quase igual à do Fórum, o que torna ainda mais retrógrada a postura dos reitores de não unificar as forças em defesa do financiamento adequado para as universidades.

“Mais do que uma questão técnica, a definição de um novo formato de financiamento para estas instituições é essencialmente política e exigirá mobilização da comunidade acadêmica”, alertou o representante da Diretoria da Adusp.

O decreto 29.598/1989, que estabeleceu a autonomia, é que determina o financiamento das universidades estaduais paulistas com base num percentual de ICMS-QPE, que se mantém em 9,57% desde 1995. Todos os anos, esse percentual é inscrito na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e na Lei Orçamentária Anual (LOA) que o governo envia à Assembleia Legislativa, embora tenha havido algumas tentativas de redução do montante.

E como ficaria a situação com a mudança no formato do repasse? Uma das possibilidades sempre lembrada é a inserção do percentual na Constituição paulista, semelhante ao que ocorre com a Fapesp. Assim, no debate, o assunto “constitucionalização do repasse” ou “verba vinculada” foi levantado novamente.

Confira aqui a apresentação do professor Márcio Moretto.

Ao julgar ADIN (2014), Supremo vetou verba vinculada para ensino no RJ

A coordenadora do Fórum citou situações de outros estados, como o Rio de Janeiro, que chegou a inscrever na sua Constituição uma dotação fixa para as universidades estaduais, decisão posteriormente revogada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por ocasião do julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4.102-RJ, em outubro de 2014).

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Intervenção da plenária após exposições iniciais

O entendimento do STF foi de que não cabia à Constituição estadual, ou lei infraconstitucional, vincular qualquer percentual ou valor orçamentário a determinado destino específico, salvo no caso das agências de fomento à pesquisa, pois para estas há previsão constitucional federal neste sentido.

“Precisamos estudar isso e tudo o que envolve o assunto, para termos clareza sobre o melhor caminho a percorrer”, apontou.

Na parte destinada às perguntas, durante o debate na EACH, várias pessoas externaram preocupação quanto à correlação de forças necessária para garantir um novo parâmetro de financiamento junto ao governo estadual e à Alesp. Foram citados os ataques à Fapesp (a LDO-2025 foi aprovada com a possibilidade de corte de até 30% do orçamento da agência no próximo ano); a tramitação da PEC 9 (que prevê a redução dos recursos da educação pública paulista de 30% para 25% da receita estadual); a privatização de órgãos públicos, como a Sabesp (já aprovada), o Metrô e a CPTM; a reforma administrativa; entre outros.

Além disso, quando enviou sua proposta de LDO-2025 para a Alesp, em maio de 2024, o governador tentou reduzir os repasses para Unesp, Unicamp e USP, ao inserir no mesmo montante de recursos três outras instituições: as Faculdades de Medicina de Marília e de São José do Rio Preto (Famema e Famerp) e a Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp).

A reação da comunidade interna e externa, inclusive dos reitores, forçou um recuo do governador e o “jabuti” foi retirado. Mas a ameaça ainda paira no ar: há informações de que, na LOA, quando são traduzidos em valores os percentuais aprovados na LDO, o governador pretende inserir Famema e Famerp dentro dos 9,57%. O projeto de LOA-2025 deve chegar à Alesp até 30/9.

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Professora Michele Schultz, coordenadora do Fórum

Outra apreensão levantada pelos presentes foi quanto ao projeto de lei (PL) 672/2024, de autoria do deputado Leonardo Siqueira (Novo), que estabelece cobrança de mensalidades nas estaduais paulistas, um velho desejo dos inimigos da educação pública.

“É com esse governo e com essa composição na Alesp que deverá ser negociada a definição de um novo formato de financiamento para as universidades estaduais paulistas”, destacou Michele Schultz, conclamando a comunidade acadêmica a se mobilizar. “O risco é grande, temos que estar preparados para luta.”

(Texto baseado nas informações do Boletim do Fórum das Seis de 25/9/2024)

EXPRESSO ADUSP


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