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A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) parece disposta a reabrir o debate em torno da chamada “reforma administrativa”, eufemismo para novo processo de enxugamento do Estado e de maior precarização do serviço público. Este é o sentido geral do evento que a FIESP promoverá no próximo dia 24 de março, na sua sede, intitulado sintomaticamente “Reforma Administrativa Já”.

Chegou a hora de construir o país moderno e eficiente que almejamos. Depois da aprovação da reforma tributária, é o momento de reorganizar a administração pública e a gestão estatal, transformando o Brasil em um país que funciona, avança e oferece oportunidades reais para todos”, clama a convocatória do evento (destaques no original).

A FIESP diz acreditar que a reforma administrativa “é o caminho para o Estado ganhar a força e a flexibilidade necessárias para se adaptar às demandas da sociedade, que quer competência, agilidade e transparência na prestação de serviços públicos”.

A “reforma administrativa”, item crucial da agenda neo e ultraliberal, tomou corpo durante o governo Jair Bolsonaro-Hamilton Mourão por meio da PEC 32/2020, idealizada pelo ministro Paulo Guedes, que se gabou de haver colocado, graças a essa medida, “uma granada no bolso do servidor”. Contudo, a PEC encontrou enorme resistência do funcionalismo público, que se mobilizou amplamente contra sua aprovação, e dos partidos de esquerda.

Numa rara iniciativa, PT, PDT, PSB, PSOL, PCdoB, Rede, Solidariedade e PV anunciaram, em nota conjunta emitida em setembro de 2021, fechamento de questão contra a PEC 32/2021, e denunciaram seu conteúdo destrutivo: “Em um momento o mundo caminha na direção de mais Estado e poder público para retirar as economias da crise no pós-pandemia, não podemos dar a esse governo a oportunidade de alterar profundamente a estrutura e o papel do Estado brasileiro” (destaques no original).

Se aprovada, advertiram os partidos na nota, a PEC 32/2020 transformaria a Constituição Federal em uma “constituição liberal, orientada para o mercado”, porque ela “promove precarização do serviço público prestado à sociedade e das relações de trabalho na administração pública”, ao ampliar a possibilidade de contratação de pessoal por empresa privada para prestar serviços públicos.

Desse modo, a proposta se implementada abriria caminho a privatizações de serviços públicos como saúde e educação, “com consequências drásticas no atendimento das demandas sociais”, podendo acarretar o desvio de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (Fundeb) e do Sistema Único de Saúde (SUS) “para empresas privadas, em detrimento do atendimento às demandas da sociedade”.

O fato é que o então presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas), não conseguiu colocar em votação a PEC, apesar de todos os seus esforços e manobras. O funcionalismo público e os partidos de esquerda saíram vitoriosos desse embate, pelo menos até agora. É nesse contexto de derrota inicial da proposta de Bolsonaro e Paulo Guedes que a FIESP ensaia retomar o assunto.

No entanto, embora não tenha avançado à época, a PEC 32 ainda ameaça a retirada de direitos do funcionalismo, uma vez que não foi arquivada. Ainda merecem atenção vários dispositivos legais e infralegais que em conjunto podem ser caracterizados como uma reforma administrativa, como é o caso do fim do Regime Jurídico Único, entre outros.

Evento reúne diversos expoentes do desmonte do Estado

Os convidados a se pronunciarem no evento certamente são bastante afinados com a perspectiva da federação. É o caso, por exemplo, de Antonio Anastasia, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) e ex-governador de Minas Gerais, e de Renata Vilhena, professora da Fundação Dom Cabral, ex-secretária de Planejamento e Gestão nas gestões de Anastasia e de Aécio Neves (ambas pelo PSDB).

Também são expoentes da perspectiva de desmonte do Estado os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), os senadores Davi Alcolumbre (União Brasil) e Rodrigo Pacheco (PSD), respectivamente presidente e ex-presidente do Senado, e o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos).

Dispensa apresentações, igualmente, o deputado federal Arthur Maia (União), que foi o relator da PEC 32/2020 na Câmara. Ele fará dobradinha com Anastasia no Painel 2, cujo tema é “Reforma administrativa: PEC ou projeto de lei, o que aprendemos com as propostas em tramitação”.

O painel 3, “A reforma administrativa nos três poderes: perspectivas e desafios na transformação do Estado”, é aquele que guarda, em tese, a maior surpresa do evento, por supostamente reunir na sede da federação dos industriais, para dividirem a mesma mesa, Gilmar, Pacheco, e a ministra Esther Dweck, da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.

É bem verdade que discretos asteriscos colocados ao final dos três nomes remetem à seguinte frase no rodapé do folder do evento: “programação em confirmação” (o manejo da língua não é o forte da FIESP). Daí os condicionantes “em tese” e “supostamente”. A conferir, portanto.

De qualquer modo, o evento será encerrado com uma atividade intitulada “Assinatura do Manifesto pela Reforma Administrativa”, em que são listados dez “participantes”, entre os quais, além de Josué Gomes, presidente da Fiesp, dos ministros do STF e de Pacheco, Alcolumbre e Motta, novamente aparece o nome da ministra Esther Dweck. Desta vez, sem asterisco.

Será que a ministra do governo Lula vai mesmo “abrilhantar”, como se dizia outrora, o revival pró-PEC 32 protagonizado pela FIESP, assinando o anunciado manifesto?

EXPRESSO ADUSP


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