Memória
Cinema e cultura do Brasil perdem Jean-Claude Bernardet (1936-2025)

O Ministério da Cultura (MinC), a Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e outras entidades e associações divulgaram manifestações de pesar pela morte do cineasta, ator, docente e escritor Jean-Claude Georges René Bernardet, ocorrida no último sábado (12 de julho). Professor Emérito da ECA, Bernardet completaria 89 anos no próximo dia 2 de agosto.
“Figura fundamental para a compreensão do cinema brasileiro, Jean-Claude Bernardet teve papel central no ensino e na reflexão crítica sobre o audiovisual no país, influenciando gerações de cineastas, pesquisadores e estudantes. Tornou-se professor da ECA em 1967, após breve passagem pela Universidade de Brasília. Em 1969, foi aposentado compulsoriamente pelo regime militar, retornando à docência no Departamento de Cinema, Rádio e Televisão (CTR) apenas em 1980, com a anistia, onde permaneceu até sua aposentadoria em 1997. Foi doutor pela ECA e recebeu o título de Professor Emérito em 2012”, diz a nota assinada pela Diretoria da escola.
A ECA ressalta que Bernardet foi “crítico, pensador, roteirista, cineasta, ator e autor de obras referenciais – como Brasil em Tempo de Cinema (1967), Trajetória Crítica (1978), O Que é Cinema (1980) e Cineastas e Imagens do Povo (1985)” e construiu “uma trajetória marcada pela dedicação incansável e por uma inquietação intelectual permanente”.
A nota do MinC lembra que Bernardet nasceu na Bélgica, de família francesa, viveu em Paris e veio para o Brasil aos 13 anos, naturalizando-se em 1964. “Ao se interessar pelo cinema brasileiro, principalmente pelo cineclubismo, começou a escrever críticas no jornal O Estado de S. Paulo a convite de Paulo Emílio Salles Gomes. Foi um renomado interlocutor do grupo de cineastas do Cinema Novo, e especialmente de Glauber Rocha. Participou da criação do curso de cinema da Universidade de Brasília (UnB), e deu aulas de História do Cinema Brasileiro na ECA, até se aposentar”, diz o ministério.
Em nota de pesar, a Cinemateca Brasileira enfatizou que o cineasta sempre propôs “ideias ousadas em relação ao ensino”.
“Jean-Claude corroteirizou filmes como O caso dos irmãos Naves (1967), Brasília: contradições de uma cidade nova (1968) e Um céu de estrelas (1995); codirigiu títulos como Paulicéia fantástica (1970) e Eterna esperança (1971); e atuou em Filmefobia (2009), Periscópio (2013), Fome (2015), entre outros”, diz a Cinemateca, que recebeu em 1988 o acervo do pesquisador, “acrescido com novos materiais nos anos que se seguiram, consolidando ainda mais o legado de Bernardet no âmbito da pesquisa e difusão do cinema e da cultura”.
O velório do pesquisador foi realizado na tarde de domingo (13 de julho) na sede da instituição, na Vila Mariana. O corpo foi levado a seguir para cerimônia de cremação no Crematório da Vila Alpina.
Aposentado compulsoriamente pela ditadura, voltou à ECA em 1980
Em 2016, às vésperas de completar 80 anos, Bernardet concedeu uma longa entrevista aos repórteres Pedro Estevam da Rocha Pomar e Vinicius Crivelari e ao repórter fotográfico Daniel Garcia. A entrevista foi publicada na Revista Adusp nº 62, em novembro de 2018. Bernardet era filiado à Adusp desde 1986.
O texto lembra que o então jovem professor foi incluído numa relação de 24 pessoas, na sua maioria docentes da USP, compulsoriamente aposentadas por decreto do ditador marechal Arthur da Costa e Silva, de 29 de abril de 1969, baseado no Ato Institucional nº 5 (editado em dezembro de 1968).
Os 11 anos em que permaneceu afastado da universidade foram descritos por ele na entrevista como “maravilhosos”. No período, atuou como crítico de cinema no semanário alternativo Opinião, viajou pelo país a serviço do Instituto Goethe, organizando seminários e conhecendo cineclubes de vários Estados, e escreveu o livro Cinema Brasileiro: Propostas para uma História (1979).
Quando requereu a contagem de tempo para efeitos de aposentadoria, percebeu que a USP havia calculado seus anos de trabalho a partir do retorno, em 1980, com a Lei da Anistia, e lembrou que seu vínculo se iniciara de fato em 1967.
Como o departamento de pessoal não localizava o contrato, Bernardet resolveu promover um escândalo na sala, falando em voz alta. “Eu tinha mais ou menos escrito o discurso. ‘Fui aposentado pelo AI-5. Tenho os mesmos direitos de todos esses professores da lista que voltaram com a Lei da Anistia. E há um professor que se aposentou e está na lista, e esse professor se chama Fernando Henrique Cardoso [à época, presidente da República]. Então, eu tenho todos os direitos que tem o Fernando Henrique Cardoso’. O meu contrato foi encontrado em três dias”, contou.
Na entrevista, o professor e cineasta também desmente a versão de que teria rompido relações com o diretor Glauber Rocha (1939-1981):
“Revista Adusp. E afinal, por que é que o Glauber alfinetava você?
JCB. Porque ele gostava de polêmica. Criava polêmica…
Revista Adusp. Fazia parte da personalidade dele?
JCB. É. Mas não houve polêmica entre a gente… Quando eu estava no Rio, no Opinião, fui ao apartamento dele. Quer dizer, ele não tinha apartamento, né? Ele morava em apartamentos de outras pessoas. A gente se via na Cinemateca e nunca brigamos. Nunca brigamos, você entende? Parece que eu e o Glauber passamos a vida brigando e isso não é verdade.”
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