Serviço Público
SMS finalmente recebeu Plenária Municipal da Saúde, e teve de ouvir duras críticas às “organizações sociais de saúde”
A Plenária Municipal de Saúde de São Paulo, articulação que reúne movimentos sociais, entidades e sindicatos, realizou na tarde do último dia 23 de setembro uma manifestação de protesto diante da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), horas antes que ocorresse uma reunião com o secretário Luiz Carlos Zamarco, solicitada pelo mandato da vereadora Luana Alves (PSOL) com a finalidade de obter esclarecimentos quanto aos contratos existentes entre a Prefeitura Municipal e as chamadas “organizações sociais de saúde” (OSS ou, resumidamente, OS).
Porém, antes mesmo da chegada dos ativistas da Plenária Municipal, a SMS fechou o portão principal de acesso ao prédio. “Muitos carros da Inspetoria de Operações Especiais (IOPE) com GCMs fortemente armados também ficaram na calçada oposta durante todo o ato, que reuniu dezenas de pessoas por mais de duas horas denunciando os problemas causados pelas organizações sociais de saúde em seus territórios”, relatou o site do Sindicato dos Trabalhadores na Administração Pública e Autarquias no Município de São Paulo (Sindsep).
Ainda segundo a reportagem publicada pelo Sindsep, os movimentos e sindicatos signatários da convocatória do ato organizado pela Plenária Municipal “usaram o portão fechado como um grande mural de suas reivindicações e em diversos momentos reforçaram o alerta de que acompanhariam a reunião” com o secretário municipal da Saúde, Luiz Carlos Zamarco, marcada para 18h.
“Está achando que ao colocar guarda armado na porta da Secretaria vai dobrar, envergar o movimento popular vitorioso que construiu um dos maiores instrumentos da soberania brasileira, que é o Sistema Único de Saúde [SUS]. Um sistema construído a partir da luta popular, que garantiu ao Brasil ferramentas para enfrentar crises, como a da Covid-19, que os países centrais do capitalismo não foram capazes de enfrentar”, declarou, durante a manifestação, João Gabriel Buonavita, presidente do Sindsep.
“Os problemas do SUS na cidade de São Paulo, com pessoas desassistidas, sem tratamento equânime, significam que o SUS não foi plenamente implementado. Porque tem gestor público que acha que o dinheiro do SUS é para privilegiar os aliados do setor privado”, acrescentou Buonavita.
Diversos outros manifestantes representando sindicatos e movimentos em defesa do SUS, além de conselheiros de Unidades Básicas de Saúde (UBS) de várias regiões de São Paulo, reforçaram suas posições contrárias às “organizações sociais de saúde”.
Iniciada a reunião, a vereadora Luana, falando em pé ao lado do secretário Zamarco, propôs um encaminhamento incisivo: “Eu fiz questão de pedir esse momento, porque a decisão sobre a questão dos contratos, o chamamento das OS, não pode ser uma decisão que a população não consiga participar. A gente sabe que é uma decisão de gestão, ter o modelo de gestão por OS, falei sobre isso com o secretário. Não é o melhor para o SUS, honestamente. O melhor é a gestão 100% pública, gratuita e direta, que é o melhor modelo que a gente tem, para garantir universalidade, garantir equidade, garantir uma governabilidade direta da própria gestão [municipal]”.
“Dado que infelizmente não é isso que está acontecendo, ainda que na minha opinião essa deva ser a luta fundamental, neste momento de chamamento das OS, de confecção dos editais, a gente tem que participar para colocar qual é o posicionamento dos defensores do SUS em São Paulo. Tem diversos pontos que não estão contemplados nos editais que eu vi”, advertiu. “Por exemplo: os editais que já foram divulgados permitem um nível inédito de pejotização dos profissionais de saúde. Não só de médicos, mas de outras categorias, o que em si já é muito problemático. Também permitem fazer uma avaliação puramente quantitativa, não dão o peso necessário à meta qualitativa”.

A vereadora realçou, então, a amplitude do processo de privatização da saúde pública municipal: “Nos próximos meses, acredito que são 26 contratos que têm de ser renovados, em toda a cidade. Vou fazer questão de que a gente consiga debatê-los, de uma forma aberta, com a população participando, com a Secretaria na mesa”.
Luana convocou as pessoas presentes a se engajarem na discussão: “Para que a decisão não seja tomada a portas fechadas: qual vai ser a OSS, e principalmente ‘como’, Secretário, ‘como’”, disse dirigindo-se a Zamarco. “Porque na hora em que ‘o bicho pega’, na hora em que o problema aparece, sempre que a população vai reclamar da falta de alguma coisa, de algum problema no equipamento [de saúde], o que a gestão local sempre fala é ‘isso não está no contrato de gestão’. Então chegou o momento de a gente colocar no contrato”, propôs, recebendo aplausos.
Zamarco, por sua vez, garantiu que a população tem tido acesso às informações, dando como exemplo a região Sul da capital. “O contrato de OS é um contrato de vinte anos, não foi feito por nós. Nossa discussão hoje é melhorar o atendimento do SUS na nossa cidade. A gente tem trabalhado com muito afinco nisso, investiu bastante nos últimos anos na melhoria da estrutura das nossas unidades, em todas as regiões. Investimos nos vazios assistenciais, várias regiões não tinham nenhum tipo de atendimento. A gente colocou mais UPAS na cidade para implementar urgência e emergência e tirar os pacientes dos corredores dos hospitais”. Disse que a SMS pretende atingir a diretriz do Ministério da Saúde, de uma UPA a cada 300 mil habitantes.
Após a apresentação de dados referentes aos contratos pelos técnicos da SMS, teve início o debate, conforme proposto pela vereadora Luana Alves, com participação de várias pessoas, entre as quais a professora Michele Schultz (EACH), representante do Grupo de Trabalho em Saúde, Seguridade Social e Assuntos de Aposentadoria (GTSSA) da Adusp, Lester do Amaral e Mário Balanco, integrantes do Coletivo Butantã na Luta, e ativistas de diferentes movimentos sociais.
“Foi pedida uma audiência pública, que foi negada pela Comissão de Saúde da Câmara Municipal, que resultou nessa reunião que era para ter acontecido no dia 4 e está acontecendo somente hoje. Queria saudar todas as companheiras e companheiros que estão há décadas lutando pelo SUS e pela saúde pública, que construíram o projeto do SUS e estão aqui hoje, ainda presentes, batalhando por um SUS de qualidade”, disse Michele.
“Lamento que a gente esteja aqui debatendo a partir de um modelo de terceirização de serviços. Lamento muito que todos os jargões que foram aqui usados na apresentação, como ‘metas’, ‘indicadores’, ‘números’, revelam que a gente está tratando de uma peça que não é da administração pública, é uma peça empresarial”, destacou ela, recebendo aplausos. “E a gente, quando olha isso, traduz em vidas humanas, na saúde de uma população que 85% utilizam o SUS, são milhões de pessoas na capital. Lamento que a gente esteja discutindo nesses termos”, reforçou.

A docente abordou, ainda, a questão do subfinanciamento do SUS. “Para que se tenha serviço público de qualidade, é necessário que haja servidoras e servidores públicos valorizados, com condições de trabalho adequadas, e isso só se dá com contratação pela administração direta. É necessário que haja uma organicidade do trabalho, e isso não se dá com contratação de OS/empresas como foi aqui dito. Me somo a todas as pessoas que defendem um SUS 100% público, gratuito, com equidade, com qualidade, com financiamento adequado”.
Vilma da Mota Lopes, ativista da saúde em São Mateus, contestou o modo como a Prefeitura se exime de cobranças. “Quem tem que dar resposta lá no bairro é a Prefeitura, não as OS”, disse ela, dirigindo-se diretamente a Zamarco e seus auxiliares. “Outra coisa: meta não é qualidade de serviço. Meta significa números. Nós somos carne, osso e gente, não somos produto. Porque o senhor falou um monte de vezes aqui ‘metas’, mas a gente sabe o que é meta lá na UBS, como os trabalhadores estão adoecidos, estão sendo estrangulados, estão doentes. O que nós buscamos é concurso e gestão direta, secretário”.
A seu ver, os trabalhadores concursados que restaram estão sendo “desprezados” nas suas regiões de origem: “A OS toma conta e os trabalhadores são empurrados para qualquer lugar”. Vilma também denunciou que os trabalhadores das próprias organizações sociais de saúde “não têm voz nos conselhos”, lembrando que o SUS foi construído com participação ativa de seus sanitaristas, técnicos(as) e a população. “Eles são essenciais, [mas] eles não têm voz”.
O encaminhamento dado ao final da reunião foi o de realizar audiências públicas descentralizadas que garantam efetiva participação social na construção dos contratos entre a Prefeitura Municipal e as organizações sociais de saúde, com indicadores que reflitam as necessidades da população.
A Plenária Municipal de Saúde se reunirá no próximo sábado, dia 4 de outubro, a partir das 9h, na sede do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp). Dentre os pontos de pauta estão a avaliação da reunião na SMS e a continuidade da luta em defesa do SUS.
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