Debate com Boulos revela inconsistências do novo Sistema de Saúde Próprio da USP

Usuários ingressarão no Hospital das Clínicas (HC) pela “segunda porta” e receberão atendimento diferenciado no Hospital Universitário (HU) e UBAS

Daniel Garcia
Márcia Car, Heloísa Borsari, Marcos Boulos e Hamilton Silva

“O HU não vai mudar, ele vai atender o plano de saúde, que é privado, e é para todos”. “O plano é de autogestão”. “Nosso plano vai ser atendido no HC pela porta de convênio”.

Tais explicações são do professor Marcos Boulos, coordenador da Saúde da USP, e dizem respeito ao Sistema de Assistência à Saúde Próprio da USP, criado pela Resolução 5.964, de 9/8/2011. Com elas, Boulos tentou responder a alguns dos diversos questionamentos surgidos no debate realizado pela Adusp no dia 3/10. Restaram várias dúvidas, além de contradições entre o coordenador da Saúde e os outros dois representantes da USP: Walter Fernandes, seu assessor na Coordenadoria de Saúde, e o procurador Hamilton Teixeira Silva, chefe da Procuradoria de Licitações.

O debate esclareceu que o novo plano não foi submetido ao Conselho Universitário (Co) e que sua formulação e execução se deram a pedido do reitor e sob sua exclusiva orientação. Boulos admitiu que o Sistema de Assistência à Saúde Próprio da USP não foi apresentado ao Co e disse que isso ocorreria em breve: “Vai ter que passar no Co, certamente”. Contudo, ainda que o colegiado venha a tomar conhecimento do assunto em outubro, a publicação da Resolução 5.964, bem como a licitação para contratar a empresa que vai gerir o sistema, terão ocorrido pelo menos dois meses antes. “O plano não foi discutido amplamente”, assumiu o professor.

A contratação de empresa privada para gerir o Sistema de Saúde Próprio da universidade pública, e o ingresso de servidores públicos docentes e funcionários pela “porta de convênio” do HC e por atendimento diferenciado no HU, ambos públicos, despertaram fortes críticas. Boulos alegou que por envolver, neste caso, o repasse de recursos entre instituições públicas, o resultado do novo plano será reforçar esses hospitais: “Nós vamos pagar o atendimento em todos os lugares”.

Boulos se disse “admirador” do Sistema Único de Saúde (SUS). Ao mesmo tempo, defendeu a existência da chamada “segunda porta” (atendimento diferenciado, em hospitais públicos, a pacientes de convênios e particulares), como forma de complementar o financiamento: “Quando diretor clínico do HC, fui convencido de que essa é uma possibilidade de captar recursos”. Deu como exemplo o Instituto do Coração de Porto Alegre, que recebe financiamento exclusivamente público e realiza apenas dois cateterismos por dia, ao passo que o InCor de São Paulo, que também atende a pacientes de convênios, realiza dez cateterismos pelo SUS no mesmo prazo. Apesar disso, ele esquivou-se das acusações de privatização, alegando não estar disposto a discutir “questões filosóficas” ou “questões políticas”.

Ele informou que a UBAS será reforçada, “vai atender mais rapidamente, porque teremos médicos contratados pela universidade”. Anunciou que serão investidos R$ 77 milhões na modernização do HU. O Hospital Sorocabano, que está sendo municipalizado, servirá de retaguarda ao HU, para atendimento de “pacientes mais crônicos”.

País pobre?

A professora Lighia Horodynski-Matsushigue, do GT Saúde da Adusp, após comentar que o plano “foi implantado de forma abrupta, sem discussão”, contestou a afirmação de Boulos de que o HU foi criado para atender “docentes e funcionários num primeiro momento”. Ela observou que, na verdade, o hospital começou a ser construído por pressão da comunidade do Butantã, tendo se tornado um hospital de referência para a região. “O que entope os leitos do HU são as emergências. Seria muito mais razoável a USP brigar por mais verbas. O plano de saúde é uma grande ilusão”, criticou.

O professor Francisco Miraglia rebateu afirmação do coordenador da Saúde de que o Brasil é um país pobre (e de que por essa razão é que o SUS não se firma): “É a sétima economia do mundo, tem um PIB de R$ 3,7 trilhões. O SUS não funciona porque educação, previdência, saúde devem ser transformados em mercadoria, de acordo com o Banco Mundial. Eu esperava que a USP tivesse a coragem de pelo menos pôr no papel os direitos republicanos conquistados duramente”.

Depois de perguntar se o Iamspe foi procurado para que se firmasse uma parceria com a USP, o professor Flávio Finardi criticou a política de investimentos da Reitoria: “R$ 77 milhões no HU me parecem pouco, diante dos R$ 45 milhões gastos na reforma do prédio da Reitoria”.

Outro aspecto bastante explorado na discussão foi a capacidade da empresa Gama Saúde Ltda., que disputou sozinha e venceu a licitação de R$ 11,563 milhões, de conduzir a contento a gestão do novo plano. O montante do contrato estima o atendimento de 72 mil “vidas” em 30 meses. Os representantes da USP asseguraram que a empresa será remunerada per capita, de acordo com o número de usuários que ingressem no sistema, os quais receberão carteirinhas. A Gama receberá, por mês, da USP pouco mais de R$ 7 por “vida” incluída no plano.

O procurador Hamilton Silva contestou o entendimento do coordenador da Saúde quanto ao caráter privado do plano. “Vou fazer uma correçãozinha só”, disse Silva. “Na verdade, quando o professor Boulos fala que é um convênio privado, é uma autogestão pública, um convênio público. Só que não é o SUS. O recurso que vai ser empregado é público, é orçamentário, vai ser fiscalizado pelo Tribunal de Contas, pelo Ministério Público, tudo transparente perante a lei”, sustentou.

“Privilégio”

Segundo o procurador, não houve licitação de um plano, mas de “um serviço de operação de um plano que é nosso”. “A Coordenadoria da Saúde é que vai construir esse plano. A operação é marcar as consultas, verificar a documentação do médico, dar suporte administrativo, toda a infraestrutura para que o plano funcione bem. O HU vai continuar atendendo como atende hoje. Só que hoje temos o HU e as UBAS. Com a implantação do plano, outros serviços de saúde vão ser credenciados. Se hoje esperamos seis meses por uma consulta, a expectativa é de que esse prazo diminua”. A USP pagará por esses serviços.

Vários docentes manifestaram o temor de que a empresa não consiga arcar com os custos e venha a se retirar do negócio. “Não acredito que a Gama vá se sustentar vendendo carteirinha a R$ 7. Vamos comprar o privilégio de passar na frente da fila do SUS”, disse um docente. A presidente da Adusp, professora Heloísa Borsari, que coordenou o debate, pôs em dúvida a viabilidade dos planos Especial e Nacional, que estarão disponíveis a partir da adesão de pelo menos 1.500 usuários: “Considerando que a idade média da categoria docente está em torno de 50 anos, me parece que ou o plano teria um custo muito alto ou não poderia incluir hospitais de primeira linha”.

Os representantes da USP confirmaram que o plano só cobrirá os aposentados estatutários. Os aposentados celetistas, contingente que inclui a maioria dos funcionários aposentados, estão excluídos do plano básico e “continuarão a ser atendidos pelo HU e pelas UBAS”.

Perguntas elaboradas pela Assembleia da Adusp e pelo GT Saúde foram encaminhadas ao coordenador da Saúde, antes do debate. As respostas podem ser conferidas nesta edição.

 

Informativo n° 335

EXPRESSO ADUSP


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