As primeiras discussões nas congregações da USP sobre o Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Paulista (Pimesp, lançado pelo governo estadual em 20/12/12) mostram que será árduo o caminho rumo a um consenso em torno do tema. O relativo desconhecimento do assunto entre parcelas da comunidade universitária e as discordâncias entre, de um lado, os que aprovam o Pimesp; de outro lado, os que defendem cotas com recorte racial, mas repudiam o programa; e por fim os que rejeitam qualquer proposta de cotas que inclua recorte étnico, parece exigir mais profundidade nas abordagens e mais tempo para a troca de ideias.

Avaliação da Diretoria da Adusp
A partir da análise feita pelo GT-Educação, a diretoria da Adusp elaborou uma primeira avaliação do Pimesp (texto integral em www.adusp.org.br), que deverá ser aprofundada a partir dos debates acerca do projeto. Abaixo,  alguns dos questionamentos presentes no texto:
1- Destaca-se a ligação do ICES com a Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp), que será a responsável pela oferta das aulas semi-presenciais. A iniciativa parece reconhecer a falência do ensino paulista, uma vez que 98% dos concluintes do ensino médio público no Estado de São Paulo frequentaram escolas estaduais, e aparenta priorizar a ampliação do programa de ensino a distância (EaD). A escolha do EaD para a formação inicial de pessoas é altamente questionável.
2- O ICES oferecerá disciplinas como Empreendedorismo, Matemática Financeira, Gerenciamento de Projeto, Serviços de Administração de Tempo, que em nada contribuirão para a preparação de um estudante que irá ingressar no ensino superior. Tais disciplinas tampouco correspondem ao programa usual do ensino médio. Na proposta, estão ausentes disciplinas como Biologia, Geografia, História e outras típicas do ensino médio, como Física, Matemática e Química.
3- Ao optar por cursos oferecidos pelo ICES, o Pimesp desconsidera que os cotistas podem ser potencialmente bons estudantes, não havendo necessidade de gastar dois anos para sanar eventuais deficiências. Além disso, para definir a recuperação de que os cotistas podem necessitar, é preciso conhecer os perfis desses estudantes e considerar as especificidades dos cursos escolhidos por cada um. Apesar de isto não ser considerado pelo programa, há casos em que o reforço pode ser realizado em concomitância com as disciplinas de graduação e outros que podem exigir um período longo de dedicação integral. Mas, em muitos casos, o reforço pode simplesmente não ser necessário!
O GT Etnia, Gênero e Classe da Adusp selecionou textos de diferentes autores relacionados ao tema cotas sociais com recorte racial para acesso de negros e indígenas ao ensino superior. Vide http://goo.gl/c3v32.
 

No entanto, o período estabelecido para que as discussões se esgotem nas unidades é de 60 dias, contados a partir de 6/2, data em que os diretores receberam comunicado da Reitoria a respeito da proposta que prevê que, até 2017, alunos oriundos de escolas públicas (considerando recorte racial segundo a composição étnica do Estado) representem 50% dos matriculados nas vagas oferecidas em cada um dos cursos das universidades estaduais paulistas (USP, Unesp e Unicamp). A intenção é que as contribuições recebidas sirvam de subsídios para a posterior tramitação da proposta nos colegiados da Universidade.

A Congregação do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), por exemplo, discutiu o tema em 20/2. Na ocasião, a apresentação do Pimesp coube à professora Lourdes Issac, presidente da Comissão de Graduação. Ela iniciou a reunião com um pedido de desculpas, por precisar utilizar dados de jornais em parte da apresentação, já que não conseguiu obter mais informações da Reitoria sobre o programa.

“Professores questionaram se era papel da universidade resolver as deficiências da escola pública. Outros falaram que a falha está no ensino fundamental e médio e que a solução seria melhorá-los”, conta Maria José Menezes, funcionária do ICB e ativista do Núcleo de Consciência Negra, e que participou da reunião da Congregação.

Na opinião de Maria José, que representa sua categoria na Congregação, o Pimesp “parece ter sido elaborado para não ter êxito”, pois tem inúmeras incongruências. “Na forma como foi apresentado, não possui embasamento teórico e parece ignorar as experiências das instituições brasileiras que adotaram o sistema de reserva de vagas para negros, indígenas e população de baixa renda há mais de uma década”, avalia.

Na próxima reunião da Congregação será definida a posição do instituto. Antes disso, porém, o ICB promoverá dois debates sobre cotas sociais com recorte racial: o primeiro em 8/3 (professora Eunice Durham); o segundo em 15/3 (professor Kabengele Munanga).

Em outras unidades o Pimesp poderá encontrar maiores resistências. Exemplo disso é o artigo publicado na Folha de S. Paulo (18/2, A3) pelo professor José Otávio Costa Auler Junior, diretor da Faculdade de Medicina, para quem a nova política de cotas terá impacto negativo na qualidade dos alunos, porque forçará “as instituições a uma mudança no seu foco principal, com a destinação de recursos e esforços para absorver estudantes ainda necessitando de reforço de conhecimento e habilidades”. Ainda segundo o diretor: “Os efeitos negativos serão sentidos após alguns anos, podendo acarretar prejuízos irreparáveis”.

Frente Pró-Cotas

Entidades do movimento negro criticam o fato de o Pimesp descartar o projeto de lei 321/2012, em tramitação na Assembleia Legislativa, que reserva 20% do total de vagas de cada uma das universidades públicas paulistas para candidatos que se declarem negros. No dia 28/2, na Faculdade de Direito, a Frente Pró-Cotas do Estado de São Paulo realizou ato público contra o Pimesp.

O college semipresencial de dois anos, ou Instituto Comunitário de Ensino Superior (ICES), instituído pelo Pimesp, é atacado em manifesto lançado pela Frente Pró-Cotas da USP: “Consideramos que submeter a um ‘reforço’ os alunos aprovados no vestibular pelo sistema de cotas é ilegítimo. Instituir o college seria reforçar uma discriminação negativa e acreditamos que tal ‘ensino à distância’ isola tais estudantes em seu acesso à universidade. Dois anos de espera irão atrasar o desenvolvimento educacional e profissional dos estudantes cotistas, desestimulando sua permanência na universidade”. Ainda segundo o docu­mento, a “ideia implícita em tal programa é a noção elitista e racista de que os estudantes cotistas seriam um entrave ao desenvolvimento da universidade caso não dotados de mesmo ‘conhecimento’ que os estudantes não-cotistas supostamente possuem”.

O manifesto da Frente Pró-Cotas da USP critica também o fato de que no Pimesp “não há desvinculação entre cotas raciais e sociais, ou seja, destinar o percentual de cotas raciais de acordo com a composição étnico-racial do Estado não irá incidir sobre o total de vagas, mas dentro dos 50% de vagas destinados a estudantes de escola pública (o que reduziria o percentual de cotas por critério racial)”.

 

Informativo nº 358

EXPRESSO ADUSP


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