Ministro e movimentos sociais criticam Pimesp em audiências públicas na Alesp

Duas audiências públicas realizadas na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), nos dias 11/3 e 13/3, ensejaram o debate acerca do Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Paulista (Pimesp), anunciado oficialmente pelo governo estadual em 20/12/2012, encaminhado no início deste ano às unidades e atualmente em discussão nas congregações da USP.

Na audiência do dia 11, organizada pela bancada de deputados estaduais do PT, compuseram a mesa Aloizio Mercadante, ministro da Educação; Soraya Smaili, reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp); a deputada Leci Brandão (PCdoB), presidenta da Comissão de Educação da Alesp; e os deputados Adriano Diogo (PT) e Alencar Santana (PT). Carlos Vogt, assessor do governador Geraldo Alckmin, coordenador geral da Univesp, ex-reitor da Unicamp e principal articulador do Pimesp no Palácio dos Bandeirantes, compareceu ao plenário, mas retirou-se antes do fim da sessão.

Mercadante fez uma extensa apresentação das políticas educacionais desen­volvidas em sua gestão e na anterior. Após destacar a Lei 12.711/2012, que obriga as universidades federais brasileiras a reservarem 50% de suas vagas para a matrícula de alunos oriundos de escolas públicas, considerando a representação étnica em cada Estado para o preenchimento das vagas, o ministro criticou o Pimesp.

O principal alvo de Mercadante foi o college, previsto no Pimesp como um curso semi-presencial de dois anos para aprendizagem de conteúdo geral e de caráter técnico direcionado aos estudantes de escolas públicas que quiserem entrar nas universidades públicas paulistas (USP, Unesp e Unicamp). “O college está sendo pensado de um jeito que traz as seguintes reflexões do meu ponto de vista: por que os créditos do curso não valerão para a universidade? Se os créditos do college não são incluídos quando o aluno entra na universidade, significa que aquele que entrar pelas cotas vai fazer um curso de quatro anos em seis, e o curso de seis, ele vai fazer em oito anos. E como é que você vai pegar um jovem e falar que tem dois anos em que ele vai estudar, mas não vão contar para a sua universidade? Ele vai buscar uma alternativa. A evasão vai ser muito grande”, avaliou Mercadante.

Semi-presencial

O ministro também questionou o caráter semi-presencial do curso. “Quando você faz uma política de college que é um ensino à distância, não está permitindo a convi­vência e integração desses estudantes na universidade, o que é um princípio fundamental das cotas. O aluno ficará à distância, apartado. E se será oferecido um ensino à distância para alunos do ensino médio, por quê dar esse curso apenas para 1.800 estudantes? Por que não se disponibiliza isso para todos os estudantes do ensino médio, dado que a responsabilidade do ensino médio é da própria Secretaria de Educação que vai fazer o college?”

Daniel Garcia
Estudantes lotam o plenário da Alesp em 13/3

As opiniões de Mercadante ressaltaram divergências conceituais. Segundo o ministro, dados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) utilizados pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que garante a entrada de alunos de escolas públicas nas universidades federais, mostram que a diferença entre o desempenho dos alunos cotistas e não cotistas é mínima, inclusive nas carreiras mais concorridas. A ponderação foi feita com a intenção de mostrar o bom desempenho dos cotistas, frente à retórica de que as cotas ameaçam o mérito e, por isso, precisam de muletas para justificá-las.

Ao Informativo Adusp, Vogt declarou que ajustes ao programa não estão descartados, caso a proposta não seja aprovada nas universidades. “Estão surgindo muitas opiniões diferentes, mas nada é definitivo. Estamos trabalhando dentro da perspectiva de autonomia universitária [para a aprovação do Pimesp]”. Mercadante também se manifestou sobre esse ponto, argumentando porém, inversamente, que “na universidade, autonomia não é soberania”, pois a universidade “é administrada com impostos que a sociedade paga, e ela deve ter, como contrapartida, políticas públicas para o bem da nação”.

E os reitores?

A audiência pública de 13/3 foi convocada pela Comissão de Educação da Alesp, com a finalidade específica de debater o Pimesp. Por esta razão foram convidados os reitores João Grandino Rodas (USP), Fernando Ferreira Costa (Unicamp) e Julio Cezar Durigan (Unesp). Contudo, apenas Durigan compareceu.

Como representantes dos ausentes estavam Telma Zorn, pró-reitora de Graduação da USP, e João Frederico da Costa Azevedo Meyer, pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários da Unicamp. Também compuseram a mesa os deputados Adriano Diogo (PT), Alencar Santana (PT) e Carlos Gianazzi (PSOL), e o ex-reitor Carlos Vogt (Univesp). Grande número de estudantes e alguns docentes da USP compareceram, além de representações da Unesp e Unicamp.

A ausência dos reitores da USP e da Unicamp foi sentida e ganhou destaque. “Há dois anos o Rodas está sendo convidado para vir falar sobre questões da universidade na Alesp e não vem. Ele também não veio hoje na audiência e, por isso, o líder do governo na casa falou ‘Chega! Ele não comparece, não dá satisfações, agora terá de aparecer aqui por convocação, não mais por convite’”, contou o deputado Adriano Diogo ao Informativo Adusp.

Primeiro a se manifestar, Vogt só iniciou sua exposição após a distribuição, no plenário, de um folheto explicativo sobre o Pimesp. “Esta é uma proposta que nasceu no Cruesp [Conselho de Reitores das Universidades Estaduais de São Paulo] e foi levada ao governador, porque ela pressupõe a criação de um fundo de apoio aos estudantes e para isso teve a concordância do governador. Mas insisto em dizer que esta proposta está sendo discutida nas universidades”.

O cunho do programa foi repetido por Vogt durante o discurso. “Essa é uma proposta que contempla as metas e inclui [os excluídos] dentro de sua dinâmica, mantendo o princípio da qualidade dos cursos e objetivando a busca de talentos para adentrar a universidade”.

Constrangimento

Em seguida, os representantes das universidades estaduais falaram das políticas de inclusão já existentes nas suas instituições, mas quase nada sobre o Pimesp. “Essa proposta foi discutida com os três reitores e terá o respaldo do conselho universitário”, anunciou o reitor Durigan.

A pró-reitora Telma Zorn foi vaiada quando elogiou o programa de permanência estudantil da USP e mencionou a necessidade de manter o Programa de Inclusão Social (Inclusp), mesmo com a eventual implantação de nova proposta. “É necessário não apenas o Pimesp, mas que os programas [de inclusão] sejam aper­fei­çoados”, disse.

Além disso, a pró-reitora protagonizou um episódio constrangedor, quando, durante a fala de uma estudante, movimentou-se, deixando claro que queria retirar-se da sessão. Nesse momento, foi surpreendida pelo deputado Alencar Santana que, após pedir desculpas por interromper a fala da estudante, solicitou que Telma permanecesse até o final da audiência para ouvir o que os demais  participantes da sessão tinham a dizer. Afinal ela estava representando o reitor. A solicitação do deputado foi atendida e a pró-reitora voltou então à poltrona que ocupava. 

O pró-reitor João Meyer disse que a Unicamp está “se preparando de forma a combinar todos esses programas”, ou seja, os de inclusão que já existem na instituição e o Pimesp.

“Méritos?”

Silvio Almeida, da Frente Pró-Cotas estadual, saudou o professor aposentado Kabengele Munanga (FFLCH), presente no plenário. O advogado atacou o Pimesp, alegando que, por meio do college, ele “cria uma discriminação negativa não permitida pela Constituição Federal”. Disse também que contar com os conselhos universitários para a aprovação de cotas é um equívoco e que isso terá de ser feito por vias legais. Silvio ainda mencionou a falta de representatividade para a elaboração do programa. “Essa proposta foi tirada da cabeça dos reitores, o que não significa que nasceu das universidades, porque universidade é a comunidade acadêmica”, disse, sendo aplaudido de pé pelos presentes.

Douglas Belchior, conselheiro da rede de cursinhos populares Uneafro, apresentou um histórico das discussões sobre cotas raciais feitas pelo movimento negro na cidade de São Paulo nos últimos anos. Encerrou com um apelo direcionado aos representantes das universidades: “Unam-se a nós e contraponham-se ao governador. Vamos dialogar e construir um projeto de cotas de verdade”.

Pedro Serrano, do DCE-Livre Alexandre Vannucchi Leme, da USP, questionou a ausência dos reitores na sessão: “Não vamos permitir que o Pimesp seja aprovado. Exigimos que não haja nenhuma deliberação sobre o assun­to antes de uma ampla discussão”.

A professora Lighia Brigitta Horodynski-Matsushigue, que falou em nome da Adusp, criticou o prazo de apenas 60 dias para a discussão do tema nas unidades, questionou os dados apresentados pelo governo Alckmin para justificar o programa, e rebateu a inclusão do ensino à distância como parte da proposta. “O ensino à distância é absolutamente inadequado. O ICES [Instituto Comunitário de Ensino Superior, previsto para ministrar os cursos semi-presenciais do Pimesp] parece só estar aqui para justificar a continuidade da Univesp [Universidade Virtual do Estado de São Paulo, responsável pelos cursos a serem oferecidos no ICES], que anda mal das pernas”. Logo que a professora Lighia iniciou sua fala, a pró-reitora novamente se retirou, retornando apenas quando a representante da Adusp já havia encerrado sua intervenção.

“Racismo”

Quase ao fim da sessão, a deputada Leci Brandão, que presidiu a mesa, disse desejar o acesso ao ensino superior a todas as pessoas, independentemente da etnia, mas ressaltou a existência do racismo brasileiro: “O Brasil é o país do preconceito”. A deputada também fez referência ao conceito de mérito para a implantação de políticas de ação afirmativa. “Mérito, louvor, está no seio das escravas negras, que alimentaram a elite branca durante a escravidão”.

Maria José Menezes, colaboradora do Núcleo de Consciência Negra, lembrou das transformações sociais que as cotas sociais com recorte racial podem promover. “A inclusão social e racial significa mudar paradigmas”, expressou ela. E acrescentou: “Essas transformações são necessárias para mudar o jeito de pensar da universidade, para mudar os currículos e as pesquisas das instituições”.

Carlos Vogt  manifestou-se novamente ao final da audiência, para responder às críticas. Assinalou que a autonomia universitária “foi uma conquista das universidades conseguida em fevereiro de 1989”. Quanto à implantação do Pimesp, disse ser favorável a uma negociação: “Tudo que temos que tentar evitar agora é uma situação de confrontos”.

 

Informativo nº 359

EXPRESSO ADUSP


    Se preferir, receba nosso Expresso pelo canal de whatsapp clicando aqui

    Fortaleça o seu sindicato. Preencha uma ficha de filiação, aqui!