Democracia na USP
Conservadorismo marca Co de 11/11
Ética na Universidade; eleição de dirigentes; natureza, atribuições e composição dos colegiados. Foram estes os tópicos em discussão na reunião extraordinária de 11/11 do Conselho Universitário (Co), que deu continuidade ao debate sobre a estrutura de poder e governança, a partir da sistematização de propostas feita pela Comissão Assessora Especial do Co (Caeco). A finalidade do debate, iniciado pelo Co em 3/6, é uma reforma do Estatuto da USP. O conservadorismo deu o tom desta segunda reunião, tanto na voz do reitor M.A. Zago como na de diversos dirigentes de unidades.
Ficou evidente que o objetivo da oligarquia que controla a USP é uma reforma pontual, levada a cabo pelo próprio Co, e portanto muito distante da Estatuinte “soberana, exclusiva, democrática e paritária”, reivindicada pela Adusp e pelo movimento universitário.
Em intervenções contundentes, alguns conselheiros defenderam a “meritocracia” e rejeitaram a argumentação — da Adusp, do representante dos doutores, das representações discente e de funcionários técnico-administrativos — de que falta legitimidade ao Co para conduzir o processo de mudanças do Estatuto.
O reitor iniciou a reunião sem fazer menções à greve e deu a entender que a crise financeira alegada para decretar, em maio, o arrocho salarial, seria coisa do passado. Na véspera, M.A. Zago declarou que a crise estaria “superada, não é mais esse o problema”.
Ele também discorreu sobre o GT Atividade Docente, objeto de ofício de pedido de informações à Reitoria pela Adusp em 29/10. Informou que o presidente do GT, professor Ricardo Terra (FFLCH), será convidado a explanar os trabalhos desenvolvidos pelo GT na reunião extraordinária de 7/4/2015.
Posição da Adusp
O professor Ciro Correia, presidente da Adusp, reiterou a perspectiva já anunciada na reunião temática de 3/6: “contribuir para deflagrar um processo que leve à superação […] da centralização, do autoritarismo, da falta de transparência e da substituição do controle oligárquico pelo controle social por parte da corpo da universidade”. Destacou que é central “superar a situação vigente na USP, tanto no que se refere à forma de eleição dos dirigentes, quanto no que diz respeito à composição dos colegiados, pois aqui sequer é respeitado o patamar mínimo definido pela LDB [Diretrizes e Bases da Educação] de participação de estudantes e funcionários (30% da composição dos órgãos colegiados)”. Exemplificou que, no processo de eleição para a Reitoria, a Unicamp realiza consulta mediante a proporção de 60% de docentes, 20% de estudantes e 20% de funcionários.
Acrescentou: “Atualmente, a esmagadora maioria dos colegiados, sobretudo os da administração central, é constituída por professores titulares, parte da categoria, em números absolutos, com menos docentes na USP. Tal situação precisa mudar!”.
Sobre a eleição das direções (tema 4), Ciro propôs, em nome da Adusp, que “reitor e vice-reitor, diretores e vice-diretores de unidades sejam escolhidos por meio de eleição direta [e paritária] e voto secreto dos docentes, estudantes e funcionários, encerrando-se o processo no âmbito da universidade”.
A Adusp defende que “possam ser candidatos a cargos executivos na USP quaisquer docentes em RDIDP, portadores do título de doutor”, e que a inscrição se dê “por chapas, com apresentação de programas”, com mandatos de quatro anos, vedada a recondução. Reitor, vice-reitor, diretor e vice-diretor poderiam ser exonerados antes do término do mandato, mediante aprovação de 2/3 dos membros dos respectivos colegiados máximos.
Ciro registrou, ainda, que alguns dos tópicos apresentados pela entidade não foram incluídos na sistematização da Caeco. Por exemplo: no tocante ao tema 5 (ética), a Adusp propõe que a USP organize um seminário, que contemple: a) conflito de interesses, b) abuso de poder, c) perspectiva produtivista adotada pela Reitoria e por organismos de fomento à pesquisa.
Quanto à natureza, atribuições e composição dos colegiados (tema 6), o Co seria reformulado, passando a ter a seguinte constituição: com direito a voto: diretores de unidades, museus, instituto especializado (IEE), HU e HRAC; um representante dos docentes de cada unidade, eleito pelos seus pares; representantes de estudantes e de funcionários (uns e outros eleitos por seus pares), cujo número total será igual à metade da soma dos diretores e dos representantes dos docentes; sem direito a voto: reitor, vice-reitor e pró-reitores.
O Co teria como atribuições essenciais “discutir e encaminhar as políticas acadêmicas e científicas gerais da USP, acompanhando sua execução”, bem como deliberar sobre as prioridades orçamentárias, “controlando e fiscalizando todas as verbas”, aprovar orçamentos e prestações de contas, cabendo-lhe ainda “indicar todos os coordenadores de organismos submetidos à Reitoria”, e discutir e deliberar sobre propostas aprovadas pelo Conselho Orçamentário e pelo Conselho Social (a serem criados). O Co seria, ainda, a instância recursal máxima da universidade.
Caberia ao Conselho Orçamentário garantir a transparência da execução orçamentária da USP; ao Conselho Social, contemplar as representações da sociedade e do Estado.
As Congregações seriam compostas por 50% de docentes, 25% de estudantes e 25% de funcionários; diretor e vice-diretor não teriam direito a voto. As plenárias departamentais seriam constituídas por todos os docentes do Departamento; por igual número de funcionários, eleitos por seus pares; por igual número de estudantes, idem. Confira aqui a íntegra das propostas apresentadas pela Adusp em 11/11.
Insensibilidade
A representação discente criticou a insensibilidade da estrutura de poder quanto a questões graves para a comunidade, que permanecem sem resposta. “Meninas são estupradas na Rua do Matão, isso acontece sempre, e a USP esconde”, denunciou Gabriela Ferro (IRI), que pediu medidas efetivas para enfrentar o problema.
Gabriel Sheffer (FFLCH) apontou uma “crise de legitimidade” dos dirigentes. “O Co é muito pouco permeável à participação da comunidade, especialmente de estudantes e funcionários. […] Este conselho tem tomado decisões que afetam diretamente os interesses da comunidade universitária”, destacou, pedindo uma reformulação. Na mesma linha argumentou Bruno Sperb (FFLCH), representante dos funcionários.
Luis Henrique Catalani, diretor do IQ, procurou rebater as falas dos representantes discentes. Na sua opinião, foi o “modelo atual” que fez da USP a mais importante universidade da América Latina e a inseriu nos principais rankings do mundo. “A direção é mais importante do que a velocidade”, afirmou ainda, pedindo que as mudanças sejam introduzidas sem pressa. Em seguida, deu-se uma nova fala de Zago, também em contestação aos estudantes: “Me cabe reafirmar que este Co, orgão máximo da universidade, tem legitimidade para tomar decisões”.
O professor Luis Menna-Barreto (EACH) ponderou: “Hoje a participação estudantil só tem como perspectiva a derrota em qualquer colegiado”. Mariana Moura, discente da pós-graduação (IEE), contestou Catalani: “Não acho que tenha sido a atual estrutura da universidade que trouxe a USP aonde ela está hoje. Prefiro uma visão mais dialética. A luta contra esta estrutura garantiu aumento importante dos recursos para a universidade, na década de 1990. As notas dos programas também se devem a isso”. Expressou apoio à Estatuinte e à eleição direta. Marcela Carbone (ECA), por sua vez, deplorou a “estrutura de poder absolutamente arcaica e antidemocrática” e os rankings e reforçou a crítica ao diretor do IQ: “Quem tinha o discurso de que o autoritarismo levava ao desenvolvimento era o regime militar”.
O professor José Piqueira, diretor da EP, retrucou: “Quem combateu a Ditadura está nas primeiras filas aqui. Muita gente fala sobre o regime militar sem saber o que foi”, disse. “Universidade não deve ser monastério, nem supermercado. Qualquer discussão passa por critério de excelência, e excelência acadêmica, que pressupõe meritocracia. Este Conselho Universitário é legítimo sim, e os seus membros não estão aqui à toa, estão aqui porque trabalharam, pesquisaram”. Mais: “Os estudantes da USP têm uma participação importante na decadência da sua imagem” (da universidade).
Representante dos doutores, José Renato Araújo defendeu mudanças no Co: “Sou um professor para representar 3 mil docentes”. Indagou ao reitor: “Nós vamos reformar o Estatuto, fazer emendas, ou criar um novo Estatuto?”
A próxima reunião extraordinária do Co sobre estrutura de poder e governança na USP ocorrerá em 7/4/2015 e estarão em debate os temas: carreiras e regimes de trabalho, e autonomia e organização das unidades e órgãos. Mas, especialmente, serão definidas as formas de deliberação das alterações estatutárias, bem como o respectivo calendário.
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