Gabriel e Magno são absolvidos em dois processos, mas continuam presos

Caso foi apresentado ao Conselho Nacional de Direitos Humanos em audiência pública na FD-USP, em 16/12

A juíza Cynthia Maria Sabino Bezerra da Silva, da 8ª Vara Criminal do Foro Central Criminal de São Paulo, absolveu o jovem Gabriel Scarcelli Barbosa, por insuficiência de provas, em uma das três ações criminais em que é acusado de roubo de carros, as quais resultaram de inquéritos criminais conduzidos ilegalmente pelo delegado Kleber Massayoshi Isshiki, da Polícia Federal (PF).

fotos: Daniel Garcia
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A sentença da 8ª Vara Criminal corrobora, indiretamente, as denúncias feitas por advogados, familiares e amigos de Gabriel de que ele e outro jovem, seu amigo e colega de trabalho Magno Nascimento da Silva, foram vítimas de uma “armação” do delegado da PF, por terem se recusado a reconhecer um conhecido, suspeito de haver assaltado o policial federal.

Ambos encontram-se presos: Magno desde 9/4, no Centro de Detenção Provisória (CDP) do Tatuapé, e Gabriel desde 21/6, no CDP de Pinheiros. Respondem a diversos processos em diferentes Varas. 
 
De acordo com a juíza, a autoria do delito “restou incerta” e a ação é improcedente. “Com efeito, embora as vítimas tenham efetuado reconhecimento pessoal e fotográfico positivo na fase investigatória, em Juízo a vítima Marcelo declarou que não tinha condições de reconhecer o réu, enquanto a ofendida Juliana afirmou ‘não ter certeza’ quanto ao envolvimento do acusado”. 
 
A sentença, datada de 14/12/15, revela as inconsistências do processo: “Vê-se, assim, que a prova acusatória nada de seguro e concreto apontou contra o acusado, demonstrando-se demasiadamente frágil a ensejar um decreto condenatório”. Na avaliação da juíza, os reconhecimentos feitos pelas vítimas na Delegacia “se mostraram bastante frágeis” e não foram ratificados em Juízo. 
 
“De fato”, prossegue a sentença, “a vítima Juliana mostrou-se insegura quanto ao reconhecimento do acusado e afirmou que, na Delegacia de Polícia, reconheceu o réu ‘apenas por seu olhar’, pois os assaltantes usavam capacete”. Disse, ainda, “que chegou a reconhecer uma pessoa morta, antes de reconhecer o acusado”.
 
A vítima Marcelo, por sua vez, “sequer apresentou condições de reconhecer o acusado por sua fisionomia, dizendo que sua voz seria semelhante à de um dos assaltantes”. Além disso, nada de ilícito foi encontrado em poder do acusado, escreveu a juíza Cynthia Bezerra da Silva. “Dessa forma, o conjunto probatório resta demasiado frágil para ensejar um decreto condenatório, uma vez que inexistem provas produzidas sob o crivo do contraditório a indicarem que o denunciado teria sido efetivamente um dos autores do delito”.
 
Os outros dois processos judiciais a que Gabriel responde correm na 16ª Vara Criminal. No primeiro deles, obteve liminar contra a prisão preventiva 24 horas após a impetração do pedido de habeas corpus. Mais tarde, essa liminar foi convalidada pelo TJ-SP. O segundo, porém, cuja prisão preventiva foi estranhamente pedida pelo delegado da PF logo após a concessão da liminar de soltura, é o que o mantém preso. Liminares e mérito de habeas corpus vem sendo sistematicamente negados em diferentes instâncias. 
 
“Considerando que a prisão preventiva é exceção e que Gabriel tem todos os requisitos para responder em liberdade (trabalho e residência fixos e não ter nenhuma passagem pela polícia), a pergunta persiste: até quando?”, indaga a professora Ianni Scarcelli (IP-USP), mãe do rapaz.
 

Situação de Magno

 
O outro jovem preso em situação semelhante, Magno Nascimento da Silva, acaba de conseguir sua quarta absolvição, desta vez em segunda instância. Trata-se de um processo que corria na 29a Vara, em que já havia sido absolvido em primeira instância, tendo havido recurso do Ministério Publico Estadual contra a sentença favorável ao réu.
 
Ainda tramitam contra Magno outras cinco ações judiciais: na 17ª Vara, do qual resultou sua prisão preventiva e na qual foi condenado a uma pena de 6 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão, em regime inicial fechado; e na 1ª, 3ª, 12ª e 19ª Varas. 
 
Tais processos foram obra da “investigação” sobre roubos de carros conduzida pelo delegado Kleber mediante coleta de fotografias no Facebook, com a conivência da Polícia Civil, a única que tem competência para investigar esse tipo de crime. A prisão de Magno ocorreu durante uma “operação” na Comunidade Mário Cardim (na Vila Mariana, na capital paulista), comandada pelo delegado da PF, ocasião em que foram presos também outros nove jovens.
 
Danilo, outro jovem que pertencia ao grupo perseguido pelo delegado Kleber, mas estava foragido, acaba de ter sua prisão preventiva revogada. O caso ganhou maior repercussão desde que foi denunciado pelo jornalista Roberto Cabrini no programa Conexão Repórter, no SBT.
 

Audiência pública da CNDH

 
 
O caso de Gabriel e Magno foi apresentado em audiência pública conjunta do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) e do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) realizada em 16/12 no salão nobre da Faculdade de Direito do Largo São Francisco (FD-USP), em São Paulo. Além dos conselheiros do CNDH e do Condepe, participaram da audiência representantes de movimentos sociais e entidades de direitos humanos. 
 
“Tenho clareza de que o caso do meu filho é emblemático de outros que acontecem e que refletem a criminalização da pobreza”, declarou a professora Ianni na sua intervenção, ao falar do filho Gabriel. “Ele está sendo pré-julgado e está preso há seis meses, injustamente”. A docente do IP relatou ao CNDH como agiu o delegado Kleber, ao identificar “suspeitos” no Facebook e ao realizar escutas telefônicas que se mostraram inúteis.
 
“De que Estado de Direito estamos falando?”, questionou Marisa Feffermann, da Associação de Familiares de Presos e Presas. “O que aconteceu com Magno, Gabriel e Danilo acontece com vários jovens que atendemos”. Ela lembrou que ocorrem muitas prisões ilegais no país. “Somos o quarto país que mais encarcera no mundo”, disse. 
 
Outro orador, o professor Luis Galeão (IP-USP), foi aplaudido ao destacar o papel que o Condepe e a Defensoria Pública vêm desempenhando no caso dos rapazes perseguidos pela PF. Ele opinou que a negativa de habeas corpus para esses réus representa uma violação da integridade e da dignidade da pessoa humana. Considerou que é “algo extremamente grave” saber-se que um delegado da PF “assume para si uma vingança”, na medida em que, sendo vítima de um assalto, se dispôs a procurar ele próprio os responsáveis pelo crime. 
 
A audiência teve outros destaques, como as denúncias de torturas e encarceramento de pacientes psiquiátricos em casas terapêuticas, apresentadas pela Frente Antimanicomial — que também pede a saída do coordenador geral de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Valencius Wurch, defensor dos manicômios; diversas manifestações de apoio ao movimento de ocupações estudantis de escolas contra a “reorganização” pretendida pelo governo Alckmin; e pedidos de providências contra as diversas chacinas ocorridas em São Paulo nos últimos anos. 
 
Márcia Guerra, da seção paulista do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), atribuiu a violência policial e as graves violações de direitos humanos ao que chamou de “projeto político-societário ancorado no conservadorismo e no neoliberalismo”. Registrou que existem divergências entre os próprios órgãos públicos no tocante ao número de chacinas ocorridas e também quanto ao número de pessoas executadas. 
 
A ativista enfatizou duas reivindicações do MNDH: a federalização das investigações das chacinas, dada a “inadequação das respostas do Estado de São Paulo”; e o fim da criminalização dos movimentos sociais, das crianças e jovens.
 
 
 
 

EXPRESSO ADUSP


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