O presidente da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), Carlos Antonio Luque, é réu em ação penal que tramita na 1ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital. Ele e outros dois réus respondem à acusação de fraude no processo de contratação da FIPE pela Imprensa Oficial do Estado (Imesp), em 2019, sem licitação, pelo valor de R$ 8,99 milhões, para desenvolver projeto de “reestruturação” daquela empresa estatal, atualmente incorporada por outra empresa pública, a Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo (Prodesp).

Luque é professor titular do Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA-USP) e foi secretário-adjunto da Secretaria de Economia e Planejamento do governo estadual por dez anos (1995-2005), nos governos de Mário Covas e Geraldo Alckmin (PSDB). Foi também membro do Conselho de Administração da Companhia Paulista de Obras e Serviços (CPOS), hoje extinta. É talvez o mais longevo presidente da FIPE, pois assumiu o cargo em 2007.

A FIPE é uma das mais antigas fundações privadas ditas “de apoio” à USP. Criada em 1973, tornou-se conhecida por elaborar um Índice de Preços ao Consumidor (IPC-FIPE) citado com frequência pela mídia nacional. Por outro lado, foi objeto de diversas reportagens em publicações da Adusp que relataram o modo como essa entidade utilizou a logomarca da universidade e as instalações da FEA em proveito próprio, para lucrar com a oferta de cursos do tipo MBA e a venda de serviços de consultoria. A Revista Adusp revelou ainda que essa fundação, tanto quanto suas congêneres, beneficiou-se de uma série de contratos sem licitaçãocom órgãos públicos estaduais e federais.

Embora formalmente incorporada pela Prodesp, na verdade a Imesp está em processo de desmonte e extinção. A empresa pública — dotada de moderno parque gráfico, incumbida da impressão do Diário Oficial do Estado, mas também responsável pela publicação de livros acadêmicos de alta qualidade — foi alvo da primeira investida privatizante do governo João Doria-Rodrigo Garcia (PSDB), encaminhada à Assembleia Legislativa (Alesp) tão logo ele tomou posse. Tratava-se exatamente do primeiro projeto de lei (PL) da nova gestão, PL 01/2019, que pretendia extinguir seis estatais de uma só vez: além da Imesp e das já citadas CPOS e Prodesp, faziam parte do rol a Companhia de Desenvolvimento Agrícola de São Paulo (Codasp), a Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano S.A. (Emplasa) e a Desenvolvimento Rodoviário S.A (Dersa). No âmbito de negociações na Alesp a Dersa foi retirada da lista (seria extinta meses mais tarde, por outro PL) e decidiu-se preservar a Prodesp, à qual a Imesp seria incorporada — uma solução de fachada.

Assim, a lei estadual 17.056, de 5 de junho de 2019, decorrente da aprovação do PL 01/2019, autorizou a extinção da CPOS, Codasp e Emplasa e a incorporação da Imesp pela Prodesp. Em seguida, a direção da Imesp realizou uma tomada de preços para contratação de “serviços técnicos especializados de consultoria para suporte e assessoria, no diagnóstico, análise e avaliação da modelagem de negócio”, na qual consultou exclusivamente fundações privadas, todas vinculadas a docentes da USP: Fundação Instituto de Administração (FIA), Fundação para Pesquisa e Desenvolvimento da Administração, Contabilidade e Economia (Fundace) e FIPE.

Nessa tomada de preços, a FIA e a Fundace propuseram-se a realizar os serviços indicados pela Imesp por R$ 10,338 milhões e R$ 9,849 milhões respectivamente, ao passo que a FIPE pediu R$ 8,99 milhões. A Imesp decidiu, então, realizar a contratação direta da FIPE — portanto mediante dispensa de licitação — conforme despacho publicado na edição de 13 de junho de 2019 no Diário Oficial do Estado, relativa ao processo 164.944/2019 daquela empresa pública. Segundo a publicação, a dispensa de licitação foi ratificada pela Diretoria Colegiada da Imesp e autorizada, “conforme Portaria 16/19”, pelo secretário de governo e vice-governador Rodrigo Garcia.

A dispensa de licitação recebeu o número 8/2019, tendo como contratada a FIPE e como objeto a “Prestação de serviços técnicos especializados de consultoria para suporte e assessoria à Imprensa Oficial do Estado S.A. no diagnóstico, análise e avaliação da sua modelagem de negócio, incluindo sua função para o serviço público, seus produtos e serviços, sua estratégia, seus processos, sua estrutura organizacional e seus indicadores e a proposição de melhorias e novos modelos para a Imprensa Oficial do Estado S.A., visando melhorar sua eficiência e eficácia no atual cenário de mudanças econômicas e tecnológicas e também formular de forma estruturada os estudos necessários para subsidiar a análise da Imesp frente a um possível processo de transformação, fusão, cisão, incorporação ou extinção, conforme especificações contidas no Memorial Descritivo”.

Surpreende o teor do objeto, pois naquele momento a incorporação da Imesp pela Prodesp já era uma determinação da lei 17.056, aprovada mais de dois meses antes, não havendo sentido em solicitar à FIPE a “proposição de melhorias e novos modelos para a Imprensa Oficial do Estado S.A., visando melhorar sua eficiência e eficácia no atual cenário de mudanças econômicas e tecnológicas”. Menos ainda haveria razão para falar-se em “possível processo” de incorporação, nem para aludir-se a possibilidades como “fusão, cisão […] ou extinção”.

A ação contra Luque e quatro outras pessoas foi ajuizada em 22/10/2020 pelo promotor de justiça Marcelo Batlouni Mendroni, do Ministério Público do Estado (MP-SP), integrante do Grupo de Atuação Especial de Repressão à Formação de Cartel e à Lavagem de Dinheiro e de Recuperação de Ativos Financeiros (Gedec). Além do presidente da FIPE, Mendroni denunciou Alessander Monaco Ferreira, proprietário de empresas de consultoria e, entre fevereiro de 2019 e janeiro de 2020, gerente de Tecnologia da Informação (TI) da Imesp; Nourival Pantano Junior, presidente da Imesp; José Ernesto Lima Gonçalves, consultor a serviço da FIPE; e Renan Antonio Ferreira dos Santos, dirigente do Movimento Brasil Livre (MBL).

Monaco teria sido contratado como gerente de TI da Imesp por indicação de Renan, no contexto de uma aliança política entre o MBL e o PSDB. Na inicial, o promotor Mendroni acusa Monaco de intensa participação em operações de lavagem de dinheiro em benefício do MBL, na forma de doações por intermédio do superchat da plataforma YouTube. Porém, especificamente no tocante à contratação da FIPE pela Imesp, Monaco, proprietário das empresas de consultoria em TI “Monaco Intelligent Consulting Ltda” e “Amazing Consulting Tecnology and Innovation Eireli”, teria exercido um papel-chave, caracterizado pelo conflito de interesses.

“A empresa Monaco Intelligent Consulting prestava diversos tipos de consultoria, ao menos desde o mês de junho de 2015, e até, ao menos, o mês de março do ano de 2019. Entretanto, entre fevereiro de 2019 e julho de 2019, Alessander Monaco Ferreira, ‘prestador de serviços’ para a FIPE através de sua empresa, articulou a contratação da FIPE pela Imesp — ao tempo em que ele já era contratado pela Imesp”, informa na ação penal o promotor Mendroni.

Segundo a denúncia, desde fevereiro de 2019 Monaco “já entabulava diversas negociações desta contratação fraudulenta por dispensa de licitação, especialmente com Nourival Pantano Júnior (Imesp), Carlos Antonio Luque (FIPE) e José Ernesto Lima Gonçalves (FIPE) — que participaram ativamente de todo este processo”, afirma a inicial do MP-SP. “Foram inúmeras mensagens (WhatsApp) e e-mails trocados entre eles”.

A investigação constatou que a principal empresa de Monaco recebeu elevadas somas da fundação privada, repassadas ao longo de quatro anos, desde 2016. “A FIPE repassou a quantia de R$ 2.842.166,00 para a empresa Monaco Intelligent Consulting Ltda — sem funcionários registrados e localizada em endereço residencial — de Alessander Monaco Ferreira, entre 2016 e 2019”, registra a inicial.

“A FIPE foi justamente a escolhida para prestar serviços de consultoria, tanto para a própria Imesp […] em 2019, quanto para a FDE-Fundação Desenvolvimento da Educação, onde quem ocupava o cargo de presidente era justamente […] Nourival Pantano Junior, também muito referido por Alessander Monaco em suas anotações, que também prestava serviços ao FNDE, ligado ao FDE, tendo ele realizado dezenas de viagens a Brasília para reuniões presenciais do Ministério da Educação entre 2016 e 2018”.

Como agravante, nas buscas realizadas pela Polícia Civil e pela Receita Federal, a pedido do Gedec, foi localizada na casa de Monaco a versão original da Minuta do Termo de Contrato 25/2019, precisamente a adotada no instrumento contratual que veio a ser celebrado entre FIPE e Imesp em 4 de junho de 2019, tendo como principais signatários Nourival Pantano Junior e Carlos Luque. “Em suas anotações, Monaco explicita que foi ele quem literalmente escreveu o TR (Termo de Referência, o ‘projeto básico’, onde se dimensiona o objeto que se deseja contratar e seus termos) da licitação, e que inclusive trouxe os consultores indicados da FIPE para a Imesp”, assinala o promotor Mendroni. Além de ter escrito o TR e indicado os consultores, Monaco faz apontamentos de alguns valores (“R$ 20, R$ 90, R$ 45”) que, no entender de Mendroni, podem ser referência a “comissões”, vale dizer: suborno.

O promotor propõe na ação o enquadramento de Luque e Lima Gonçalves no artigo 333 do Código Penal (“Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”), que prevê pena de reclusão de 2 a 12 anos e multa, e ainda estipula, no seu parágrafo único, que a pena “é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional”.

Isso porque, no seu entender, ambos “agiram de forma a articular a dispensa da licitação fora das hipóteses previstas em lei, deixando de observar as suas formalidades pertinentes”, e a “frustrar e fraudar, mediante ajuste e combinação com funcionários da Imesp e da FIPE, o caráter competitivo que deveria ser realizado através de procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação — concorrendo para a consumação da ilegalidade, beneficiaram-se da dispensa ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público”, crime que estaria incurso nas penas do artigo 89 § único e 90 da Lei 8.666/1993 (Lei das Licitações).

“A conduta de Alessander Monaco Ferreira, que agiu previamente ajustado e com unidade de propósitos com Nourival Pantano Junior (Imesp), Carlos Antonio Luque (FIPE) e José Ernesto Lima Gonçalves (FIPE) indica que todos agiram de forma ajustada e concertada para que a Imesp contratasse a FIPE, mediante dispensa fraudulenta de licitação, direcionando o contrato; fraudando o seu caráter competitivo, para obterem vantagens, com violação aos artigos 9° III §3°; 13 §3°; 26; e artigo 38 VI; 89 e 90 todos da Lei 8.666/93”, reitera.

Em 3/11/2020, o juiz Thiago Baldani Gomes De Filippo aceitou a denúncia contra Luque, Monaco e José Ernesto Lima Gonçalves, ao mesmo tempo em que rejeitou as acusações a Renan Antonio Ferreira dos Santos e Nourival Pantano Júnior. “Mediante juízo perfunctório embasado em cognição sumária, há elementos para o recebimento da denúncia em relação a Alessander, José Ernesto e Carlos Luque pelos delitos que lhes são imputados (mas não a Renan e Nourival)”, diz o despacho de De Filippo, posterior à apresentação da defesa prévia dos acusados na inicial. Nele o juiz da 1ª Vara de Crimes Tributários rebate a alegação, comum a várias das contestações juntadas ao processo judicial, de que a lei permite a dispensa de licitação, como se isso fosse garantia automática da lisura da contratação em causa.

“O fato de o art. 29 da Lei Federal 13.303/2016 estabelecer ser dispensável a realização de licitação por empresas públicas e sociedades de economia mista, em certas condições, não conduz, necessariamente, à atipicidade das condutas previstas nos artigos 89 e 90 da Lei 8.666/93”, explica. “Desse modo, apesar das ponderadas alegações de Carlos Luque, a contratação da FIPE pela Imesp pode representar uma contrapartida diante da preexistência de contratação pela FIPE da empresa de consultoria de Alessander, além do eventual pagamento a este denunciado de valores ilícitos em espécie, que teriam sido objeto de lavagem, sendo forçoso o recebimento da denúncia em relação a eles”.

Conforme as investigações do promotor Mendroni, em 2016 a empresa Monaco Intelligent Consulting Ltda tinha contrato com a FIPE no valor de R$ 981.500, com o seguinte objeto: “contratação dos profissionais adiante indicados (‘Consultores’) para participação em pesquisa ou projeto a ser desenvolvido pela FIPE para a Secretaria da Habitação do Estado de São Paulo denominado ‘Modelagem e Normatização de Programas Habitacionais’”. No entender do MP-SP, trata-se de valor superfaturado para o serviço proposto — realizado por uma empresa sem empregados.

“Os valores referentes ao pagamento dos serviços foram efetuados pela Secretaria da Habitação (conforme intensa troca de e-mails) à FIPE, que imediatamente os repassava à empresa Monaco Intelligent Consulting Ltda.”, prossegue a inicial. “O estratagema indica que a Secretaria da Habitação do Estado de São Paulo queria, na verdade, em 2016, contratar a Monaco Intelligent Consulting Ltda; mas contratou a FIPE e esta subcontratou a Monaco Intelligent Consulting Ltda. O contrato previa o pagamento do valor de R$ 981.500,00. Entretanto, a FIPE repassou para esta mesma empresa a quantia de R$ 2.538.642,00, entre 11/1/2016 e 23/5/2019”.

Neste mesmo período, a empresa de Monaco repassou para a “pessoa física” (PF) Alessander Monaco Ferreira a quantia de R$ 2.759.768,46 (5/1/2016 a 28/5/2019). “Significa que todo o valor obtido pela PJ [pessoa jurídica] foi transferido para a PF — e algum valor mais. Foi justamente após o final dos pagamentos desta ‘contratação’ milionária que Alessander Monaco Ferreira, já funcionário da Imesp, articulou de forma meticulosa a contratação — com dispensa de licitação — da própria FIPE”, destaca o promotor Mendroni. “Houve, evidentemente, uma ‘troca de favores’ — contrapartida — com vantagens indevidas para ambas as partes. Após ter sido favorecido com um contrato milionário, ele agiu de forma a retribuir o ‘favor’, direcionando um contrato sem licitação da Imesp para a FIPE”.

Além disso, registra a ação penal do MP-SP, logo após a formalização do contrato entre Imesp e FIPE, Monaco “passou a receber valores em espécie — indevidos — de origem não identificada no sistema bancário, no mês subsequente; e os depositou em sua conta de forma estratificada”, o que indicaria, “para muito além de qualquer dúvida razoável, que tenha sido obtido em decorrência da prática de crime de corrupção”.

Na avaliação de Mendroni, tais valores “são indicativos claros de pagamento de vantagem indevida — propina — por parte de representantes da FIPE pelo direcionamento do contrato através da dispensa de licitação”. Monaco depositou todos os valores de forma fracionada em sua própria conta corrente, em sucessivos depósitos de cerca de R$ 4.900,00, para escapar do controle do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF, órgão federal), o que caracterizaria o crime de lavagem de dinheiro.

A defesa de Luque rejeita as acusações. Seus advogados afirmam que o presidente da FIPE “subscreveu os instrumentos contratuais firmados com órgãos do Estado, e o fez segundo as formalidades legais e no pleno exercício de suas atribuições”. Além disso, no âmbito do inquérito criminal (PIC 31/19), que precedeu o ajuizamento da ação penal, “comprovou a prestação de serviços contratados junto à FIPE, o que remete à inépcia da denúncia, vez que os fatos narrados sequer se alinham à conduta imputada”.

Ainda segundo a defesa prévia, Luque “não mantém ou manteve qualquer vínculo (ou relação) com Alessander Monaco Ferreira ou com as suas empresas diversos daqueles tratados nos respectivos escopos de suas contratações pela FIPE”, e “apresentou esclarecimentos e documentos que denotam jamais ter atuado, ainda que remotamente, para a prática daqueles ou de outros delitos, associados ou não com o referido consultor, suas empresas ou com terceiros”.

Seus advogados sustentam que Luque não pode ser responsabilizado pela conduta de Monaco. “Por óbvio, nem a FIPE e nem o Peticionário [Luque] possuem o domínio do que se passa na vida profissional ou empresarial de todas as pessoas que atuam ou já atuaram como consultores da fundação, sendo desconhecidas relações que não estejam associadas à prestação dos serviços de forma regular e de maneira legal”.

Em documento encaminhado ao promotor Mendroni em 15/10, Luque reiterou que “não possui e nem jamais manteve qualquer espécie de relação com a Monaco Intelligent Consulting Ltda., empresa de Alessander Monaco Ferreira, que prestou serviços especializados para a FIPE”. Além disso, a defesa dá a entender que o presidente da FIPE desconhecia, até então, os vínculos existentes entre aquela fundação privada e o empresário e fartamente documentada pelo MP-SP na ação penal.

“Apurou agora o Peticionário que a Monaco Intelligent Consulting Ltda., atuou em contratos firmados com a FIPE, sendo remunerada para tanto. Tanto a participação da empresa, como a sua remuneração não foram (e nem poderiam ter sido) definidas pelo Peticionário”, garantem seus advogados. “Os valores apontados para a remuneração, segundo apurou agora, observaram os valores do mercado e seguiram à prestação efetiva de serviços. Apurou o Peticionário, inclusive pelo exame dos documentos que compõem o Procedimento, que o representante legal da empresa é detentor de formação técnica e que possui experiência na área da consultoria, como já constou”.

A defesa nega igualmente que “as mensagens supostamente trocadas” entre os réus, documentadas nos autos, tenham “o condão de demonstrar que o Peticionário teria agido de forma a ajustar com Alessander Monaco, Nourival Pantano e José Ernesto qualquer irregularidade visando a dispensa de licitação fora das hipóteses legais, ou fraudar qualquer procedimento licitatório”.

Luque indicou 14 testemunhas para depor a seu favor, inclusive os ex-reitores J.G. Rodas e Flávio Fava de Moraes (este depois substituído) e o ex-ministro Miguel Reale Jr.

“Acusações são descabidas e fantasiosas”, protesta Monaco, alegando ainda presunção de culpa

Na defesa prévia juntada ao processo, Alessander Ferreira Monaco alega que as acusações do MP-SP “são inteiramente descabidas e fantasiosas, não correspondendo à realidade”. No seu entender, as acusações não correspondem às provas produzidas, não cabendo ao promotor de justiça “inventar ou presumir o que quer que seja”. Assim, completa dirigindo-se ao juiz, “seja em razão da manifesta inépcia da denúncia, que sequer descreve minimamente qualquer conduta delitiva praticada pelo Peticionário [Monaco]; seja diante da patente falta de justa causa, na medida em que não há nenhum elemento informativo apto a caracterizar materialidade e autoria delitivas com relação aos fatos atribuídos ao Peticionário; deve ser a presente ação penal liminarmente rechaçada por Vossa Excelência” (destacado conforme o original).

“A presente ação penal está inserida no contexto de investigações da denominada Operação Juno Moneta, deflagrada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo em conjunto com a Polícia Civil e a Receita Federal, que apura, em síntese, possíveis crimes de lavagem de dinheiro a partir de pessoas supostamente ligadas ao Movimento Brasil Livre (MBL) e ao Movimento Renovação Liberal (MRL); dentre elas, o Peticionário. Houve, então, presunção de culpa, como assim demonstra a notícia de crime apresentada ao Ministério Público” (destaque no original), alega a defesa prévia.

“A partir daí, toda a atividade laborativa do Peticionário, bem como de outras pessoas, passou a ser questionada por tais denunciantes que, não obstante, lograram êxito em seu pedido, vez que não só foi efetivamente instaurado procedimento investigatório criminal, como também, durante as apurações, foram empregadas diversas diligências — inclusive, prisões temporárias, buscas e apreensões e quebras de sigilo fiscal e bancário”. Monaco chegou a ser preso durante as investigações.

“Neste contexto”, prossegue a defesa, “é de se ressaltar, logo de proêmio, que a presente apuração [é] absolutamente invasiva ao direito de liberdade do Peticionário — que teve a vida privada completamente devassada apenas por ter decidido gastar seu dinheiro com uma causa com a qual se identificava” (destaques no original).

A defesa também procura apresentar o ingresso de Monaco na Imesp, em cargo comissionado, como um desafio puramente profissional, de modo a justificar sua nomeação e rebater as acusações do promotor Mendroni de que ela estaria relacionada às negociações políticas entre MBL e governo estadual e, ainda, de que teria servido como ponto de apoio essencial para a contratação fraudulenta da FIPE.

“No início de 2019, Alessander teve a oportunidade de ingressar como Gerente de Tecnologia da Informação na Imprensa Oficial. Era um desafio importante para a carreira do Peticionário. Um projeto arrojado, com uma equipe média de 40 empregados, e muito a se reestruturar internamente”. Já existia, diz, o PL 01/19, “que foi uma demanda externa à Imesp e ao Peticionário”, e a empresa pública “precisava reorganizar seus processos para ser incorporada pela Prodesp, além de outros desafios de Tecnologia, organização de projetos que estavam parados ou que não estavam caminhando bem, ou seja, atrasados, com clientes insatisfeitos”. Segundo o documento, Monaco dedicou-se inteiramente à Imesp: “Alessander iniciou então seu trabalho como Gerente de Tecnologia da Informação, chegava bem cedo, saia tarde, trabalhava aos finais de semana. Seu ritmo era acelerado, quanto mais cobrado, mais ele se sentia motivado a entregar resultados”.

A defesa de José Ernesto Lima Gonçalves argumenta que ele não é agente público e não celebrou o contrato em questão, pois atuou como “mero consultor externo da FIPE”, portanto não poderia ter sido denunciado como incurso nas penas dos artigos 89 § único e 90 da Lei 8.666/93, ambos combinados com o artigo 69 caput do Código Penal. Além disso, alega que a vigência da lei 14.133/2021 acarreta por si a inviabilidade da ação penal por força da “abolitio criminis” do tipo penal do parágrafo único, do art. 89 da Lei 8.666/93.

Sobre as acusações feitas a Lima Gonçalves na ação penal, sustenta a defesa que carecem de fundamento e individualização. “Não há descrição de como teria feito a articulação, ou quando, onde, de que forma ou em que circunstâncias teria agido. Refere-se a denúncia a poucas e genéricas assertivas feitas a vários denunciados. Há graves equívocos na denúncia a demonstrar o seu açodamento, talvez até por falta de investigação, o que resultou no elenco de ilações sem comprovação e a injusta acusação a José Ernesto”.

A denúncia deixou de descrever a conduta típica do réu, reforça. “Não explicou sua participação na suposta conduta delituosa de terceiros e nem suscitou o 29 do Código Penal. A denúncia optou por imputar diretamente a prática da conduta a José Ernesto, sem minimamente descrever o que ele fez e porque estaria imbuído do elemento subjetivo do tipo, o dolo. Nada está explicado”, destaca.

Contesta ainda que na ação penal Lima Gonçalves é tido como representante da FIPE, “como se tivesse algum poder de gestão ou poder de decisão na entidade”, ao passo que na realidade “era mero consultor externo, contratado, e, no caso concreto, coordenou os trabalhos da equipe técnica, sem qualquer poder de representação legal ou de gestão administrativa ou financeira da FIPE, onde jamais exerceu qualquer cargo ou função executiva”.

Em outra ação, sindicatos denunciam demissão em massa e apontam responsabilidade da FIPE

A ação penal do Gedec é citada em outro processo judicial, este na órbita da Justiça do Trabalho. Em 24 de junho de 2021, três entidades de representação — Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP), Sindicato dos Empregados da Administração das Empresas Proprietárias de Jornais e Revistas de São Paulo e Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Gráficas, Comunicação e Serviços Gráficos de São Paulo e Região — ajuizaram ação civil pública cível (ACPCiv 1000783-36.2021.5.02.0073) contra a Imesp, com a finalidade de “suspender os efeitos da dispensa em massa de trabalhadores concursados sem prévia negociação sindical, ocorrida em 2/6/21, no curso da pandemia”.

De acordo com a inicial, submetida ao Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2), os “motivos determinantes do ato demissional se apresentam ilegítimos e inadequados, bem como baseados em estudo objeto de investigação criminal”. Trata-se de referência ao produto dos serviços contratados pela Imesp à FIPE.

No dia 3/6/2021, relata a inicial, os sindicatos autores da ação solicitaram à empresa uma reunião emergencial, ocasião em que solicitaram a revogação das demissões ocorridas enquanto pendente a pandemia, com a abertura imediata de negociação com vistas a discutir a redução do impacto social de tal medida, além de acesso aos estudos da FIPE nos quais a Imesp alegou, em reunião, ter se baseado para concluir pela descontinuidade dos serviços gráficos e das páginas editoriais da versão eletrônica do Diário Oficial. O que foi negado pela direção da Imesp, “que sequer disponibilizou o número exato de demitidos aos sindicatos requerentes”.

Ainda segundo a ACPCiv, “o estudo realizado pela FIPE, o qual embasou as demissões que se discute nessa demanda, está sub judice haja vista que o Ministério Público Estadual constatou indícios gravíssimos de irregularidades na contratação deste pela Imesp, ora reclamada, os quais foram objeto de denúncia acusatória […] quanto à prática de vários crimes contra a administração pública (corrupção, dispensa indevida de licitação, tráfico de influência e lavagem de dinheiro), envolvendo o então presidente da Imesp, um ex-funcionário da Imesp que teria articulado a dispensa indevida da licitação, representantes da FIPE e do Movimento Brasil Livre”.

No entender dos sindicatos, uma vez que o estudo no qual a antiga Imesp se baseou para fundamentar a desativação de seus serviços gráficos e editoriais no contexto da incorporação pela Prodesp, “e que serviu de motivação para a dispensa em massa”, é objeto central de investigação criminal, “tal documento demonstra-se absolutamente suspeito, inclusive quanto ao seu teor, vez que na apuração do Ministério Público foram apreendidos documentos em poder de um dos acusados que demonstram que a descrição do objeto do contrato havia sido preparada por um dos acusados antes mesmo da aprovação da lei 17.056/19, não podendo gerar, sem despertar uma dúvida razoável, qualquer efeito, quanto mais ser pano de fundo para avalizar a dispensa de uma centena e meia de empregados públicos concursados e posteriormente o desmonte da moderna gráfica da Imesp, fruto de anos de investimento de recursos públicos do contribuinte paulista!” (destaques no original).

Um estudo da FIPE intitulado “Avaliação da Gráfica da Imesp no Contexto do Futuro Planejado da Prodesp”, de março de 2021, declara já na página 3 que a “incorporação da atividade industrial, representada pela gráfica da Imesp, à estrutura e organização da Prodesp não está alinhada à definição de visão de futuro da Prodesp, conforme estabelecido no relatório Prodesp – Bem vindo ao futuro”. Também traz informações depreciativas sobre a situação da força de trabalho alocada na Imesp, uma vez que descontextualizadas e baseadas em elementos informativos sumários.

“A remuneração dos 200 empregados da equipe da área gráfica é muito superior à média do mercado, chegando à diferença de mais de 215%”, diz o documento (p. 2). “Os benefícios percebidos pelos empregados da Imesp vão bastante além do razoável e do que se encontra no mercado: plano de saúde 100% gratuito para os empregados e dependentes, complementação salarial plena na aposentadoria, lanches durante o dia, serviço médico e odontológico de características de unidade industrial” (p. 10).

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