A proposta de mudanças estatutárias e regimentais relativas à avaliação institucional e docente, encaminhada pela reitoria às unidades em 03/05/16, começa mal. Em seu ofício de encaminhamento, a reitoria procura assegurar-se de que ela não seja rejeitada no âmbito das unidades. Para isso oferece o prazo, para lá de exíguo, de 23/5 para que as unidades se manifestem, apenas no sentido de apontar correções e fazer sugestões. Esclarece aos diretores que descabe votar qualquer coisa, já que a decisão será tomada pelo Conselho Universitário. Ou seja, nem a reitoria confia na qualidade de sua proposta, visto que procura impedir que qualquer discussão mais aprofundada ocorra, até mesmo no âmbito das Congregações.

Isso, por si só, já deveria ser motivo suficiente para que diretores e congregações reagissem.

Quanto ao texto propriamente dito, parece importante observar que:

1. A referida proposta não apresenta análise ou diagnóstico sobre a atual carreira docente, sobre os procedimentos de avaliação individual e institucional ou sobre os regimes de trabalho dos docentes em vigência na USP. A elaboração de qualquer proposta acerca desse temário deveria ser acompanhada de uma análise crítica, que evidenciasse as eventuais falhas, distorções e dificuldades a serem superadas. Como justificar que se estabeleçam procedimentos com reflexos tão drásticos no trabalho docente sem que essa reflexão tenha sido feita?

2. Se aprovadas tais mudanças, a Cert será extinta e a Comissão Permanente de Avaliação (CPA) terá suas atribuições e composição reformuladas. A nova CPA deverá conter duas câmaras, Câmara de Avaliação Institucional (CAI) e Câmara de Atividades Docentes (CAD), que se responsabilizarão pela avaliação quinquenal institucional e dos docentes. Ou seja, os estatutos serão modificados de modo a instituir que a avaliação individual de todos os docentes seja feita de modo centralizado. E mais, as câmaras serão compostas por 9 docentes, todos escolhidos pelo reitor, devendo seus nomes ser homologados pelo Co. Nunca é demais registrar que as experiências com processos de avaliação individual centralizados têm apresentado sérias distorções. Na USP, isso foi verificado historicamente em relação a processos de docentes em regime de experimentação no RDIDP, quando, extrapolando suas atribuições e desrespeitando o regulamento interno da universidade, a Cert tem questionado a permanência de docentes no RDIDP ou estendido o período experimental por meio de pareceres lacônicos, sem justificativa academicamente aceitável, a despeito dos relatórios e pareceres aprovados pelos departamentos. Nesse sentido, é preciso alertar para a mudança perigosa que está sendo proposta para o artigo 201 do Regimento Geral da USP, que trata da alteração do regime de trabalho dos docentes. Atualmente, o artigo prevê que a Cert apenas dê anuência a pedidos do professor ou dos departamentos; com a nova redação, a mudança de regime poderá ser proposta pela CAD, "na forma da regulamentação própria".

3. A experiência mais recente com os processos de progressão horizontal na carreira docente, também organizados de modo centralizado, mostrou que foram geradas injustiças, distorções e profunda insatisfação. É importante salientar que, assim como no processo de aprovação dos níveis horizontais da carreira, na atual proposta, os critérios de avaliação também não estão sendo explicitados e, portanto, ficará simplesmente a cargo da CAD/CPA defini-los. Todo o teor do documento aponta para uma avaliação com base em indicadores quantitativosque "devem ser considerados como ser instrumentos informativos para de avaliação da qualidade" (sic). Sabemos, por nossa experiência recente, como seremos avaliados. Parece claro que a lista de indicadores deve seguir o atual roteiro para relatórios bienais da Cert. A ingerência dessa comissão sobre os departamentos tem se mostrado inadequada para garantir a necessária autonomia na elaboração de seus projetos acadêmicos e garantir a permanência de uma diversidade de perfis, intrínseca ao conceito de universidade que se propõe a refletir criticamente sobre si mesma, sobre o trabalho realizado e sobre a sociedade em que está inserida. Assim, se já é inadequada aos docentes recém-ingressos, o que dizer da implantação na universidade desses mesmos procedimentos para todos os docentes, ao longo de toda a carreira? É improvável que a CAD, constituída por apenas 9 docentes, indicados pelo reitor para tão abrangente tarefa, saiba reconhecer o que seja um bom projeto acadêmico de uma unidade ou de um departamento e ver a relação entre este e os projetos individuais.

4. No atual projeto da reitoria, os efeitos esperados da avaliação –  propósito que deveria ser um pressuposto para elaboração de qualquer proposta sobre o tema – estão indefinidos e serão consequência dos critérios a serem adotados pela CPA. No entanto, a proposta adianta que uma maior ou menor autonomia poderá ser ofertada ao "ente avaliado". Ora, uma das condições imprescindíveis para o bom fazer acadêmico sempre foi exatamente sua autonomia, avessa a condições impeditivas para o livre desabrochar de ideias e seu debate dentro do círculo de pesquisadores da área. Como se imagina possível pensar a atividade acadêmica com esse "controle de autonomia"? Mais ainda, o texto estabelece a necessidade de firmar um protocolo de compromisso, definido no Capítulo IV do Regimento Interno da CPA, em caso de avaliação insatisfatória – ou seja um "Termo de Ajuste de Conduta". A leitura desse capítulo, ainda que nos possa, de início, provocar risos, logo em seguida causa indignação: denuncia o grau de centralização e de controle que o reitor e suas comissões poderão exercer sobre os docentes ao longo de toda a carreira. É possível imaginar que esse protocolo contivesse algo do tipo, Juro que publicarei em uma revista que vós considerais adequada, ó magníficos senhores! ou Juro que farei a pesquisa que vós considerais mais útil, ó magníficos senhores! Ora, por favor! Nada de cômico, já que o não cumprimento do protocolo ensejará  "a instauração de processo administrativo para aplicação das penalidades correspondentes". Cabe perguntar: correspondentes a quê? Determinadas como e por quem? Está claro o caráter punitivo do processo de avaliação que a reitoria de Zago e Vahan tenta impor à universidade.

5. Desnecessário dizer que uma avaliação de caráter punitivo provoca constante insegurança, acirramento da competição entre colegas e um ambiente de trabalho hostil. Procedimentos punitivos e ameaçadores não contribuem para o exercício crítico, reflexivo e aprofundado da atividade acadêmica, mas sim, para a reprodução de padrões e modelos estabelecidos por quem os impõe. Assim, o Regimento da CPA proposto pela reitoria vai matar a liberdade acadêmica na universidade e, por consequência e a curto prazo, a própria universidade. Que universidade é essa que a reitoria pretende construir com esse tipo de procedimento que, de fato, não pode sequer ser chamado de avaliação? Será a universidade já predefinida em entrevistas do reitor Zago, logo no início de sua gestão, em que propagandeou na grande imprensa que prefere um modelo em que haja liberdade de ação para a administração central, em relação à admissão e dispensa de docentes e funcionários? (Entrevista à Revista Veja, 25/06/2014).

6. Há ainda propostas de mudanças no período experimental. Os primeiros três anos comporão o estágio probatório, conforme determina a Constituição Federal. É salutar que, depois de quase 30 anos, a USP reconheça que descumpre a constituição! Será instituído, no entanto, sob a coordenação da CAD, o Programa de Recepção dos Docentes, do qual os novos contratados estarão obrigados a participar. O parecer elaborado pelos departamentos será baseado em um formulário de avaliação aprovado pela CAD. Uma Comissão de Avaliação de Estágio, cuja composição não fica definida na proposta, decidirá sobre a aprovação ou não do estágio probatório. A sua não aprovação admitirá recurso à CPA, em última instância, que, se não acatado, implicará na exoneração do docente. O docente que for aprovado no estágio probatório entra em um período de acompanhamento que dura mais três anos. Encerrado esse período, o professor passa a ser avaliado de cinco em cinco anos. Uma corrida de obstáculos que pode resultar no rebaixamento a um regime de trabalho diferente, demissão, exoneração ou aposentadoria. Cabe uma pergunta aos proponentes: como e por que esse controle todo é desejável ou mesmo útil para o pleno desenvolvimento das atividades acadêmicas na universidade?

7. Cabe mais uma consideração: com esse novo cenário, ao longo do tempo, poderia haver uma considerável diminuição do "gasto" com a folha de pagamento, na medida em que parte do corpo docente pode ser "eliminado" ou ter seu regime de trabalho rebaixado. Em momentos de "crises financeiras" como a atual, não estaríamos também diante do risco de a reitoria usar esses mecanismos para tentar reduzir os custos da universidade pela forma mais fácil, isto é, a de eliminar uma parte do corpo docente?

8. Finalmente, nas entrelinhas da proposta da reitoria, pode-se vislumbrar um mecanismo que visa a fomentar a competição continuada e não a colaboração entre institutos, equipes de pesquisa e docentes, por meio do qual pretende-se inserir, ainda mais, a universidade na lógica dos rankings internacionais.

 

A motivação dessa proposta não parece, pois, ser o de avaliar o trabalho acadêmico, de forma séria e responsável. No entanto, é possível perceber que esses procedimentos terão como consequência o estabelecimento de um ambiente competitivo e de um clima de terror permanente, fazendo com que docentes optem por sair da USP ou se vejam obrigados a adequar-se aos padrões estabelecidos por avaliações quantitativas e descontextualizadas.

 

Quem perde com isso?

Perdemos todos: docentes, estudantes, funcionários, a universidade e, em última instância, a sociedade como um todo. Se essa proposta vingar, estaremos ameaçando aquilo que a universidade mais deveria valorizar: o espírito critico, a diversidade, a capacidade de questionar, a autonomia didático-científica das unidades e de seus docentes. A quem interessa essa ameaça então?

Não é possível aceitar que mudanças desta monta sejam levadas a termo sem um estudo aprofundado: um diagnóstico, um sério processo de análise e várias interações com departamentos e unidades são imprescindíveis.

 

 

 

 

 

EXPRESSO ADUSP


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