Foi surpreendente para os professores e professoras do Brasil a apresentação de uma reforma de ensino por meio de Medida Provisória (MP 746) pelo atual governo. Não bastasse isso, incomum até na Ditadura civil-militar de 1964/85, os prazos foram reduzidos para uma aprovação célere. Sabemos que nenhuma reforma de ensino consegue ser bem sucedida se não houver debates, leituras e tempo de reflexão para eventual mudança de práticas e perspectivas.

O que estava acontecendo com o ensino médio para que tal mudança se apresentasse como indiscutível, necessária e inadiável? Aparentemente nada, pois as evidências alardeadas para a repentina pressa são conhecidas há anos: o desempenho insatisfatório dos concluintes em avaliações nacionais padronizadas. Na verdade, não seria mais lógico abrir esse processo de mudanças após a aprovação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), em discussão, e que pode ainda sofrer alterações por parte do Conselho Nacional de Educação (CNE) — que tem por função essa elaboração — e cujo calendário oficial prevê até o final do ano de 2017 para finalização? Assim, o texto aprovado, que toma a BNCC como pré-requisito para estabelecer certas exigências, curiosamente, teve que citar essa Base sempre no tempo verbal futuro.

Na realidade, a reforma aprovada, Lei nº 13.415/2017, modifica seis artigos importantes (artigos 24; 26; 36; 44; 61 e 62) da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei 9.394/96) e ainda introduz um novo artigo (35-A). Retira, pois, na prática, a eficácia de normas legais existentes que fortalecem a formação humana integral, a valorização dos profissionais da educação e, em especial, a autonomia pedagógica das unidades escolares. Contraria, na essência, o que está disposto no artigo 12 da própria LDB, e que tem feito a diferença na qualidade da educação, por exemplo, na Finlândia, de que “Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de: I – elaborar e executar sua proposta pedagógica.

A principal modificação feita na LDB, por meio da Lei 13.415, refere-se ao caput do seu artigo 36, que passa a apresentar o seguinte teor: “O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino, a saber: I – linguagens e suas tecnolo­gias; II – matemática e suas tecno­logias; III – ciências da natureza e suas tecnologias; IV – ciências humanas e sociais aplicadas; V – formação técnica e profissional.”

O novo artigo introduzido pelo Senado (35-A) contém uma afirmação inusitada, em seu §5º: “A carga horária destinada ao cumprimento da Base Nacional Comum Curricular não poderá ser superior a mil e oitocentas horas do total da  carga horária do ensino médio, de acordo com a definição dos sistemas de ensino.” A carga horária atual deverá ser ampliada para 3 mil horas, mas considerando que a meta da Lei é atingir 4.200 horas de aula, ao longo dos três anos do ensino médio, resulta, então, que a carga relacionada à BNCC não poderá ocupar mais de 43% desse total.  Na prática isso pode significar que algumas matérias com déficit de professores já estabelecido há algum tempo — por exemplo, Física e Química — apenas estarão representadas em uma pequena fração das horas totais atribuídas ao novo ensino médio!

Que futuro pode esperar-se para uma nação que opta por esse tipo de caminho formativo para a maioria de sua juventude, alijada de um contato com o conhecimento essencial para a compreensão do mundo atual?

Único itinerário

O problema maior é o engodo que foi aplicado à sociedade, em particular à sua parcela jovem. Engana-se quem julga que as cinco opções, descritas no modificado artigo 36 da LDB, são verdadeiras. Não há, na Lei, nenhuma disposição quanto à oferta simultânea de quaisquer delas pelas escolas e nem mesmo pelas redes públicas. É possível prever que, dadas as poucas possibilidades da maioria dos sistemas, estes acabem optando por um único itinerário formativo, ou seja, aquele que, ao mesmo tempo, tenha menores custos permanentes e corresponda às qualificações dos professores da respectiva rede, até em função da Emenda Constitucional nº 55, recém aprovada, que impede o aumento de gastos com pessoal e limita os investimentos em diversas áreas.

Por óbvio, é de se supor que as escolas particulares de elite, que atendem menos de 10% da população nesta faixa etária, farão opções mais condizentes para uma educação abrangente e isso ampliará o fosso, já existente no país, entre ricos e pobres quanto às oportunidades de desenvolvimento intelectual.

Há na lei da reforma do ensino médio outro aspecto grave por suas consequências. Está sendo retomada uma visão reducionista no itinerário formativo “formação técnica e profissional” como opção dual dentro do ensino médio. Ainda mais, o itinerário “formação técnica e profissional” poderá ser ofertado por meio de parceria com o setor privado e o sistema de ensino se servirá de recurso público do Fundeb para isso!

Outra questão que altera bastante a concepção de currículo de formação básica dos jovens refere-se a que Educação Física, Sociologia, Filosofia e Arte são propostas como “estudos e práticas” e, portanto, seus conteúdos poderão ser ensinados diluídos em outras disciplinas e não mais como componentes curriculares.

No mundo atual é de se estranhar a obrigatoriedade exclusiva do inglês a partir da 6ª série do ensino fundamental. Outras línguas estrangeiras são apenas permitidas como optativas, sendo citado o espanhol como possibilidade.

Qualificação docente

A Lei 13.415 introduz uma medida desastrosa: abre a possibilidade de pessoas não formadas assumirem funções docentes. Apesar de a lei explicitar que essas autorizações se restringem ao percurso formativo V (formação profissional e técnica), aliados políticos do governo federal nos Estados já vêm apresentando projetos de lei com a finalidade de superar essa restrição. Além disso, já foi providenciada, na própria Lei, abertura para que, segundo velhos hábitos brasileiros, qualquer profissional graduado, apenas com uma complementação pedagógica, possa assumir aulas no novo ensino médio (conforme novo inciso V, no artigo 61 da LDB)!

Por fim, outro aspecto grave da Lei, este com repercussões na educação superior, diz respeito à formação do magistério. A Lei, ultrapassando seus limites e ferindo a autonomia das universidades brasileiras, dispôs (§8º do artigo 62 da LDB modificada): "Os currículos dos cursos de formação de docentes terão por referência a Base Nacional Comum Curricular." Ora, essa é uma concepção de formação docente reducionista e pretende "enquadrar" os professores para somente "aprenderem" a dar aulas sobre o conteúdo que o MEC determinar. Essa concepção já foi adotada por membros do Conselho Estadual de Educação de São Paulo, em especial, por conselheiras que hoje atuam no MEC; na ocasião tentaram impô-la e vetaram 13 cursos de licenciatura da USP, e tantos outros da Unesp e da Unicamp. Felizmente, a Constituição Federal de 1988, ainda que retalhada, garante nosso direito de propor com autonomia pedagógica os diferentes cursos das universidades públicas de São Paulo.

É urgente conhecer, discutir e combater os retrocessos que essa legislação poderá trazer para o Ensino Médio brasileiro.

Licenciaturas das Universidades: é preciso ação para brecar as consequências dessas alterações na LDB!

 

EXPRESSO ADUSP


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