A reunião do Co de 4 de julho referendou a proposta de criação de um curso de Medicina na Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB), cujas 60 vagas serão oferecidas a partir de 2018. A decisão formaliza convênio entre a USP e a Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, que estipula a desvinculação do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais de Bauru (HRAC), pertencente à USP e conhecido como “Centrinho”. Os termos do acordo, entretanto, não foram divulgados publicamente.

Criado há 50 anos, o HRAC é considerado um dos mais importantes centros de pesquisa e tratamento de deficiências craniofaciais do mundo. O hospital foi desvinculado da USP, irregularmente, por proposta do reitor M.A. Zago, em reunião do Conselho Universitário (Co) realizada em 26 de agosto de 2014, que mudou seu status de “Órgão Complementar” para “Entidade Associada” e, ao mesmo tempo, “Autarquia Especial” vinculada à Secretaria de Saúde do Estado. A votação no Co não alcançou o quórum necessário previsto no Estatuto para mudança desse teor.

Segundo apresentação no Co da professora Maria Aparecida Moreira Machado, que acumula os cargos de diretora da FOB e superintendente do HRAC, desde a desvinculação do HRAC, “como gestores que somos, fomos juntamente com os órgãos centrais procurar soluções para que isso pudesse ser viabilizado de alguma maneira, já que nós estávamos fragilizados uma vez que precisavamos fazer contratações destinadas à nossa atividade-fim, acadêmica, e claramente as necessidades que demandavam o HRAC naquele momento não estavam vinculadas a nossas atividades-fim”.

Em conversas com a Secretaria Municipal da Saúde de Bauru e a Secretaria de Saúde do Estado, acrescentou a superintendente do HRAC, houve o entendimento de que a “contrapartida seria que a USP assumisse a atividade-fim” e “o curso de Medicina seria uma das opções já que a estrutura que temos lá é bastante interessante”.

“Arranjos rápidos”

 No dia 1º de agosto de 2017, no Teatro Universitário da FOB, o reitor M. A. Zago, o governador Geraldo Alckmin (PSDB), o secretário estadual da Saúde, David Uip, e a professora Maria Aparecida participaram do evento de lançamento do novo curso. Após a celebração, a Secretaria de Saúde e a Reitoria da USP forneceram informações contraditórias sobre o futuro curso e o HRAC.

O Jornal da Cidade, de Bauru e região, noticiou que no evento foi anunciada a criação de um novo Hospital das Clínicas da cidade, que será inaugurado em 2022 e utilizará o maior dos dois prédios que compõem o HRAC — o chamado prédio novo ou “Unidade II”. A unidade servirá de hospital-escola para os estudantes da nova graduação. Para viabilizar os investimentos no novo hospital, o governo estadual “economizará” recursos com a transferência do Hospital de Base de Bauru para a gestão de uma OS sob supervisão municipal.

Em relação ao novo Hospital das Clínicas, o secretário Uip declarou ao Jornal da Cidade: “Temos o prédio e boa parte do mobiliário já ajustados. Vamos sentar agora para definir o investimento para esta fase inicial. Nós vamos pegar pacientes internados no Base e trazer para o novo Hospital das Clínicas. O corpo de funcionários a universidade fica com o custeio e tem 500 funcionários. Então vamos caminhar com esses arranjos que serão rápidos”.

Já o release divulgado pela assessoria de imprensa da Reitoria não cita a criação de um novo hospital, exceto por uma breve menção em uma legenda. O release traz outra declaração de Uip, segundo a qual “a Secretaria de Saúde assume o HRAC, que, atualmente, é subutilizado, com apenas dois de seus dez andares ocupados, com o objetivo de transformá-lo rapidamente em seu novo hospital estadual, voltado ao ensino e à pesquisa”. Não está clara, portanto, a relação entre o HRAC e o novo Hospital das Clínicas, nem qual investimento caberá à USP e ao Tesouro Estadual.

Restrições

No entender da funcionária Cláudia Carrer, ex-integrante do Conselho Deliberativo do HRAC, existe “uma comemoração muito grande” em torno da criação do curso de Medicina, que não se justifica. “Não temos condições de receber esse pessoal aqui. Com que professor? Será uma faculdade completamente sucateada. É inviável”, protestou ao Informativo Adusp.

Enquanto seus gestores comemoram, desde setembro de 2016 o HRAC reduziu seu atendimento semanal de 16 novos pacientes com fissura labiopalatina para apenas quatro, segundo registrado em ata do Conselho Deliberativo. Também passou neste ano por regulação do Sistema Único de Saúde (SUS): em vez de atender pacientes de todo o país, agora atenderá somente 68 municípios da região. Tais restrições deverão afetar sensivelmente os serviços oferecidos pelo hospital, que em 2016 atendeu 612 portadores de fissura labiopalatina (média mensal de 51) e 40 de malformação craniofacial, realizou quase 10 mil cirurgias e abriu mais de 5 mil prontuários (vide http://hrac.usp.br/wp-content/uploads/2017/04/relatorio_hrac_2016.pdf).

O hospital também sofre com falta de funcionários desde a implantação do Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV): de dez, agora há apenas cinco anestesistas. Um dos arremedos de solução para o problema foi um convênio assinado pela Fundação Universidade de São Paulo (FUSP, entidade privada) com a organização não governamental internacional Smile Train, que pagará 250 dólares por cada cirurgia reparadora realizada.

Velocidade

A professora Maria Aparecida anunciou a proposta de criação de uma graduação em Medicina na FOB em documento assinado em 20 de dezembro de 2016, em que propõe “uma releitura da forma de cooperação da USP com o HRAC-USP e o SUS”. A saber: “A USP, nessa proposta de cooperação com o SUS, fortaleceria o Campus de Bauru como polo de Saúde bem como as práticas especializadas do HRAC-USP, mediante criação de um Curso de Medicina”. “Por outro lado, a Secretaria de Estado da Saúde-SP/SUS assumiria o HRAC-USP, preferencialmente na forma de um hospital estadual que [sic] em associação com a USP, por meio de convênio, com a interveniência da USP e apoio de uma organização social ou fundação com expertise na área de saúde”. Assim, embora confuso, o documento revela que se cogita terceirizar o HRAC.

O processo de criação do curso de Medicina da FOB transcorreu de forma meteórica. No dia 21 de junho de 2017, reuniram-se o reitor M.A. Zago, a professora Maria Aparecida, o prefeito de Bauru Clodoaldo Gazzetta (PSD), o deputado estadual Pedro Tobias (PSDB) e o secretário David Uip. Após essa reunião o processo, aparentemente parado, ganha uma velocidade inacreditável.

No dia 22 de junho, a diretora da FOB encaminha a proposta à Comissão de Graduação da unidade, que, em reunião extraordinária realizada no dia seguinte, uma sexta-feira, aprova a criação do novo curso. Ainda no dia 23, a direção da FOB encaminha ofício ao pró-reitor de Graduação, Antonio Carlos Hernandes, comunicando a aprovação. Este, por sua vez, em despacho dado no dia 27, solicita que o processo seja encaminhado ao professor Edmund Baracat, presidente da Câmara Curricular e do Vestibular (CCV), para emissão de parecer. O parecer é dado, ad referendum, pelo próprio professor Baracat no dia 28 e nesse mesmo dia é aprovado no Conselho de Graduação (CoG). Finalmente, no dia 29 de junho, o projeto é aprovado em uma reunião extraordinária da Comissão de Orçamento e Patrimônio (COP) e na Comissão de Atividades Acadêmicas (CAA), entrando no mesmo dia na pauta do Co, que o aprovou no dia 4 de julho.

Portanto, em menos de 15 dias a proposta recebeu sucessivos pareceres favoráveis e foi aprovada, apesar de constituir um raro caso de curso de Medicina oferecido por uma Faculdade de Odontologia.

Informativo nº 439

EXPRESSO ADUSP


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