O anfiteatro do Pavilhão de Engenharia foi muito pequeno para acolher todos que desejaram manifestar sua solidariedade ao professor Marcos Sorrentino, constrangido a prestar esclarecimentos no âmbito de uma sindicância na ESALQ/USP sobre uma atividade acadêmica realizada junto com membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Ocorrido no dia 28 de novembro de 2017, o evento denominado “Universidade como patrimônio público a serviço da sociedade: reforma agrária, agricultura familiar, agroecologia e liberdade de expressão” permitiu também tratar de temas como o lugar (diminuto) da agroecologia na universidade e a relação desta última tanto com os movimentos sociais quanto com as grandes corporações multinacionais.

Efetivamente, esta sindicância revela que permanecem animosidades na ESALQ/USP contra o MST e que sua presença no campus Luiz de Queiroz provoca grande incômodo. No entanto, o referido evento mostra que uma parte considerável da comunidade esalqueana leva adiante um projeto de profunda democratização da universidade, o que pressupõe um diálogo cada vez mais intenso com os movimentos sociais, representando interesses da parte mais marginalizada da população brasileira.

Os tempos atuais não são favoráveis à democracia. A representação da sociedade brasileira nos poderes executivo, legislativo e judiciário, que já é extremamente distorcida em favor de grupos poderosos, tem nos dias de hoje um caráter particularmente cruel, em razão do processo complexo que ocorre em torno do golpe capitaneado por Temer. Neste quadro, vozes saudosas do autoritarismo e da intolerância parecem ganhar mais ressonância. Mas a mobilização ocorrida na ESALQ/USP leva a pensar que a perplexidade, acompanhada de importante passividade, com o cenário obscurantista está sendo substituída por novas energias de resistência democrática e de proposição de ação coletiva.

Para os professores e estudantes da ESALQ/USP que atuam junto aos agricultores familiares ou às famílias assentadas, acampadas ou sem-terra, estas forças são essenciais para impulsionar iniciativas inovadoras. Neste âmbito, convém mencionar uma experiência das mais promissoras em termos de abertura da escola aos agricultores mais marginalizados do país. Desde o início do segundo semestre de 2017, os grupos de extensão Terra (Territórios Rurais e Reforma Agrária) e Cajan (Cultura Alimentar e Comercialização Justa), vinculados ao Núcleo de Agroecologia Nheengatu, lançaram um projeto de distribuição, para estudantes, funcionários e professores, de cestas de alimentos provenientes do assentamento Milton Santos, localizado a cerca de 50 km da ESALQ/USP.

Redes de economia solidária

De fato, a desativação recente do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que era o principal meio de escoamento dos produtos do referido assentamento, incitou as famílias assentadas a encontrar soluções criativas para a comercialização de sua produção. Em seu apoio ao assentamento, o Núcleo de Agroecologia Nheengatu investiu grande parte de seus esforços na implementação de Organizações de Controle Social (OCS), dispositivo que permite o reconhecimento de produtos como orgânicos para casos de venda direta ou destinação a mercados institucionais.

Estas OCS foram um passo decisivo para conceber formas de constituição de redes de economia solidária em torno das famílias assentadas. Assim, uma cooperativa está se consolidando com vistas ao fornecimento de cestas de alimentos orgânicos a grupos de consumo responsável situados nas redondezas do assentamento. Em princípio, estas cestas são fornecidas semanalmente, compostas por dois tipos de folhosas, dois tipos de legumes, uma fruta e um item especial, que pode ser pão caseiro, mel, arroz (proveniente de outros assentamentos do Sul do país) ou pimenta. Os produtos são escolhidos em função da sazonalidade agrícola, a cesta apresentando assim importante diversidade.

A propósito desta cooperativa, trata-se de um coletivo constituído majoritariamente por mulheres que também realizam mutirões para plantio e manejo nos lotes individuais das famílias e procuram soluções para aperfeiçoar suas técnicas ecológicas de produção. A autonomia das mulheres constitui um tema de interesse maior para este grupo. A consolidação de maneiras cooperadas de escoamento dos produtos é vista como meio para alcançar maior independência financeira em relação a seus parceiros ou maridos. Este desejo de independência financeira se associa também com aquele de divisão mais igualitária das tarefas no âmbito doméstico e mudança de seu papel no processo de tomada de decisão familiar e comunitária, com perspectiva de maior valorização do trabalho feminino no assentamento.

É neste contexto que os grupos Terra e Cajan passaram a distribuir quinzenalmente na ESALQ/USP cestas de alimentos fornecidas por estas famílias assentadas, fomentando paralelamente nesta escola reflexão e debates sobre a qualidade alimentar, o papel da reforma agrária nos dias de hoje e as múltiplas funções da agricultura. Portanto, a realização de atividades acadêmicas junto ao movimento social de luta pela terra é prática democrática universitária absolutamente fundamental para os membros destes grupos e do Núcleo de Agroecologia Nheengatu, o que os leva a prestar total solidariedade ao professor Marcos Sorrentino no âmbito da sindicância em questão.

Paulo Moruzzi, professor da ESALQ

EXPRESSO ADUSP


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