Segunda sessão deliberativa, realizada em 15/5, é marcada por novos rounds de acusações e de ataques ideológicos contra as instituições. Uma das únicas decisões concretas é a aprovação do pedido para que o Ministério Público encaminhe aos deputados todas as ações referentes a possíveis irregularidades na gestão da USP, Unesp e Unicamp nos últimos oito anos

Em sua segunda sessão deliberativa, realizada nesta quarta (15/5) na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), a CPI das Universidades mais uma vez avançou muito pouco nos encaminhamentos práticos e voltou a se converter em palco para ataques ao ensino superior público e para bate-bocas entre vários de seus integrantes.

A reunião durou cerca de duas horas, das quais os primeiros 45 minutos foram destinados ao debate da pauta: a apreciação de oito requerimentos e do plano de trabalho da CPI. O tempo restante foi consumido em discussões sobre temas como o financiamento da educação — por conta das manifestações contra os cortes no orçamento do Ministério da Educação (MEC), que ocorriam desde cedo naquela quarta em todo o Brasil — ou o papel do astrólogo e “filósofo” Olavo de Carvalho no governo Bolsonaro.

Algumas farpas já haviam sido trocadas durante a discussão dos requerimentos, mas o estopim foi de fato deflagrado no “segundo tempo” da reunião, após a leitura de um requerimento redigido pelo deputado Barros Munhoz (PSB) e assinado por todos os integrantes titulares da comissão — menos o seu presidente, Wellington Moura (PRB), destinatário do documento.

No texto, os oito deputados solicitam que o presidente utilize suas prerrogativas para garantir que a CPI “se atenha às competências legislativas do ente federativo que promove a investigação”. “A manifestação expressa pelos membros desse órgão técnico é de extrema relevância, de modo a que questões de cunho ideológico que expressam posicionamentos de esquerda e de direita não sejam objeto de qualquer tipo de investigação no curso dos trabalhos dessa comissão, conforme erroneamente ventilado pela imprensa”, prossegue o documento.

A CPI, recorde-se, foi constituída para “investigar irregularidades na gestão das universidades públicas no Estado de São Paulo, em especial quanto à utilização das verbas públicas repassadas a elas”. Porém, com maioria de componentes oriunda de partidos da direita, que dominam também seus principais cargos — o presidente é do PRB; a vice, Carla Morando, do PSDB; e a relatora, Valeria Bolsonaro, do PSL — a comissão tem propiciado um espaço privilegiado para ataques de todo tipo às universidades públicas, bem como para a defesa de práticas privatistas no ensino superior. Apesar disso, Munhoz conseguiu unanimidade para seu requerimento pedindo ao presidente que corrija os rumos da CPI.

Ao mesmo tempo, os debates (se é que se pode usar a palavra) evidenciam o vasto desconhecimento da maior parte dos integrantes da comissão a respeito da realidade, do cotidiano e do papel das universidades.

Olavo de Carvalho tem feito um grande trabalho”, diz Douglas Garcia

Tão logo Munhoz leu o documento entregue a Moura, o deputado Douglas Garcia (PSL), suplente da comissão, pediu a palavra para dirigir suas habituais diatribes contra as universidades estaduais e sua suposta “esquerdização”. Disse que, embora a CPI tenha por escopo investigar “em especial” a utilização de verbas públicas, “não podem deixar de ser consideradas irregularidades coisas como o incentivo das reitorias para que estudantes participem da greve” [as manifestações do dia 15], fato a respeito do qual teria “provas contundentes”.

“Peço que sejam abarcadas dentro desta CPI todas as irregularidades, inclusive no comportamento da Reitoria com relação a atividades político-ideológicas dentro da USP, Unicamp e Unesp”, disse o jovem deputado, uma das lideranças do movimento Direita São Paulo e que já é alvo de três representações por quebra de decoro no Conselho de Ética da Alesp, o que o coloca sob risco inclusive de perda de mandato. Garcia foi rebatido por Munhoz, para quem o colega “está postulando algo que não cabe à Assembleia Legislativa, que tem um Regimento e obedece à Constituição do Estado de São Paulo e à Constituição Federal”. “Não estamos numa terra sem leis”, prosseguiu Munhoz, citando a autonomia universitária e avançando num discurso em que acusou Olavo de Carvalho, guru do governo Bolsonaro, de estar “transformando o Brasil num curral”. Garcia, então, contra-atacou: “Olavo de Carvalho tem feito um grande trabalho”, disparou. O deputado atribuiu a sua eleição e a própria existência da CPI à atuação olavista, e repetiu a “acusação” de que há “ingerência pública na gestão das universidades”, seja lá o que isso signifique.

Na mesma linha do discurso de uma nota só, o deputado Daniel José (Novo) repetiu o que vem dizendo a cada sessão: que as universidades públicas devem cobrar mensalidades e buscar fontes alternativas de receita. Dessa vez, porém, para usar uma palavra da moda, inovou e sugeriu que a concessão de espaços públicos nos campi para instalação de negócios privados, como lojas e cafés, serviria como fonte de geração de renda para as instituições (haja “expresso” para financiar tanto ensino, pesquisa e extensão). O deputado já postou vídeos no Youtube, até com gravações realizadas na USP, para defender ideias desse tipo.

O estilo youtuber de alguns novatos na Alesp, por sinal, tem servido para “incendiar” a casa, de acordo com reportagem publicada pela Folha de S. Paulo no início da semana.

Temos casos concretos?”, pergunta Jorge Caruso

Estudantes que acompanhavam a sessão aplaudiam ou vaiavam as intervenções dos deputados, e o presidente Wellington Moura chegou a pedir à Polícia Militar que retirasse do plenário uma jovem que vinha se manifestando contra Garcia. Foi dissuadido por outros parlamentares — e os bate-bocas prosseguiram, assim como as manifestações da plateia, às vezes sobrepondo-se às falas dos deputados.

Além de estudantes contrários à CPI, dessa vez havia também um grupo de apoiadores dos partidos de direita que aplaudiam deputados como Garcia e Daniel José e gritavam palavras de ordem a favor da privatização das universidades públicas.

Após a reunião do dia 24/4, quando foi eleita a presidência da CPI, a reportagem do Informativo Adusp flagrou assessores comentando que iriam mobilizar estudantes de faculdades particulares para participar das sessões. Na ocasião, os assessores deixaram o plenário onde se realizou a reunião e se dirigiram ao gabinete de Douglas Garcia.

Em meio às discussões que nada tinham a ver com o foco formal da constituição da CPI, o deputado Jorge Caruso (MDB) questionou Moura a respeito dos encaminhamentos práticos da comissão e da investigação das supostas irregularidades nas quais a CPI deve se concentrar. “Temos casos concretos? Quais? Não podemos ficar aqui discutindo questões genéricas, que são responsabilidade da Comissão de Educação desta casa”, disse.

Caruso assinalou que não há nenhum depoimento agendado na CPI, seja de representantes das universidades, do Ministério Público (MP) ou do Tribunal de Contas do Estado (TCE), o que dificulta o início de qualquer investigação. A comissão já aprovou convites para comparecimento dos reitores da USP, Unesp e Unicamp, mas ainda não há confirmação de sua presença nem previsão de data para que eles sejam ouvidos.

Fazenda deve informar sobre descontos no repasse do ICMS

No campo das decisões práticas encaminhadas antes da deflagração dos bate-bocas, os trabalhos de fato avançaram pouco. Dos oito requerimentos apresentados, seis deles de autoria de Wellington Moura, apenas dois foram aprovados. Um deles solicita à Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo que encaminhe cópias de todos os procedimentos existentes no MP relativos a possíveis irregularidades cometidas na USP, Unesp e Unicamp nos últimos oito anos (período delimitado pela CPI para sua investigação), informando em que fase se encontram as ações.

O segundo requerimento aprovado, de autoria da deputada Professora Bebel (PT), solicita que a Secretaria da Fazenda informe quais são os itens e valores deduzidos da base de cálculo da cota-parte de 9,57% repassada às universidades nos últimos oito anos. O requerimento, encaminhado pela deputada a pedido do Fórum das Seis, determina que sejam apresentados os valores de ICMS previstos e efetivamente arrecadados ano a ano. A Fazenda deve informar também o montante deduzido da cota-parte das universidades para programas habitacionais e se o valor dos prêmios (pagos ou devolvidos) no programa da Nota Fiscal Paulista é incluído na base de cálculo da cota-parte.

Os seis requerimentos restantes foram alvo de pedidos de vista de um ou mais integrantes da CPI e devem voltar a ser apreciados nas próximas sessões. Entre eles estão as solicitações para que os reitores das três universidades públicas estaduais apresentem “o balanço patrimonial e todos os demais documentos contábeis que possam identificar todas as movimentações de entradas e saídas das receitas públicas (ICMS) do período compreendido entre 2011 e 2019”.

Também receberam pedido de vista os requerimentos para prorrogação de sessenta dias do prazo de funcionamento da CPI, que o presidente da comissão já havia apresentado na sessão anterior; para que o TCE indique todos os contratos terceirizados considerados irregulares, em vigor ou não, nas três universidades; e para que as reitorias informem se o governo do Estado está utilizando recursos da cota-parte para fazer os repasses referentes às universidades na São Paulo Previdência (SPPrev). Em caso positivo, devem discriminar quais seriam os valores nominais despendidos com essa cobertura nos últimos oito anos. Este último requerimento também foi apresentado pela Professora Bebel a pedido do Fórum das Seis.

Os novos rounds dessa disputa ocorrerão na próxima quarta-feira (22/5).

Superintendente de Relações Institucionais acompanha a CPI

Os professores Pedro Dallari, docente do Instituto de Relações Internacionais, e Ignácio Poveda, docente da Faculdade de Direito e superintendente de Relações Institucionais da USP, assistiram à sessão. Ao final da reunião, Poveda conversou com alguns deputados, entre eles o presidente, a vice e a relatora da CPI.

Ao Informativo Adusp, o professor disse que está acompanhando os trabalhos da comissão a pedido do reitor Vahan Agopyan. “Entendo que a CPI está no seu papel de apurar, e nós temos que prestar as informações solicitadas de forma muito tranquila. Sou da opinião de que quem não deve não teme. A USP é uma grandíssima instituição, um orgulho nacional, e espero que com esta CPI a universidade saia muito fortalecida e reconhecida no seu papel de liderança acadêmica no Brasil”, afirmou.

EXPRESSO ADUSP


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